Pretinho da Serrinha: ‘chato’ e rebelde, ele virou o ‘cara que resolve’ na MPB
Ele discute mercado, mainstream e um tal apê do Leblon —evitado por muitos

Antes de conversar por mais de uma hora em nossos estúdios, Pretinho da Serrinha já havia falado de muita coisa: reclama da percussão que marca desastrada o samba na sua “Tive Razão” (parceria com Seu Jorge, de 2004), de um senhor vendedor de vinil cujo contato recebeu do amigo Paulinho da Viola, de como dá mais atenção e tempo aos arranjos que faz para as turnês de Caetano Veloso e Marisa Monte, do cansaço que é fazer um segundo disco solo —considerando que gastou uma nota para gravar o primeiro e “ninguém ouviu”.
O exagero do “ninguém” reflete um artista ansioso por um terreno mais palpável neste chamado “pop brasileiro”. De repente, no meio da entrevista, ele assume ser o “Chatinho da Serrinha”. Mestre de bateria aos 14 anos, ele está por trás de capítulos tão interessantes da música brasileira quanto também responsável por discos pouco ouvidos. Na primeira lista, por exemplo, está “Xande Canta Caetano”. Talvez um dos últimos grandes hits deste rótulo estranho que é o “MPB”, o disco só veio a sair depois de muitas dores de barriga de Xande de Pilares. “Ele tremia, tinha medo”, revela Pretinho.
‘Eu cheguei sozinho’
O apartamento, inclusive, é um personagem no papo. “Tentei levar o Arlindo [Cruz], o [Jorge] Aragão para ir. Mas as pessoas achavam que era um lugar em que se fazia política”, diz, dando uma dimensão de como a sala do casal Paula Lavigne e Caetano Veloso passou a agregar Will Smith, Alicia Keys, as Fernandas Torres e Montenegro, Jorge Ben, Kanye West em sessões que, passada a novidade, foram ficando cansativas para aquele responsável pelos momentos musicais. É a hora, então, de falarmos sobre uma elite cultural e da entrada deste personagem nela (e no apartamento). Quando ouve a pergunta “Quais são as suas ressalvas com essa elite cultural?”, ele responde direto, sem pressa para defender o Leblon do termo “elite cultural”.
“Eu cheguei sozinho. Já estive naquela sala com Spike Lee, Caetano Veloso, Jorge Ben, Dadi e a gente tocando. Era eu e meu cavaquinho sozinho. Fui fazendo, trazendo gente. É uma elite cultural, branca. Eu nunca me senti o ‘preto que faz música para animar’. A Paula estava sempre divulgando minha história. Me sinto parte? Não sei se me sinto. Musicalmente, estou ali. Mas eu consegui fazer um time, um grupo e amigos. Não tive nenhuma dificuldade. Já passei dificuldade em outros lugares. Ali não.”, conta.
Em São Paulo para divulgar o “Batuke do Pretinho”, sua roda de samba, ele falou também da dinastia “da Serrinha” que acabou criando, do golzinho 1.8 GL adesivado com a capa do álbum “Racionais MC’s”, de 1994 (o disco que tem “Fim de Semana no Parque” e “Homem na Estrada”), de álbuns que participou como o “Acústico MTV” de Marcelo D2 e, principalmente, de como é ser um artista com opinião em tempos de personalidades nulas nesta tal MPB.
Exigente, virou ‘Chatinho da Serrinha’
Ele mesmo brinca com a corruptela que faz em seu nome: “Chatinho da Serrinha”. Mas suas queixas são justas: indaga sobre o desconforto que é produzir um álbum (caro e para poucas pessoas ouvirem), relembra o estranhamento que teve ao ouvir “Tive Razão” finalizada com arranjos do amigo Edmundo Carneiro (“ele sabe, ele é meu amigo, falei para ele”), se incomoda como muitas produções soam emboladas e menos minimalistas em sua execução (“a música precisa respirar”).
A exigência o transformou em elogiado comentarista e crítico durante as transmissões de Carnaval da TV Globo. “A gente estava em um jantar na casa do jornalista Jorge Bastos Moreno (1954-2017). Todo mundo passava por ali: presidente, ex-presidente. Todo mundo. E me aparece o Ali Kamel”, começa contando. Kamel é jornalista e sociólogo, famoso pelo seu trabalho como diretor de jornalismo na Rede Globo e autor do livro “Não Somos Racistas”. Ciente das críticas que Pretinho fazia às tranmissões de Carnaval, Paula Lavigne tratou de ir em direção a Kamel. “A Paula é doida. Encontrou o homem e me apresentou dizendo: ‘esse aqui é o Pretinho, disse que ninguém lá na Globo sabe nada de Carnaval’. Eu fui ficando cinza. Depois disso, ele manda um email: ‘o menino sabe mesmo do que ele tá falando?’. Eu sabia que ia dar conta. Sempre assisti Carnaval comentando”, finaliza nerd de samba que é, moleque subindo no caixotinho para dar direções a bateria que foi.
O papo tem uma hora de duração, muitas risadas e curiosidades maravilhosas de uma carreira que, praticamente, está presente em toda a música popular contemporânea.