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Por que Mariah Carey é a grande diva dos nossos tempos

Por que Mariah Carey é a grande diva dos nossos tempos

Avatar de Sérgio Martins
Mariah Carey faz show no Rock in Rio

No início do século passado, poucas mulheres do showbiz eram tão deslumbrantes quanto Lyda Borelli (1894-1959). Com uma beleza estonteante e longos cabelos louros, a atriz italiana se especializou em interpretar mulheres sedutoras em produções do teatro e do cinema –que, volta e meia, morriam sorvendo veneno como punição por seus feitos malignos. Mas Lyda era tão admirada e imitada pelas jovens daquele período que passou a ser chamada de diva (deusa, em latim).

O termo, até então, era utilizado no século 19 para rotular as cantoras de ópera que combinavam talento com atitudes, digamos, temperamentais. No caso de Lyda, contudo, serviu para classificar uma artista de carisma e beleza tão impactantes que o ato de venerá-la se torna quase que obrigatório. Mariah Carey, personagem de duas apresentações memoráveis no Brasil em setembro (dia 20 no Allianz Parque, em São Paulo, e dia 22 no Rock in Rio), é a perfeita tradução de diva, em ambos os sentidos e com direito a todos os elogios possíveis. “Ser diva vai além do talento: nos faz passar de ouvintes a fãs. São poucas, e elas fazem a diferença. Mariah é, sem dúvida alguma, uma delas”, derrete-se Roberto Medina, presidente da Rock World, empresa que organiza o Rock in Rio. Para Zé Ricardo, vice-presidente artístico da Rock World, “diva é sobre trajetória. É quase um posto a ser alcançado ao longo do tempo, com gravações incríveis e performances que não saem da cabeça dos fãs”. “Inspira e é sinônimo de respeito e admiração. Eleva nossa percepção sobre o poder da música.”

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A própria Mariah, em entrevista à Billboard Brasil, reflete sobre o conceito. “Diva não é novidade para mim, porque minha mãe era cantora de ópera, universo onde essa palavra é muito falada. Quando comecei profissionalmente, as pessoas se referiam a mim com esse termo. Então pensei: ‘OK, podem me chamar de diva’.” 

E bota diva nisso. São 320 milhões de discos vendidos no mundo inteiro, entre álbuns e singles (streamings não foram computados). Ela é a segunda artista com mais números 1 na parada norte-americana: são dezenove singles, perdendo apenas para os Beatles, que por 20 vezes estiveram no topo –Taylor Swift, por exemplo, tem “apenas” 12. Em 2022, Mariah entrou no Songwriters Hall of Fame (Hall da Fama dos Compositores), instituição que tem entre seus associados pelo menos três arquitetos do universo do pop moderno: as duplas Burt Bacharach e Hal David, Gerry Goffin e Carole King e John Lennon e Paul McCartney. Durante a cerimônia, a cantora se permitiu brincar com a plateia sobre o universo da composição. “Não é a profissão mais fácil do mundo.”

“Nunca medi minha carreira pelos prêmios que ganhei ou poderei ganhar. Mas essa nomeação é muito importante, porque a maioria das pessoas acha que sou apenas intérprete”, explica. Mariah é autora ou coautora de praticamente todas as suas canções. Uma das mais marcantes, aliás, é “All I Want for Christmas Is You”, criada em parceria com o produtor brasileiro Walter Afanasieff (“Jura que ele é brasileiro? Pensei que fosse russo”, espanta-se ela). A música, que acaba de completar três décadas, mudou a história dos discos de Natal, uma tradição do mercado norte-americano. Estilisticamente, ela está mais para canções da Motown (gravadora que deu ao mundo nada menos do que Michael Jackson) do que os cânticos natalinos que eram constantemente regravados para a ocasião. O sucesso colocou o soul e o pop na espera por Papai Noel.

“Criei a canção ainda na infância, num antigo teclado Casio”, disse a cantora numa entrevista para a Billboard americana. Coube então a Afanasieff –que foi recrutado para trabalhar mais intensamente com Maria a partir do segundo disco dela– a missão de transformar o rascunho  numa canção vencedora. Segundo a revista “Vanity Fair”, há planos de se fazer uma turnê comemorativa de aniversário do single. Questionada, Mariah se esquivou da pergunta.

