OPINIÃO: ‘O ensino de música tem de deixar de ser o primo pobre das artes’
Maestro João Carlos Martins defende valorização da educação musical nas escolas
O sonho do maestro e compositor Heitor Villa Lobos (1887-1959) era fechar o Brasil em forma de coração através da música.
Após a Semana de 1922, um marco histórico na cultura brasileira, ele conseguiu introduzir a música no currículo escolar em 1934 por meio de um decreto presidencial, através do Canto Orfeônico.
Naquela época o poder de concentração de uma criança durante uma aula, conforme pesquisas realizadas, alcançava cerca de 40 minutos.
Através do canto orfeônico, mesmo sem recursos tecnológicos atuais, a evolução musical no Brasil, principalmente após a segunda guerra mundial foi surpreendente.
A união entre a música popular e a música clássica ocidental, sintetizada e profetizada por Johann Sebastian Bach (1685-1750), foi o pilar da educação musical do período.
Nosso Villa, que inspirado em Bach compôs as extraordinárias Bachianas Brasileiras, se aproxima do choro de Pixinguinha (1897-1973) e do samba de Noel Rosa (1910-1937), dentre outras fontes da música brasileira.
A partir dos anos 1960 o ensino da música nas escolas foi perdendo espaço, até ser excluído da grade curricular definitivamente na década de 1970. Em 2008, houve uma tentativa de trazer o ensino da música nas escolas como “carro chefe” nas artes.
Infelizmente, essa tentativa não obteve êxito. Se em 1934 tínhamos cerca de 22 mil escolas de ensino primário no Brasil e pouco mais de um milhão e meio de alunos matriculados, hoje são mais de 140 mil instituições de ensino fundamental, entre públicos e privados, que atendem mais de 22 milhões de crianças e adolescentes.
Esse crescimento do acesso à educação, embora ainda não suficiente, é muito significativo e necessário, mas para o ensino da música, nos moldes de 90 anos atrás mostrou-se inviável.
A volta da obrigatoriedade do ensino da música nas escolas se deparou com a falta do número suficiente de professores. Seriam necessários milhares de educadores musicais para cumprir este objetivo.
Como nem sempre os resultados são melhores que as intenções, o ensino da música foi substituído pelo curso de artes, que passou a ser conteúdo obrigatório no currículo do ensino fundamental. O curso de artes atual tem no seu “guarda-chuva” as artes plásticas, dança, teatro, entre outras modalidades artísticas, e a música, de “carro chefe” passou a “primo pobre”.
Hoje, após pesquisas realizadas por diversos institutos, sabe-se que o poder de concentração de uma criança para uma aula de música raras vezes ultrapassa 15 minutos. Pode-se atribuir à tecnologia, celulares e redes sociais, essa responsabilidade.
Mas é também graças à tecnologia que o nosso grupo conseguiu desenvolver um método de introdução ao ensino da música para os primeiros quatro anos do ensino fundamental, que consistem em vídeos-aulas e cursos preparatórios de 10 horas anuais para capacitar o professor de artes a introduzir os conceitos básicos da música para estes alunos através de atividades musicais de cerca de 15 minutos, que serão integradas às aulas de artes regulares. Para estas aulas de 15 minutos também teremos vídeos para os alunos acompanharem o conteúdo apresentado.
O nosso método começa de uma forma brincante e aos poucos vai se conectando ao coração e à alma da criança, e assim, conseguimos enxergar no horizonte a possibilidade de tornar real o sonho de Villa-Lobos.
Pelas experiências que realizamos em algumas escolas nos últimos anos, estou certo através do ensino da música por 15 minutos nas aulas de artes ajudaremos a harmonizar o Brasil, pois filósofo alemão Friedrich Nietszche (1844-1900) estava certo; “Sem a música, a vida seria um erro”
*oão Carlos Martins é pianista, maestro e diretor musical da orquestra Bachiana Filarmônica