OPINIÃO: Nossa singularidade pode nos fazer mais plurais
Marcelo Castello Branco analisa o progresso contínuo do Grammy Latino


Representatividade não se reflete com o tamanho da população ou o poder econômico de um país. O Latin Grammy não é uma competição entre os países, não é um projeto como Eurovision. É um processo de muitas etapas e efeitos colaterais positivos , ricos e intermináveis. As premissas meramente estatísticas são superficiais e superadas. O que a Academia Latina de Gravação propõe é uma janela imensa de integração, de conhecimento de outras culturas, um espaço único de diversidade latina. Sem supremacias, sem hegemonias mas de harmonia .
Há tempos que a Colômbia é o país com mais vocação de exportação de seus artistas. A música brasileira, com a sua originalidade e potência, sempre e cada vez mais terá o seu espaço .
Mesmo assim, temos espaços onde nossas particularidades são respeitadas, pois não seriam comparáveis a outras manifestações artísticas de uma mínima aproximação. Esta característica parcial também acontece com a música regional mexicana, outra autoridade do continente latino que, só neste ano, pela primeira vez vem dominando os charts de streaming de todo o mundo.
Existem gêneros de música que, com sua peculiaridade, merecem seus espaços únicos, até o romperem com sua produção incessante. A comunidade artística brasileira deste novo mercado cada dia obedece menos fronteiras, conversa com outros talentos, troca experiências. De novo , uma leitura estatística é redutora de toda esta história. O Latin Grammy vai muito além disso, desta visão com prazo de validade vencido .
A qualidade da música brasileira é indiscutível e reconhecida no mundo inteiro. Mas muitas vezes, a auto suficiência do mercado local, sua própria capacidade de consumir o que é seu, nos impede de olhar para fora de forma regular e planejada. Isso muda, se reprograma com o tempo, com uma nova mentalidade, com novas gerações de artistas e executivos com mentalidade mais global, inclusiva e desafiadora. E com humildade de recomeçar do zero, praticamente no anonimato regional .
O Brasil , apesar de ser top 5 de quase toda plataforma digital, tem sua música predominantemente consumida no próprio país . É um mercado auto sustentável gigante, como Índia e China . Precisamos trabalhar e aprender a operar com mais foco, planejamento e receber repertórios não anglos com mais generosidade e capacidade de reciprocidade. Talento não nos falta. Nunca faltou. A academia tem um leque de ações constantes de inclusão da música brasileira no universo da Academia.
Em todos os prêmios especiais desde o início da Academia, há 24 anos, figura no mínimo um artista brasileiro. Este ano foi a cantora Simone, injustamente minimizada no próprio Brasil. Uma galeria de estrelas brasileiras passaram por este evento de alta voltagem emocional e de reconhecimento de suas obras .
O Brasil teve três artistas celebrados como Personalidade do Ano: Gilberto Gil, Caetano Veloso e Roberto Carlos, respectivamente.
A participação em quase todas as categorias já existe mas requer processos, engajamento e participação de toda esta nova comunidade musical de muitos protagonistas, como membros votantes e ativos .
O Brasil é uma das maiores prioridades da Academia e de seu projeto de internacionalização, patente este ano com a realização de uma primeira edição fora dos Estados Unidos, em Sevilha, na Espanha . Nos últimos dois anos vários eventos foram realizados no Brasil, além da nova categoria de música urbana: o “Acústico” da Rita Lee , o fechamento de um contrato de três anos de exibição com o Grupo Globo, através do Canal Bis, Multishow e a plataforma de streaming Globoplay. Todo um portfólio de ações que não termina aqui e que deixa claro o compromisso com a música brasileira.
A equivocadamente propagada barreira da língua também é uma senha de originalidade atraente, uma oportunidade de mais integração, colaboração mútua. Somos todos latinos americanos e não podemos esquecer que=, somando a lusofonia, podemos ter um espaço de relevância neste novo mundo, uma voz ensurdecedora a ser ouvida . Estes preconceitos foram quebrados com a internet, com cada vez mais gente viajando , explorando outras culturas e possibilidades . Nossa singularidade pode nos fazer mais plurais .
Sevilha foi a materialização de uma cidade de sonhos, multicultural , intensa, generosa. Uma delegação recorde de cerca de 200 brasileiros, entre trabalhadores da música e artistas, conviveram com interesse, curiosidade e amabilidade durante uma semana de eventos múltiplos , não só da Academia mas também de labels, distribuidores , editoras, etc . O Grammy Latino 2023 foi feminino , como Laura Pausini, Shakira , Xênia França, Gaby Amarantos; entre muitas outras e outros. Mas aqui não existem perdedores. A indicação já é um reconhecimento e a integração é um bônus que tem que saber desfrutar, compartilhar e repercutir. Somos todos latino americanos e sempre nos enganamos. Mas como disse Shakira em seu discurso: “no passado só podemos recordar o futuro”.
*Marcelo Castello Branco é ceo da UBC ( Uniao Brasileira de Compositores, Chairman do Board da Cisac ( Confederação Internacional de Autores e Compositores) e Membro do Comite de Nominação e Governança do Latin Grammy