Mas retornemos ao assunto diva. Uma merecedora do título tem de combinar carisma, talento e a sapiência de aproveitar as oportunidades. Embora a diva seja algo –pelo menos para este que vos escreve– de berço, é necessário um aperfeiçoamento constante para atingir seu objetivo. Mariah possui todas as qualidades, aliadas a uma eterna busca pela perfeição. “Quero dar sempre o meu melhor. Não sei se isso significa uma obsessão pela perfeição”, diz ela. Há, no entanto, alguns exageros. Numa reportagem do jornal “The New York Times” sobre o disco “Glitter”, de 2001, o crítico Jon Pareles escreveu que a cantora chegou a voar de Los Angeles a Nova York a fim de retornar ao estúdio de gravação e consertar uma nota que achou que estava fora do tom. Como se trata de um disco traumático, este crítico se esquivou de falar sobre “Glitter”. Mas comentou se é verdade que ela às vezes encasqueta com alguma nota vocal dada de modo errado. “Sim, eu às vezes escuto a primeira versão da música e penso: ‘Hmm, dá para fazer melhor.’ Volto ao estúdio e refaço.”

A trajetória de uma diva também conta com um quê de predestinação. E Mariah nasceu para ser grande. Ela veio ao mundo no dia 27 de março de 1969, filha da cantora de ópera Patricia e do engenheiro aeronáutico Alfred Roy Carey. O nome Mariah faz referência à “They Call the Wind Maria”, canção de “Os Aventureiros do Ouro”, musical de 1951. Quando os pais se separaram, coube a Patricia a missão de sustentar a família. Ela, aliás, foi a primeira professora de canto de Mariah e sua soprano de ópera favorita. “Costumo dizer que ‘To Start Again’, disco de árias que minha mãe lançou nos anos 1970, é a minha ópera favorita”, diz.

Mariah, contudo, estava talhada para ser uma estrela pop. As principais influências da jovem cantora nos anos 1980 eram Whitney Houston (óbvio) e George Michael. “Sou fã de ‘Faith’, disco que ele lançou em 1987. Foi um grande cantor e, até o fim da vida [Michael morreu de ataque cardíaco, no Natal de 2016], continuou fazendo coisas interessantes”, comenta. 

O primeiro grande passo de Mariah em direção à fama se deu em 1988, quando acompanhou Brenda K. Starr numa festa –ela atuava como vocalista de apoio– e deu um fita demo a Tommy Mottola, executivo da gravadora Columbia. Impressionado com o que escutou, ele passou duas semanas em busca da cantora misteriosa. Quando finalmente a contratou, usou o poder que tinha na companhia para transformar Mariah Carey numa grande estrela.

O pontapé inicial de Mottola foi importante, mas a carreira de Mariah não pode nem deve ser resumida à influência do executivo. Mariah quebrou diversas barreiras para atingir o topo da fama e o respeito da crítica. Era, por exemplo, chamada de artista “fabricada” e de “cantora sem alma” por conta do excesso de baladas açucaradas que marcaram o início de sua carreira. Mas ela mostrou uma musicalidade acima da média. Como bem pontuou Kelefa Sanneh, do “The New York Times”, “Mariah era muito mais talentosa do que seus detratores imaginavam. Após alguns anos de sucesso no mundo pop, ela deu uma guinada em direção ao hip hop. Foi abraçada pelas rádios do gênero, que estavam se tornando potências musicais, e ajudou a ensinar uma geração de cantores de pop e R&B a ver os rappers como seus aliados naturais e colaboradores em potencial. Ela também desenvolveu um estilo de cantar evasivo e sincopado que a ajudou a se afastar das grandes baladas rumo a composições mais simples, voltadas para as pistas de dança”, decretou Sanneh, no livro “Na Trilha do Pop”.

A guinada na carreira fez com que Mariah se tornasse ainda mais uma referência na trajetória de jovens intérpretes. “De vez em quando, sou procurada por cantoras que dizem ter sido influenciadas por mim. Eu me sinto grata por isso”, diz à Billboard Brasil. Mas quem são as fãs que viraram ídolos do pop? “Não irei citar uma particular porque quem ficar de fora pode se chatear comigo”, despista Mariah. Mas sabe-se que Beyoncé e Grimes, por exemplo, são suas admiradoras de primeira hora.

No showbiz brasileiro, há pelo menos uma fã declarada: Anitta. A cantora chegou inclusive a usar uma peruca similar à cabeleira de Mariah no clipe de “Não Para”, de 2013. “Mariah é sinônimo de diva no mundo inteiro. Com uma voz única e sua estética pop atemporal, ela arrebatou uma legião de fãs no planeta. Digo que ela foi e é uma referência para mim em vários sentidos. Tenho todos os CDs e fiz minha família inteira ouvi-los e se apaixonar pelo trabalho dela. Falar de Mariah é falar de um eterno ícone do pop”, confessa Anitta.

