Thiago André Barbosa, o Thiaguinho, é um homem de fé. Definitivamente. Fé como motor para realizar sonhos, a crença inabalável em algo, não obstante os desafios. A palavra fé tem origem no latim. Vem de fides, que significa confiança. Ao abrir o dicionário, a resposta é direta: convicção da existência de algum fato ou da veracidade de alguma asserção; credulidade. Ou seja, para muito além da conotação religiosa, quem tem fé acredita, com ou sem evidência, no que ainda não se vê — mas se sente.
Hoje um dos maiores nomes da cena artística brasileira – autoproclamado “pagodeiro”, com muito orgulho, por sinal –, Thiaguinho cresceu em Ponta-Porã, cidade de Mato Grosso do Sul, com cerca de 92 mil habitantes e que faz fronteira com o Paraguai. Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 3,9% da população é preta (cerca de 3 mil pessoas). Ou seja, ele era exceção no meio que o forjou. Mas o jovem músico não se curvou à ditadura de Legião Urbana e afins que reinavam em sua época. Nos recreios escolares na década de 1990, enquanto os amigos pediam para que tocasse “Pais e Filhos” no violão, ele resistia à pressão e soltava as mais brabas de Jorge Aragão.
Desde então, o moleque criado no interior do Brasil sabia que seria uma estrela. Sua fé era tamanha que ele brincava com a família para que mãe, pai, irmão, avós… enfim, que todo o seu núcleo, que vivia uma vida de classe média, já planejasse como seria ter uma rotina na bonança. A fama para Thiago André era uma questão de tempo.
A certeza era tão grande que, já iniciado na música, ele teve uma ideia: sugeriu que seu pai, João Barbosa, vendesse a casa em que moravam para que, com parte do dinheiro adquirido, ele produzisse um álbum com Wilson Rodrigues, o Prateado, um dos maiores nomes do gênero, conhecido como Pagode 90, e que trabalhou com nomes como Grupo Sensação, Raça Negra, Soweto, Os Travessos, Negritude Jr. e mais.
Conservadores, João Barbosa e Glória Maria Barbosa não acataram ao pedido do filho, mas o incentivaram de outras formas. E o encontro com o tão sonhado produtor viria – cedo ou mais tarde.
“Eu digo que eu merecia o Thiago”, diz Prateado, em conversa com a Billboard Brasil. “É muito raro ver alguém com o profissionalismo dele no samba e pagode. O talento é desenvolvido, ele trabalha nisso, mas muita gente também trabalha. Acho que o grande ponto do Thiaguinho é o que ninguém vê, é fora dos palcos.”
Passadas mais de duas décadas desde que convenceu os pais a abrirem mão de um bem da família para que pudesse seguir seu sonho, dá até para dizer que Thiaguinho previu o futuro. Hoje, com uma trajetória consolidada, foi vocalista de um dos maiores grupos da história — com direito a Grammy Latino em 2011 pelo álbum Exaltasamba – 25 Anos —, construiu uma discografia solo com 14 álbuns e emplacou sucessos que sucessos nas rodas de pagode pelo país. De quebra, criou a Tardezinha, label e turnê que coleciona os maiores números já vistos no gênero. E sabe quem assina a direção musical do projeto atualmente? Wilson Rodrigues, o Prateado.
É só um pagode entre amigos…
Apesar da fé fervorosa do cantor, a Tardezinha, de início, era uma ideia despretensiosa. No primeiro semestre de 2015, Thiaguinho se preparava para ser jurado do programa “SuperStar”, da TV Globo. Para isso, precisaria passar cerca de quatro fins de semana no Rio de Janeiro, onde aconteceriam as gravações. Para não enferrujar, decidiu chamar um dos seus amigos cariocas, o ator Rafael Zulu, como organizador de um pagode com amigos. Zulu gostou da ideia, mas talvez já pensando no futuro, chamou outro amigo para ajudá-lo, o empresário Rafael Liporace.
“O Thiaguinho falou de um pagode e o que eu penso: ele quis dizer alguma festa de amigos mesmo, algo pequeno. O Zulu visualizou uma festa um pouco maior e me chamou para produzirmos um evento. A ideia era fazer algo de fim de tarde, que não virasse a noite e fosse intimista mesmo. E na nossa cabeça era bem claro: fazer esse show apenas por conta da brecha de agenda do Thiaguinho”, conta Rafael, em entrevista para Billboard Brasil.
O primeiro Tardezinha aconteceu na Marina da Glória, no Rio de Janeiro, há 10 anos. Cerca de 5 mil pessoas lotaram o local. Rafael diz que, desde a primeira edição, não tinha dúvida de que estava diante de uma história de sucesso – e fazia parte dela. De 2015 para cá, o evento foi crescendo. A pandemia foi um marco na construção do espetáculo porque, em 2019, um ano antes da Covid-19 nos colocar na condição de isolados socialmente, a festa desabrochou de vez, com direito a dois dias de Maracanã lotado. A visão que se tinha era que, no ano seguinte, tudo seria ainda maior.
Uma década depois, o projeto esgota ingressos em qualquer local em que se proponha estar, tem agenda fora do país e é referência no setor de entretenimento do Brasil. Mas, para quem não sabe do que se trata, é bom explicar.
Com uma média atual de seis horas de duração, o Tardezinha é um pagode a céu aberto onde Thiaguinho faz uma espécie de reverência aos clássicos do gênero, com releituras de Fundo de Quintal a Ferrugem, dos anos 1980 à década atual. No início, pensado em menor escala, hoje ele é realizado em grandes estádios, como o já mencionado Maraca, no Rio de Janeiro, e Neo Química Arena, em São Paulo.
