Artistas sobem ao palco no Recife para ‘Shark Tank’ da música
'Coquetel Molotov Negócios' agora bota artistas para convencer 'tubarãozinhos'
Cinco minutos para tocar música, mas também o coração e o bolso de investidores. Essa foi a premissa para os 21 artistas que se apresentaram no “Coquetel Molotov Negócios”, uma espécie de “Shark Tank” do festival pernambucano No Ar Coquetel Molotov.
“Quem aqui já assistiu a ‘Shark Tank’? Eu estou me sentindo assim”, começou Felipe Vaqueiro, da soteropolitana Tangolo Mangos, enquanto empunhava uma guitarra emprestada pela conterrânea Sophia, vocalista do grupo revelação do indie rock Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo. “Apesar de gostarmos muito de fazer o ‘Do It Yourself’, não dá para fazer tudo sozinho”, disse ele após tocar a ainda inédita “Skarência”.
Entre performances na base da voz (e do violão), os candidatos também usaram slides e vídeos para tentar convencer três “tubarões”, que estavam no Teatro Apolo, no Recife Antigo, a botar fé e grana em seus projetos. Mas se no programa “Shark Tank” são os tubarões milionários tentando, no “Coquetel Molotov Negócios” são curadores com perfis muito menos agressivos —e também com ouvidos mais atentos à música do que necessariamente a uma boa apresentação de Power Point.
Além disso, “tubarão” seria mais apropriado para um festival de presença agressiva no mercado de eventos, como o Lollapalooza que atrai patrocinadores como Chevrolet ou Mc Donald’s. O pernambucano, de 21 anos de existência e um dos ícones da programação independente do Brasil, é percebido por marcas como Nubank, Deezer ou Natura, mas ainda luta por investimentos mais simpáticos ao mercado alternativo e depende de incentivos da Lei Rouanet e de apoio da Prefeitura de Recife.
Um desses curadores-compradores era Jérôme Gaboriau, diretor do festival Les Escales, que acontece anualmente na pequena Saint-Nazaire, a 70 quilômetros da cidade de Nantes (por lá já se apresentaram brasileiros como L_cio, Jéssica Caitano e a própria Sophia Chablau). “Eu gostei muito. Antes, era em uma sala, em uma dinâmica mais intimista, mas muito difícil para o artista e para nós também”, disse o francês.
Exibindo certo nervosismo, a maioria dos artistas falhou na missão de explicar, para além de apresentar sua biografia recente, por que os investidores deveriam apostar neles — o que era o objetivo solicitado pela organização. A compositora baiana Dimitria foi uma das que agradaram ao jurado do Les Escales.
“Eu gostei também da cantora Lua [artista pernambucana de Jaboatão, de 33 anos], pela voz —não pelo som que não me pareceu algo novo. Mas a Dimitria realmente me chamou a atenção”. Curiosamente, as únicas palavras de Dimitra no palco foram “eu gostaria muito de ocupar, como mulher, mais lugares nesse cenário” depois de entoar uma de suas canções. Pouco, mas o necessário para convencer.
Enquanto se apresentavam, os artistas eram avaliados também por uma plateia formada por publicitários, jornalistas e outros artistas, por meio de um formulário. Nele, quesitos como “o artista tem viabilidade para entrar em novos mercados ou gerar negócios?” e “o artista demonstrou visão clara sobre seus próximos passos e estratégias de crescimento?”.
“O Coquetel Molotov dá muita oportunidade para artistas que não têm acesso a tantas possibilidades, artistas que têm menos privilégios, sabe? E isso, às vezes, vem com a falta de circulação, conhecimento…”, analisa Ana Garcia, CEO do festival, que há cinco anos insiste na missão de ampliar o “vocabulário business” dos artistas e, assim, encontrar brechas em um mercado estrangulado — principalmente para artistas de fora do Rio de Janeiro e de São Paulo e para aqueles que experimentam sons menos favoráveis aos algoritmos viciados. “O mercado, em geral, está fechado para novos artistas. Quais festivais abrem portas para novas bandas? DoSol, Se Rasgum, Carambola… Você conta nos dedos. Como eles terão as experiências necessárias?”, pondera.
Dos 21 artistas apresentados, destacaram-se aqueles que compreenderam a dinâmica, como Matheus de Bezerra, compositor de “canções de amor”, mas disposto a mostrar suas novas direções. Com um vídeo no qual narrava (em voice-over, ou seja, dentro do próprio vídeo) sua biografia amarradando-na em sua trajetória musical,ele ia provando aos “juradores” a evolução de artista “que nem sabia o que era um pitching” para um que, no palco, soube reduzir isso tudo em cinco minutos. “Espero que a gente se encontre em 2025”, finalizou, após exibir um videoclipe.
“Essa experiência [o formato de negócios do festival] não vai resolver a vida de um artista. É uma entre várias formas de se apresentar, conhecer agentes do mercado, ter um palco para tocar”, complementa Ana. Além da rodada de pitchings, o festival promove dois dias de palestras e música antes do evento musical em si, com mesas de debate e showcases.
Nesta quinta, MC Marechal sobe ao palco para uma masterclass sobre música independente no Teatro Hermínio Borba Filho. Na sexta, é a vez da rapper AJULIACOSTA palestrar com o tema “Quantos Rap de Mina Você Sabe de Cor?”. Na Avenida Barbosa Lima, apresentam-se artistas como Mirela Hazin recebendo Pedro Lião, Taj Ma House e Mano Dembelé (na quinta), e Bell Puã, Luana Flores e Juninho do Coco (na sexta).
Além dos citados, participaram também Augusto Silva, Bella Kahun, Beró, Blera Alves, Dandara MC, Jambre, Jennify C, LUA, Matheus de Bezerra, Merson Diferente Estilizado, MIam, Mirela Hazin, O Quartinho, Okado do Canal, Papola, Travadores, Vinicius Lezo, Yla e Zendo