O ‘príncipe da comédia’ que ainda quer fazer um álbum de rap com Felipe Dylon
Ronald Rios lança primeiro especial de comédia após 18 anos de carreira


Ronald Rios sabia que um burburinho surgido após um (bom) show feito no Rio de Janeiro não era necessariamente para ele. Espécie de primeiro vlogger de comédia do subúrbio carioca, o comediante estabeleceu-se como diferente em 18 anos de carreira: fala de tudo, inclusive fala bem quando o assunto é música —fato raro no stand-up brasileiro. E, por isso, seus programas de entrevista recebem rappers como Emicida, Rodrigo Ogi, Febem. Naquele dia, ele recebia —na platéia— o rapper Filipe Ret.
E esse é o início de uma parceria que, até agora, rendeu o especial “O Príncipe da Comédia”. Inicialmente, Ronald hesitou. “O maior investimento que você faz em mim é tirar um dia do seu fim de semana para vir me ver”, teria dito ao rapper. Mas a postura durou pouco e Ret bancou a produção do primeiro show do comediante que gosta de falar de música e diverte quando passeia pela sua biografia preenchida profissionalmente como roteirista, beatmaker, apresentador, repórter do CQC e um quase ghost-writter de um disco de rap do Felipe Dylon que seria bancado pela Sony Music e produzido por Rick Bonadio —perguntado sobre, o cantor confirmou encontros com a Sony e com Rick Bonadio, mas não que o projeto seria de rap ou que teria feito exigências por “maconha e mulheres”, como conta o comediante.
À Billboard Brasil, Ronald falou sobre como pouco ouviu rap em 2024, sobre jazz e sobre como aporrinha Daniel Ganjaman pelo WhatsApp quando está doido de cogumelo. Tudo isso, enquanto retocava com água oxigenada o cabelo platinado e, ao mesmo tempo, tentava segurar o fone já todo manchado de tinta para falar conosco —no mesmo quarto onde opera o programa de rádio/You Tube “O Velho Ronald Rios”.
“O Príncipe da Comédia” tem “dois Felipes” envolvidos. Por qual vamos começar?
O que você quiser.
Sua experiência com Felipe Dylon, de um disco de rap no qual você seria um ghost-writter, é real? Pode-se acreditar nela?
Você pode acreditar nela. Eu tentei pegar uma anedota que, na minha vida, é uma coisinha engraçada. E, aí, pintei ela do jeito mais artisticamente interessante. O show é cheio de histórias e a jogada é sublinhar as ironias que você vive. Eu acho que o Felipe Dylon cresceu bem, viveu bem e eu não é uma pessoa que eu precise pegar leve com ele. Ao mesmo tempo, não tem o sentimento de “ei, vamos proteger”. Ele é um cara bondoso. A própria piada da Multishow… Ao invés de atuar, ele agradece todo mundo. [Ronald cai na risada ao lembrar de “Open Bar”, seriado da Multishow roteirizado pelo comediante do qual o cantor participou —está no minuto 17:10 do especial]
Ele é um cara bondoso, bonzinho. Ele não é um playboy escroto, grosseiro. Todo playboy é um pouco perdido da cabeça, não tem aluguel, feira para pagar. Eu adoraria ter crescido no “mundo dylon”.
Te frustrou a Sony ter desistido do projeto? [Segundo conta Ronald, a gravadora acreditou na possibilidade de um projeto de rap encabeçado por Felipe, com produção de Rick Bonadio —o que teria sido desmontado após exigências de “maconha e mulheres” da parte do cantor]
A longo prazo não! Gerou essa história e ela é, tipo, insana. Então, não. A curto prazo, sim. Eu tinha noção do absurdo que era. Mas eu estava pronto para fazer o melhor possível. Alguém veio falar comigo esses dias: “e se o Felipe Dylon vir falar algo contigo?”. Eu estou pronto! Tenho uns “maninho” aqui pronto para escrever letras, eu também faço beat! Felipe Dylon no rap: eu não desisti ainda. Eu torço muito para a gente finalizar uma parceria criativa frutífera. Eu realmente quero que ele realize esse sonho.
