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‘Nenhuma Estrela’: um papo com Ale Sater, da Terno Rei

‘Nenhuma Estrela’: um papo com Ale Sater, da Terno Rei

Em entrevista, baixista fala sobre depressão, negatividade e Djavan

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terno rei nenhuma estrela 2025

A Terno Rei é uma banda que não viveu muito o circuito de rádios: aquela coisa de ir visitar os estúdios, implorar para o programador inserir uma música —ou, ainda mais comum, pagar para que isso acontecesse. Nascida em um muito-após-Los Hermanos, o quarteto vê, curiosamente, seu quinto álbum “Nenhuma Estrela” nascer acompanhado de comentários que veem semelhanças entre o pós-punk buscado pela banda e uma sonoridade que “lembra os grandes hits do Charlie Brown Jr.”.

Talvez seja verdade. “Peito”, a música que abre “Nenhuma Estrela”, tem uma guitarra que poderia ter saído de Santos, de algum lugar onde o Chorão ainda canta —e isso só soa estranho para aqueles que viveram o auge daquilo. Para quem conhece mais por playlists, sem muito apego fisionômico, faz sentido. A própria banda já cantou música deles uma vez, em um show no Rio de Janeiro. Lá, ninguém achou esquisito.

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Em 2025, a banda tem mais do que semelhança. Tem continuidade com a produção de Gustavo Schirmer —que já estava com eles em “Violeta“, de 2023—, tem mixagem de Nicolas Vernhes —que entende de som esquisito, sujo, bonito, espacial e assim fez em discos de experimentais como Dirty Projectors ou de um norueguês que gosta de bossa nova como Sondre Lerche. Mesmo assim, fantástico que alguém ouça tudo isso e pense: parece Charlie Brown. Na verdade, “Nenhuma Estrela” se aproxima muito de “Gumption”, álbum da desconhecida banda de dream pop Your Friend, responsabilidade de Vernhes em 2009.

Mas nosso papo nem vai girar em torno dessas ou aquelas influências.

Nessa entrevista à Billboard Brasil, o vocalista-baixista-letrista diz que influência mesmo na vida dele foi o acústico do Alice In Chains —e também o The Doors e Djavan. Também fala dos processos que passou a enfrentar concomitantemente a liderar uma banda com mais três amigos (os guitarristas Bruno Paschoal e Greg Maya; o baterista Luis Cardoso): a quietude, a solidão, a negatividade (isso, inclusive, notado pela esposa Thaha como algo da sua personalidade). Ele diz que é assim desde criança e, naturalmente, a entrevista começa a ficar curiosa por esses processos.

E ele foi transformando em música. A cura pela composição acabou virando companhia para milhares de pessoas Brasil adentro —a banda tem uma base forte de fãs espalhadas para muito além da capital paulista onde nasceu: são novos casais, novos amigos, e pessoas que vão dos 15 aos 55 anos alegando terem se transformado em novas pessoas por causa das letras do Ale —naquele ciclo padrão aos compositores: sofrer, refletir e compor para que alguém possa ouvir, refletir e, se possível, sorrir.

Para você ouvir enquanto lê:

Oi, Ale, como é que você tá?

Tudo certo, tudo ótimo por aqui, começando mais uma semana aí, semana de lançamento. Eu tô um pouquinho ansioso, mas ao mesmo tempo tranquilo. Já lançamos quatro singles, tô começando a pensar nos shows, mas amanhã [a entrevista foi feita no dia 15 de abril, um dia antes do lançamento do álbum “Nenhuma Estrela”] eu quero comemorar o fim desse desse ciclo de um ano gravando, mixando, masterizando, gravando clipe, fazendo entrevista. E ansioso por como vai ser recebido pelas pessoas, pela imprensa.

A sua ansiedade te come nesse período de pré-gravação, pré-lançamento?

Acho que a parte de pré-produção, de gravar e produzir, é a que eu mais gosto. Talvez eu goste mais disso do que do show. É muito mágico quando você tá no estúdio fazendo uma música e rola aquele momento “eureka”, quando você bola um novo arranjo que não tinha no ensaio, ou abre uma voz que deixa a melodia mais bonita, ou o produtor vem com um arranjo de sopro, muda a bateria… Muitas coisas podem transformar a música ali na hora. Quando isso acontece, é incrível, é o que eu mais busco na música. Amo esse momento de criar em cima de algo que já existe.

