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Quase aos 70, Mad Professor segue rebelde —e dorme ao som de ‘Tuim Destrói Nóia’

Quase aos 70, Mad Professor segue rebelde —e dorme ao som de ‘Tuim Destrói Nóia’

Em São Paulo, mesmo cansado, ícone ouviu reggae do Maranhão e Resenha do Arrocha

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mad professor sao paulo

Pergunto a Mad Professor uma pá de questões nerds sobre música. Quero saber o que ele sente falta quando diante de hits com equalizações protocolares em suas mixagens, mas também se ele ouve música em casa —uma questão crucial para quem é viciado em música e trabalha com. Ainda absorvendo o jet-lag da ponte aérea Londres-São Paulo, o ícone do dub responde sem titubear: ‘Nadinha. Nada. Eu só durmo’.” E sorri ao imaginar o cenário onírico: ele, o silêncio, sua casa e seu estúdio no pacato e caribenho bairro de Thornton Heath, sul de Londres.

Ele toca nesta quinta (13) no Katarina Bar com ingressos rapidamente esgotados por quase 300 outros nerds de música que querem ouvir os ecos e graves que modificaram não só o reggae a partir do final dos anos 1970, mas também toda a música pop —que queria aprender a fazer barulho como Mad fazia com Lee “Scratch” Perry, Sly and Robie, Earl Lawrence, entre outros no lendário estúdio Ariwa Sounds. Ao todo, são oito apresentações no Brasil (lista completa ao final do texto).

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Tenho muitas coisas para mostrar a ele, algumas jornalisticamente irrelevantes, mas queridas: um vídeo do DJ Fábio Roots tocando “My Mynd”, ou melhor, “Melô de Valéria” em um baile de reggae no Maranhão; um “tuin” do funk de São Paulo e um “Resenha do Arrocha” na manga —sim, por que não?

Mas a primeira pergunta que ele precisa responder é se está bem e como foi chegar ao Brasil. Aos 69 anos, ele para e pensa. Dormiu pouco no voo para cá, está cansado —e, ainda assim, muito simpático. Mas cansado, repito. Ele diz, finalmente: “estou bem, feliz. Toda vez que venho ao Brasil é um Brasil diferente”. Diferente como? “Cada vez mais preto.”, ele conclui feliz. “Minha mente fica voando por todos os cantos”, diz meio que lamentando, refletindo.

Mas, nascido na Guiana, ele também curte a viagem e o fato de ser um cidadão do mundo —e que para tal precisa voar por aí, e tocar, e ver cabecinhas felizes com suas experimentações no gênero desde 1979. Tão louco e professor quanto os adjetivos que traz em seu nome artístico, Neil Joseph Stephen Fraser sofreu com olhares tortos dos puristas do reggae quando começou a investir em ecos profundos e graves que “precisam estar na região dos órgãos sexuais”, diz ele com as mãos na cintura. Ele sente falta disso na música pop atual: um grave que seja melhor trabalhado.

‘Eles nos roubam sempre que podem’

Ele sente falta dessa malemolência na música atual. “Não é sobre o quanto você tem de grave, mas o quanto você precisa dele”, diz ao analisar a maioria das canções que chegam sem ele pedir aos seus ouvidos. Mal sabia da enxurrada de conteúdos que o repórter tinha —e, quando soube, foi simpático e gentil, ainda que crítico. Mas ficou chateado mesmo ao saber que há um projeto de lei chamado “Anti-Oruam” na Câmara dos Vereadores de São Paulo.

“Assim é o governo. Eles pegam tudo nosso, é uma máfia”, diz sem pestanejar. A pergunta afloraria no pacato professor aquilo que todo reggueiro raíz é: um rebelde. “Eles nos roubam sempre que podem. Pegam tudo. Na música é a mesma coisa”.  Com a mesma veia, não tem medo de soar conservador quando é questionado se faz coro aos puristas atuais do reggae que acham o dancehall um subgênero sombrio e materialista. “Às vezes, temos que soar conservadores, sim. Algumas coisas precisam ser do jeito que são”. Ele se junta a vozes como a do poeta dub Mutabaruka que reclamam sobre o afastamento dos jovens das raízes rebeldes do gênero e consequente indexação de uma leitura ainda mais urbana, sexual e tecnológica do cotidiano.

Mais do que tudo, ele sente falta de esmero dos músicos nos instrumentos das músicas que bombam hoje. “Falta esmero, alguma dedicação nos instrumentos”, ele diz ao analisar a música comercial.

Ressalvas com ‘Resenha do Arrocha’ e um sono rebelde

Quando —finalmente— a entrevista parece ir para um desfecho, o repórter surge com vídeos e músicas locais para ele analisar. Ele analisa. Sobre DJ Fabio Roots, enaltece a vibração contagiante do showman e canta a tal “Melô de Valéria” de cabo a rabo. A letra diz “minha mente se expande por aí, pensando sobre a chuva, sobre a luz do sol” e ele vai cantando feliz, por vezes de olhos cerrados, como se lembrasse de algo muito íntimo. Era o reggae, afinal. Mas também sua vontade de descansar.

Ouviu (e cantou e também de olhos fechados) um Marley em ritmo de swingueira baiana —e ficou chocado com o fato de o vídeo ter pouquíssimas visualizações. Lembrou-se de suas idas ao Maranhão (“gostei muito de São Luís, curioso pensar que em São Paulo não se dança reggae como lá”) e também foi obrigado a ouvir “Resenha do Arrocha”, de J. Eskine, um dos maiores hits de 2024 e também de 2025.

“Eu gostei, sabe? Mas é que falta algo. Eu recomendaria aos músicos que trabalhassem melhor a equalização. Falta grave”. Para Mad, a filosofia da música pop de “tudo ser sobre o grave” é em vão se não há uma boa equalização. Pergunto se, como professor, ele é obrigado a ouvir perguntas repetidas sobre produção. Diz que sim e exemplifica: “Me perguntam onde e como se bota a voz na produção. Também me perguntam como bota o grave. O grave você precisa sentir, ele não precisa estar, ele precisa existir”.

Ao fim, durante a estridente e aguda “Tuim Destrói Noia” (dos DJs K, Menor 7, Nogueira e Magro) pega no sono. É com este som que os bailes da zona sul de São Paulo curtiram muita brisa sombria embaixo de guarda-chuvas e sinalizadores nos últimos anos. Mas, perto da história do professor, a barulheira não soou nada mais do que um arroubo engraçadinho de jovens noturno.

Rebelde por rebelde, o dono dos graves e ecos em releituras dub das obras de Pato Banton, Jah Shaka, entre outros, se garante. E está certo: depois de tudo o que produziu e viveu, pode ser que, sim, muitas coisas muito legais da atualidade soem apenas como canção de ninar.

MAD PROFESSOR NO BRASIL
Para ingressos e informações, clique aqui.

12/02 @ Matiz – São Paulo/SP
13/02 @ Katarina Bar – São Paulo/SP
14/02 @ Tremoçø – Sorocaba/SP
15/02 @ GOMA – Campinas/SP
16/02 @ Tebas Bar e Café – São Luís/MA
20/02 @ Ambar – Brasília/DF
21/02 @ Kingston Club – Rio de Janeiro/RJ
22/02 @ Aquario Festival – Ilha Grande/RJ

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