Eu procurei créditos com seu nome e não achei. Fiquei com medo de ter pesquisado mal. Mas eu sei que você tem rodagem em bastidores de álbuns. Quais são seus trabalhos na música?
Cara, são coisas como jingles e, como roteirista no Multishow, compus esquetes musicais. Sentar e escrever letras bem humoradas é algo que faço bem. Tem um seriado que vai sair na Disney+ que se chama “Jogo Cruzado” [com Carol Castro e José Loreto]. É um sitcom. O José Loreto é jogador de futebol e tem uma cena de batalha de rap e eu fui chamado para escrever essas músicas —e depois escrevi mais coisas. Eu tenho uns raps gravados para amigos, coisa que eu nunca, nem de perto, vislumbrei em ter como carreira. Eu só conecto verbo, pronome, substantivo. Meu trampo é realmente música para ficção.
Mas você se tornou próximo de muitos rappers —que tem você em alta consideração pela profundidade no gênero. Nunca rolou nada?
Sim, já dei pitacos. Alguns MCs eu convivi muito em estúdio. Mas foram coisas como “você não acha que isso aqui seria melhor do que isso?”. E muitas vezes a resposta era “não, Ronald, cê tá viajando”. E, muitas vezes, foi aceito.
Dá um exemplo, pô.
[Gargalhadas] Não posso! Mas, assim, obras que eu tenho muito orgulho que chegaram no público e eu fiquei “nossa, parabéns, Ronald. Você colaborou com o rap nacional”. São pitacos, frases. Como se fosse uma IA analógica.Música é uma grande parte do seu texto. Como o ouvinte-comediante que começa a virar amigo de artista se portou a partir do momento em que zoar um álbum podia atrapalhar seu fluxo na música?
Cara, boa pergunta. Eu sempre fui apegado às coisas que eu gosto e, por isso, falava. Eu leio o The Guardian, a Vanity Fair, a Vulture. Tudo que é sobre resenha, sempre gostei. E, no Brasil, a crítica é uma extensão do press-release [parte do material que a assessoria do artista envia à imprensa para divulgar o lançamento]. Criticar não cai bem. É treta. Como eu não quero encontrar problema, sempre falei muito do que eu gostava ou falava mal de coisas de fora.
Eu tive uma situação só: eu escrevi um texto para o Estadão, um resumo dos lançamentos de 2017. E, aí, teve um MC que veio cobrar não estar na lista. Sei lá como ele conseguiu meu WhatsApp… Eu prefiro entrevistar, perguntar o porquê de o artista ter escolhido aquele caminho… Eu só consigo lembrar do Raplogia, nem sei se está no ar. Mas era um site que levava o rap a sério e, por isso, tinha MC que devia criar algum caso com eles. Uma grande tolice. Mauricio Stycer, melhor crítico de TV do Brasil, me criticou várias vezes e eu nunca levei a mal. Alguns repórteres do CQC se negavam a dar entrevista depois de uma crítica. E eu sempre achei que não tinha a ver uma coisa com a outra. E isso acontece na música. Tudo vira “hate”. Imagina eu resenhando Taylor Swift e tendo que lidar com os fãs dela.
É bom poder conversar com um comediante que ama música porque eu posso, finalmente, reclamar daqueles seus amigos de profissão que insistem em zoar o jeito de cantar do João Bosco como se isso fosse a única piada possível na MPB. E nem é piada! É a coisa mais linda!
Eu não gosto de nada clichê. Quando entra em música, essa coisa de “pagode é uma merda”, tá ligado? Acho uma tolice. Eu não sei, não dou nem atenção para não passar raiva que nem você. Blablabla-Pabllo Vittar! Sabe? Ninguém ouve João Bosco ou Pabllo Vittar o suficiente para fazer uma piada. Se eu fosse escrever sobre a Pabllo eu iria atrás da obra. Tem muita piada que eu faço sobre hip-hop e nunca é desrespeitando, é mostrando que algo não tem sentido. Conhecer o que você está fazendo faz com que o fã olhe e pense “caralho…”.