Sobre a ansiedade, acho que sou ansioso como grande parte da nossa geração, nascidos entre 1985 e 1995. Eu sou ansioso, mas já vi pessoas mais e menos também. Pelo meu bem, fico sem olhar nada de internet, de ego search, de números… Mas nesses momentos de lançamento é inevitável. Preciso entender como está indo, isso gera ansiedade. Não dá pra ignorar 100%.

É a métrica, né?

É. Mas imagino que daqui a umas três semanas eu pare de olhar. Depois disso, não quero tirar mais nenhuma conclusão. Deixar viver.

Você falou de momento eureka no estúdio. Qual foi o grande momento desse novo álbum que você falou: “esse foi o momento”?

Teve alguns. A primeira faixa estava mal resolvida ritmicamente. A gente não sabia se fazia ela com um groove ou como uma música de pós-punk mais tradicional. O [Gustavo] Shirme, nosso produtor, resolveu com uma introdução longa e uma entrada direta no groove. Caiu como uma luva. Um dos momentos que eu mais gosto no disco é justamente quando acaba a introdução e entra a bateria — ela chega com tudo, com um acorde de guitarra solto. É muito bonito.

“Próxima Parada” e “Viver de Amor” foram músicas feitas quase no final do processo. Eu fiz na última semana antes da gravação. Quando a coisa é muito fresca, muito nova, desabrocha com todo mundo jogando ideia. Não teve um grande “eureka”, mas o jeito como as músicas nasceram de quase nada foi muito bom.

“Pega” também foi marcante. É uma música com estrutura complicada: bateria difícil, baixo difícil, várias camadas de synth, voz difícil. No estúdio, quando acertamos a bateria, o baixo e a guitarra do refrão, a gente falou: “Agora temos uma música”. Foi um momento muito gostoso. No geral, foi um disco prazeroso de fazer.

Que bom, porque eu vi vocês no palco do Lollapalooza e vocês estavam tão bem. A energia do show era ótima. Havia uma leveza. O público foi junto. Mais pro final, parecia que o som tava gigante no palco. Começou tímido e foi crescendo. Foi essa a sensação de vocês também?

Pô, foi demais. Foi um show bem mágico. A gente já tinha feito um Lolla super bom em 2022, mas esse foi até melhor. Acho que estamos mais velhos, mais experientes, tocamos direto nesses últimos três, quatro anos. Eu tava super tranquilo, os moleques também. A gente só queria tocar música.

É o que parecia.

Esse sentimento é o melhor de todos: só querer tocar. Mas a gente sabia da importância. Não só pro público, mas pra gente. Se manda mal nesse show, o ano já começa meio estranho, meio “em itálico”, sabe? Mas voltamos negrito. Nosso som não é tão energético, tem melancolia, introspecção, mas foi bonito fazer um show legal, onde tudo deu certo.

O single, com três faixas, que vocês lançaram antes do álbum se chama “Próxima Parada”. O nome tem um significado literal?

O nome “Próxima Parada” vem do refrão, que repete essa frase várias vezes. A ideia da letra é de alguém saindo de um lugar ruim, sem saber pra onde vai. Ela fala isso: “próxima parada”, “última estação”, sem saber se tudo termina ali ou se tem mais uma chance de descer em outra estação. É uma metáfora — não é sobre trem ou ônibus, mas se encaixa com a banda.

Minha pergunta usou a palavra “literal” de forma errada. Eu queria saber se é uma metáfora sobre alguma dúvida de onde a banda quer estar, chegar.

A gente até conversou se depois desse disco não seria hora de esperar mais tempo até o próximo, em vez de lançar nos protocolares dois ou três anos. Talvez fosse algo em torno de cinco ou seis anos.

Porra, mas o que se faz em cinco ou seis anos sem lançar hoje em dia?

