Claudia Assef: ‘Não adianta mudar em cima dos palcos, se o resto não mudar junto’
Criadora do WME lutapela diversidade no mercado musical há sete anos
Minha trajetória com a música começou na infância. Tenho dois irmãos e, enquanto eles pediam brinquedos e roupas de presente, eu pedia discos de vinil. Aos 9 anos, já era dona de uma coleção que despertava interesse até mesmo nos meus professores. A disco e a dance music são sons que me levam diretamente para a minha casa, algo familiar.
Profissionalmente, minha atuação no mercado começou quando me formei em jornalismo e passei um período fora do Brasil para cobrir música eletrônica em Paris, na França. Quando retornei, me aventurei como DJ e escrevi três livros sobre o gênero. Ao deixar as redações, usei a minha capacidade de ouvir atentamente para trabalhar na criação de projetos focados em diversidade. Mas ainda não estava totalmente satisfeito. Queria mais do mercado, da música, do
meu trabalho. Sou uma mulher LGBTQIA+, casada, mãe de dois filhos. A diversidade que eles presenciam ainda na infância é algo que eu quero para seus futuros. Em 2016, em parceria com minha amiga Monique Dardenne, demos início ao que seria o Women’s Music Event, o WME.
Passamos um ano inteiro nos encontrando em cafés e locais públicos para traçar um evento que seria totalmente voltado para enaltecer o trabalho de mulheres, pessoas LGBTQIA+, pretas, indígenas. Chegamos a receber uma proposta grandiosa de uma marca de bebidas alcoólicas para colocar o WME na rua, mas o foco da campanha publicitária em sexualização nos fez ignorar todas as cifras e buscar um meio mais humanizado para esse ponta-pé inicial. Os primeiros passos foram a criação de um banco de dados –que existe até hoje– com mulheres profissionais do mercado. Técnicas de som, diretoras, pesquisadoras, preparadoras de voz e tantas outras áreas de atuação estão disponíveis para acabar com a ideia de que não existem mulheres no mercado da música.
O WME se expandiu para uma conferência anual voltada para discutir as novidades da música, que foi seguida por uma premiação. São 17 categorias, com foco total em exaltar e reconhecer o trabalho desse grupo de pessoas que, muitas vezes, está à margem de um mercado ainda dominado por homens. Nosso próximo passo, para este 2024, é a criação de
uma escola de capacitação para mulheres, pessoas LGBTQIA+, pretas e indígenas. Muitas delas não conseguem se especializar no mercado, principalmente nas funções técnicas, pois é uma área com pouca abertura para a diversidade.
Queremos criar horas de voo para essas pessoas. Queremos mexer nesse lugar. Não adianta um festival ou um evento se denominar desconstruído, com uma programação diversa em cima dos palcos e, nos bastidores, ainda segregar e praticar violência com pessoas trans, pretas. A vitrine pode ser bonita, mas é preciso fazer algo holístico, trazendo a pluralidade para atrás das cortinas. Não adianta mudar algo em cima dos palcos, se todo o resto não mudar junto.