Mariah Carey, como bem pontua o produtor João Marcello Bôscoli, reúne, de modo exemplar, afinação, timbre e interpretação. “É uma pessoa com um dom fora do comum. Canta muito e chegou num patamar altíssimo”, derrama-se. 

Um dos atributos mais famosos da americana é a whistle note, aquele agudinho que dá entre um verso e outro. “Os agudos sempre existiram. Aretha Franklin, por exemplo, fez escola há tempos. Mas cantados com tamanha delicadeza, sensualidade e definição só depois de Mariah”, diz a cantora e compositora Jenni Mosello, autora de hits de Luísa Sonza, IZA e Anitta. “Todo cantor tenta fazer a whistle note no banheiro”, brinca. “A whistle note, na verdade, foi uma tentativa de imitar a cantora de soul music Minnie Riperton no final da balada ‘Lovin’ You’”, confessa Mariah. “Minha mãe vivia me dizendo que eu iria estragar minha voz fazendo isso”, brinca. “Mas deu certo.”

As performances no Brasil eram um sonho há muito acalentado, mas nunca realizado de modo satisfatório. Ela só havia visitado o país anteriormente em turnês de divulgação de seus álbuns. Em 2010, foi atração da Festa do Peão de Barretos –totalmente deslocada do resto do elenco, diga-se. Oito anos atrás, faria shows no Brasil (leia-se São Paulo), Buenos Aires e Chile, mas cancelou a turnê sem dar explicações. “Há tempos queria visitar o Brasil. Foi emocionante me apresentar para um público tão grande.” Por grande, entende-se, o maior público de sua carreira. Segundo Pepeu Correa, CEO da 30e, que trouxe Mariah para São Paulo, o show no Allianz Parque reuniu 50 mil pessoas. 

Mariah, aliás, trouxe mais o lado carismático de diva do que as demandas absurdas que costumam acompanhar os artistas que ostentam esse título. No máximo, pediu cuidado extremo para Cha Cha e Mutley, cachorros da raça jack russell terrier, que carrega de cima para baixo e com quem conversa fazendo voz de bebê (como afirmou para a revista “Vogue”). Missão dada, missão cumprida. O hotel Fasano, que hospedou a cantora, reservou aos animaizinhos garrafas de água, pratinhos e travesseiros em forma de osso personalizados para o leonino Cha Cha e o pisciano Mutley –sim, ela faz questão de falar os signos dos cachorrinhos.

O sucesso nas apresentações no Brasil são um gostinho do que ela vai mostrar nos próximos meses. No final de janeiro de 2025, Mariah estreia uma nova residência em Las Vegas, cidade em que faz temporadas constantes desde 2009. Desta vez, para comemorar os 20 anos de “The Emancipation of Mimi”, considerado o disco que recolocou sua carreira nos prumos depois do fracasso de “Glitter – O Brilho de uma Estrela”, de 2001.

No momento, o cineasta Lee Daniels (dos filmes “O Mordomo da Casa Branca” e “Os Estados Unidos Vs. Billie Holiday”) trabalha na produção de uma série sobre a vida de Mariah. “Estamos chegando lá”, diz ela. “Mas ainda nem sei quem vai me interpretar.”

E, sim, há estudos para um novo disco. Mariah tem gravado uma coisa aqui, outra ali, mas não quis dar muitas pistas (definitivamente, ela não é fã de spoiler). “Não posso entrar nisso agora, mas estou trabalhando com muitas pessoas e está sendo emocionante.” Há pelo menos alguma participação especial? “Não. Mas será fantástico”, encerra.

De volta ao dilema do primeiro parágrafo. O que é ser uma diva? “Uma diva não é feita de unanimidade, e sim de superação dos maus momentos. A cada volta gloriosa depois de tantas mortes anunciadas é que se confirma uma grande estrela. Uma certeza que vai de Billie Holiday até Madonna, passando por Mariah Carey e Cindy Lauper”, decreta o DJ e produtor Zé Pedro, que abriu a performance de Mariah em São Paulo. Mariah Carey é tudo isso, uma diva que conheceu o sucesso e o fracasso, se levantou e saboreia com justiça cada bocado da fama e respeito que tem hoje. Do além, a pobre Lyda Borelli deve estar se envenenando de inveja.

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