Acho que continuaria fazendo shows, talvez mais colaborações, talvez só como músico ou compositor [Ale tem um álbum solo chamado “Tudo Tão Certo”, de 2024]. Daria um tempo também. Ou seguiria produzindo, mas tentando achar algo novo, diferente. Porque a gente terminou a turnê e já começou a gravar esse disco. Mesmo que pro público pareça que passou muito tempo, a gente não parou. Só foi.

Como é equacionar a introspecção da sua vida cotidiana e transpor para as letras? Você é, de fato, o introspectivo que transparecem as letras?

Sou mais introspectivo, sim. Talvez não tanto quanto parece. Eu saio com meus amigos, gosto de estar com a família, prefiro ficar em casa. Minha esposa reclama bastante que eu sou meio negativo, que olho tudo pelo lado ruim. Sempre fui assim desde criança.

Na hora de compor, eu gosto de sentar, tocar e escrever. Amo cantar, amo melodia e harmonia. Vou brincando até que uma ideia me toque de verdade. Quando isso acontece, quero ouvir de novo, quero escrever mais. Por exemplo, nesse disco, quando escrevi “pra viver de amor, vou morrer de amor”, fiquei com essa frase na cabeça por dias. Foi forte pra mim. E pensei: “isso é legal, vou continuar por aqui”.

Essa frase parece Djavan. Acho que ele assinaria isso. No show, vocês incluíram “Lilás” dele, que é uma falsa-solar, né? Ela parece que está próxima do sol, mas ela é uma busca pelo lilás, por esse arrebol —e isso parece com vocês.

Exatamente. “Lilás” é assim mesmo. As pessoas acham que é uma música solar, mas ela é uma música de busca. Ela tá querendo chegar num lugar iluminado, mas ainda tá no caminho. É vibrante, mas não é totalmente iluminada. Isso bate muito com a vibe da banda.

Você comentou sobre ser negativo desde criança. A composição foi uma forma de canalizar isso? De não deixar essa parte pesar tanto na vida cotidiana?

Com certeza. É meio clichê, mas é uma forma de terapia. Às vezes eu não tô bem e nem sei por quê. Aí pego o violão, toco por duas horas, e parece que minha alma se alivia. Eu também gosto muito de correr, que tem esse efeito físico. Mas tocar, cantar e compor é mais profundo. Agora mesmo, com essa correria de lançamento e show, tô sentindo falta de criar coisas novas. Fica essa sensação de que eu preciso compor. Como meu corpo precisa correr, minha alma precisa tocar.

Você falou de música e corrida como deságues —e isso é uma dobradinha comum para quem… já teve em depressão? Você enfrentou isso?

Já. No ano passado eu procurei ajuda porque percebi que tava pior do que o normal. Não queria sair da cama, fazer nada. Achei estranho e frustrante. Fui num psiquiatra, recebi uma medicação que tomo até hoje. Não continuei o tratamento por causa de grana. Já fiz muita terapia também — por anos — e sinto muita falta quando paro. É confuso. Recebo um diagnóstico, aceito, mas no dia seguinte parece que é outra coisa. Então eu sei que não sei, e vou atrás de quem sabe.

Você chegou a compartilhar isso com a banda?

Não. A gente é muito próximo, mas não chega nesse nível de profundidade. Talvez tenha falado como amigo, num momento fora da banda, mas nunca como uma pauta mesmo.

Eu já entrevistei fãs de vocês e e alguns se conheceram por causa da banda, outros terminaram e recomeçaram relacionamentos por causa das músicas. Mas, na maioria das vezes, são pessoas que mudaram sua visão da vida por causa das suas letras. A partir desse histórico que a gente tá falando aqui nessa conversa, como você recebe isso?

É insano pensar que uma música pode mudar a trajetória de uma vida. Mas comigo já aconteceu. Quando eu tinha 15 anos, comprei o “Unplugged”, do Alice in Chains. Aquilo mudou minha vida. Mudou minha atitude, meu caráter. Foi forte.

Quem era o Ale antes do acústico do Alice in Chains?

Eu já era muito viciado em música. Na oitava série, tive uma fase de The Doors. Hoje não gosto tanto, mas foi marcante. Também tive uma fase forte de Djavan aos 19. E acho muito louco pensar que as pessoas passam por algo assim com a nossa música. Fico muito feliz e muito grato.

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