O sentimento de rejeição que fez Nesk Only virar o trapper motivador do gospel
Trapper converteu mãe e pai evangélicos em seus maiores fãs
Uma das melhores faixas de 2023 no trap veio de uma voz que, em oposição aos maiores sucessos do gênero no mesmo período, expandia o foco da letra para além das notas. “Todo mundo vai querer fazer gospel”, profetizava Nesk Only, em “Pela Manhã”.
“Ela foi feita em um contexto muito doido. Eu já tinha feito algumas coisas, mas ela foi uma chave em minha vida. Ela parece ‘menos gospel’ e é a primeira a falar a dinheiro nesse gênero [o gospel]. Mas a letra é sobre o que a gente deve colocar como prioridade”, explica o rapper conceituando sua música em um lugar diferente.
E, de fato, Nesk está em um lugar diferente que é o gospel dentro do trap. O rapper, de 23 anos, neto de um pastor da Assembléia de Deus Ministério Belém, de Campinas, nasceu pronto para “o caminho”, aquele do qual o varão não pode se desviar. “Minha casa não tinha música secular. Era tudo sempre muita igreja, muito gospel”, relembra. Isso gerou um sinal amarelo na cabeça do pequeno Renan Morais de Souza. “Eu ficava me perguntando o porquê do ritmo [do trap, do rap] não estar ali dentro [da igreja]“.
O gospel começou a ter uma faceta gospel no Brasil a partir de artistas como Apocalipse 16 (cujo líder, Pregador Luo, é o ídolo de Nesk) e DJ Alpiste, a partir da metade da década de 1990. Dez anos depois, o fenômeno fazia-se real e já era agraciado como categoria no prêmio Hutúz, extinta premiação do hip-hop nacional. Esse cruzamento permite que, hoje, Nesk consiga transitar pelo gospel e pelo trap sem a perseguição pela qual os pioneiros enfrentaram.
“Quando eu era adolescente, o que tava em alta no mercado secular, em questões musicais, audiovisuais, em questão de arranjo… Não tava rolando pra mim. Eu senti falta disso [do hip-hop direcionado pelo gospel] na minha adolescência. Criou-se em mim um desejo de querer fazer. Eu falei ‘mano, queria algo que representasse a rapaziada, que tivesse uma palavra ali, que tivesse a ver com os nossos princípios'”, relembra.
E a primeira caneta que surgiu foi o single que abre esse texto. Menos de um ano depois do trabalho independente, o trapper chega a uma gravadora disposta a alcançar ouvintes que tenham o mesmo desejo do cantor quando adolescente. Agora, ele prepara o EP “Ebenézer” e um álbum em colaboração com Gustavo Daniel, o 2metro. Desde então, foram três singles: “Dou Risada”, “Chuva de Bençãos” e “Bom Samaritano”. Esta última, de tom confessional biográfico, dos versos “De vez em quando / Era que nem Davi / Eu me sentia o menor da minha casa”.
“Nenhum pai imagina o que se passa na cabeça de um filho adolescente”
Nesk confessa uma questão geracional-afetiva que se embola (e também se resolve) em sua carreira musical. Fruto de um relacionamento de dois pais jovens (a mãe Lelizane descobriu-se grávida aos 17), o rapper caminhou em sua biografia desejoso por aceitação. “Eu sempre cresci com essa parada, buscando palavras de aprovação, desejando ter nascido em outro contexto. Queria ser aceito pelos meus pais”, afirma. Foi a partir disso que o rapper construiu sua lírica. “O que eu coloco nas minhas músicas é o que eu queria ter ouvido desde criança. Uma palavra de aceitação, de aprovação. Às vezes, isso, é a única parada que a pessoa precisa ouvir para que ela consiga ter motivação para uma parada maior”, conceitua.
Quando perguntado como foi conversar sobre esse assunto em casa, o rapper alarga o assunto. “Eu sou um cara muito tímido e introvertido. Tem sido uma dificuldade pra mim. Mas o lugar que a gente tem de ter menos vergonha é com as pessoas que amamos. Muitas doenças estão nascendo, principalmente em nossa geração, por problemas de comunicação. E eu conversei isso com meus pais. Eu achava que não fui aceito quando eu nasci”. Ouvir dos pais a negativa do fato e entender melhor o contexto do “outro lado” foi uma chave de mudança na vida daquele rapper que emergia na vida adulta.
“Nenhum pai imagina o que se passa na cabeça de um filho adolescente”, continua. Mas conversar com os pais fez o então jovem Nesk avaliar que seus tutores também sofreram: o pai ficou desempregado, a família foi morar de favor. “Mas, graças a Deus, as pessoas que estavam próximas, a igreja, a minha família sempre estavam ali para ajudar. A rapaziada fazia uma cesta básica… Eu vivi muito disso”.
Apesar de a igreja ser um lugar muito social e de muitas palavras, nem sempre um varão ou uma varoa crescem em um ambiente de diálogo. Nesk acredita que sua geração nem sempre dá abertura para os pais ou para uma relação mais aberta. Ainda falando sobre sua relação com os progenitores, Nesk fala sobre empatia com quem veio antes.
“Então, eu me coloquei no lugar deles. Como foi pro meu pai com 20 anos e para minha mãe com 17 ter um recém-nascido em casa? E a gente começa a entender o que as pessoas fazem por amor. Se a gente tivesse mais empatia, a gente até se identificaria como uma pessoa amada, tá ligado? Esse papo com meus pais mudou até minha mente, tá ligado, mano?”