Durante a meia dúzia de horas que passa cantando e recebendo diversos convidados, a estrela da noite tem uma espécie de grito de guerra, que repete com frequência e pede aos seus fãs para ecoarem junto com ele: “Eu sou PA-GO-DEI-RO”, diz Thiaguinho, separando as sílabas para dar mais ênfase à afirmação. O coro chama a atenção não apenas pela energia, mas pelo significado: grito de orgulho, de se afirmar como representante de uma cena musical que, por muito tempo, foi escanteada.
Na sua última edição, o Tardezinha faturou mais de R$ 200 milhões e reuniu quase 800 mil pessoas em 30 shows, distribuídos em 25 cidades. Ao todo, são 16 marcas que patrocinam o evento.
“A Itaipava cresceu com a Tardezinha. Lá no início, nossa ideia era conseguir criar uma identificação com o público do samba/ pagode, que é o Brasil. Os números mostram que conseguimos!”, diz Cristiane Rosa, Head de Marketing Categorias e Consumer Insights do Grupo Petrópolis, principal patrocinador do evento com uma de suas cervejas, a Itaipava.
A história cíclica
Mas para entender como Thiaguinho chegou até aqui, é preciso voltar aos primeiros passos. Ele sua carreira no Sabe Demais, grupo de amigos em sua cidade natal, ganhou projeção no reality “Fama”, da TV Globo, substituiu Chrigor no Exaltasamba por mais de 10 anos e, no início dos anos 2010, resolveu seguir carreira solo.
Nerd do pagode – daqueles que leem as fichas técnicas dos álbuns desde criança –, é um compositor de mão cheia. Em 2012, foi capa da Billboard Brasil. A ideia do editor da época, Rodrigo Ortega, foi mostrar várias mãos tentando pegar o disputado Thiaguinho. A reportagem, escrita por Braulio Lorentz, apontava como o cantor, recém-saído de um grupo em seu auge, seguia sendo requisitado por grandes artistas para parcerias nos mais variados gêneros – de Michel Teló a Ivete Sangalo, passando por Di Ferrero e outros.
Naquele momento, o sucesso no pagode tornou o Thiago André, que já era um artista de prestígio, também uma celebridade. Seu primeiro trabalho solo, “Ousadia e Alegria”, teve os seguintes singles: “Buquê de Flores”, “Desencana”, “Sou o Cara pra Você”, “Ainda Bem”. Iniciar um novo ciclo com tantos sucessos é o sonho de qualquer músico, pois já tira o manto da desconfiança e faz com que o futuro não seja tão incerto.
“É claro que passa um frio na barriga, mas não sei se posso dizer que tinha dúvidas. Eu já vinha pensando há muitos anos no que eu queria fazer. No Exaltasamba, mesmo sendo um grupo e tendo limitações, eu já colocava um pouco da minha identidade e via que tinha retorno, que o público queria algo de R&B, algo diferente”, diz Thiaguinho.
Recentemente, um vídeo de Pelé viralizou nas redes sociais. Um internauta fez uma montagem do Rei do Futebol fazendo movimentos que diversos atletas, das mais diversas gerações, se destacavam por fazer. O rodopio sobre a bola que virou marca registrada de Zidane, craque dos anos 2000? Pelé fez lá atrás. O cabeceio nas alturas de Cristiano Ronaldo? Sim, Pelé também fez. Ouvindo pessoas do meio, uma delas contou: “Thiaguinho pode não ser o melhor intérprete, mas canta muito bem. Não é o melhor compositor, mas é muito bom”. Sem cometer a heresia de comparar o pagodeiro com Edson Arantes do Nascimento, mas Thiaguinho se tornou completo. Inclusive fora dos palcos.
Hoje, ao lado da irmã, Ellen Caroline, ele também cuida da própria carreira por meio da empresa Paz e Bem, criada em 2009. Nos bastidores, Ellen é retratada com uma profissional extremamente reservada, que consegue gerenciar os projetos do irmão de forma independente.
Ainda na reportagem para Billboard Brasil em 2013, Thiaguinho comentou essa sua proximidade com os pais e a irmã e o sonho de, um dia, ser pai. “Sempre tive o sonho. Sou muito fã do meu pai, é meu exemplo de vida. Tenho o sonho de construir uma família assim como ele fez. Meus pais são casados há 30 anos e eu tenho essa vontade de dividir minha vida com alguém, de ter filhos, de criar pessoas do bem”, disse na ocasião.
Logo após a entrevista para esta nova capa, em 26 de fevereiro deste ano, perguntei se aquela vontade ainda vivia. Ele sorriu. Com uma ou outra palavra diferente, repetiu o que havia dito 12 anos antes: reforçou o desejo, elogiou a companheira, Carol Peixinho, e contou que, agora mais maduro, acreditava conseguir conciliar melhor a vida pessoal com a carreira.
E veio aí o plot twist, no último dia 30 de março, Thiaguinho e Carol Peixinho anunciaram que estão grávidos. Pelo Instagram, agradeceram o apoio dos fãs, o suporte da família e celebraram a chegada da nova fase. Para Billboard Brasil, o cantor celebrou.
Foi a notícia mais feliz e impactante da minha vida! Minha alma saiu e voltou pro corpo! Sempre foi um sonho ser pai e dar sequência à família linda que faço parte! Que honra ser família com alguém tão especial como a Carol… Certeza que será a melhor Mãe do mundo.”
E a chegada da criança vai mudar algo na rotina nos palcos? “Só farei meus shows mais feliz ainda! E na expectativa boa de viver o melhor ano da minha vida!”
Seria ousado da minha parte afirmar que o sorriso de Thiaguinho na resposta sobre a paternidade seria uma premonição ou certeza do futuro. Mas como duvidar de alguém com tanta fé? Thiago André Barbosa parece ter um roteiro da própria vida.