Uma coisa que é muito fácil de ser piada: kpop. Mas o cara nem sabe o que é! Nem tenho como zoar qualquer coisa que eu não conheço. Claudia Leitte versus Ivete Sangalo, eu não conheço! Rap, sim, eu tenho propriedade para apontar alguma inconsistência, etc. O Chris Rock, por exemplo, sempre criticou rap no palco. Se ele quisesse ser critico musical, ele seria. Ele tem umas colunas de jornal hilárias, mas no ponto. Se você não conhece, você cai no clichê. “Rockeiro é tudo reaça”. Você conhece o Ratos de Porão? O Ira? O Thunderbird? “Funk não tem muita letra!”. Jura, cara?

Você foi um ouvinte atento de rap em 2024?
Eu estou passando por uma fase de descobrir jazz. Mas eu ouvi “Jersey Culture BR”, da Clara Lima [com RealLamak e DJ Guizin do Trem]. Esse grudou minha atenção. Mas, no geral, eu estou na fase de entender a maluquice de entender o “Ascension”, do [John] Coltrane. Meu conhecimento sempre foi muito básico. Agora eu quero entrar nos bagulho doido. Eu queria que jazz fosse livre desse negócio de que é música de intelectual. Nasceu de forma popular e sempre tem de ser popular. E foi aí que eu caí no disco vermelho do Ryo Fukui [“Scenery”, de 1976].
Como é que nasce seu primeiro contato com o Filipe Ret?
Eu conhecia o trampo do Ret, por volta de 2009, e por volta de 2012 eu estava ouvindo bastante. Eu morava em São Paulo e estava na pira de ouvir muito rap carioca para não esquecer das gírias, tá ligado? Mas a gente nunca teve uma aproximação. Era sempre um salva, uma DM no Instagram. Aí ele lançava um disco e mandava para mim. Sempre muito escassa a comunicação. Um respeitando o trampo do outro. E ele sempre gostou das coisas que eu fazia sobre rap, das críticas, das entrevistas.
E eu tive a maior sorte do mundo. Eu fui fazer show no Rio de Janeiro, em março, e ele comprou ingresso para ir. E alguém me avisou nos bastidores. “Tsc, tá bom que o Ret tá aí”, eu disse. E na saída, eu fiquei “vamos ver se esse porra está aí mesmo”. E estava rolando um burburinho e eu sabia que não era para mim. E ele foi mesmo. Um sábado à noite, sabe? Era um dos poucos sábados que ele tinha livre. Maluco faz show pra caralho. E aí ele mandou DM dizendo parabéns e que queria me ajudar na minha carreira. E eu não sou de crescer o olho em nada. Respondi agradecendo e tal e dizendo “o melhor investimento que você fez em mim é ter comprado ingresso e dedicado uma hora para me ver, ver meu show. É isso. Estamos juntos. Ponto. Brigado”. Desde então, começamos a conversar muito sobre arte e sobre o que poderíamos fazer juntos. Não posso falar o que vem por aí, mas tem coisas no pente que iremos fazer pro Ret.
Mas é tipo o que?
Eu não posso falar! Mas ele é um cara que, digamos, tem talentos. É o que eu posso dizer. E a gente pode fazer coisas iradas com isso. É até onde eu posso ir.
Ele parece ser bem-humorado, você gosta de rap. O rap gosta da comédia, a comédia gosta do rap.
Bom ponto. Eu acho que é difícil escrever punchlines e não ter senso de humor. A proximidade com comédia é muito foda. A linha engraçada você chama de punchline, igual na comédia. O David Chapelle abriu pro Mos Def e Talib Kweli, Chris Rock gravando vinheta no álbum do Kanye West. O rap sempre esteve presente na comédia. No Brasil, isso é um pouco devagar, e eu quero aproximar essas duas pontas.
Quando eu bolei esse show, pensei que seria o momento de falar com o Ret. “Você ainda está naquela de me dar um salve? O que você pode fazer é investir nesse projeto”. E ele foi super generoso, apostou na ideia. Pela qualidade do material, era um negócio impossível fazer sozinho. Eu precisava realmente de alguém chegando junto ali. E eu ainda fiquei me explicando, algo como “te pago em tantos meses!”. E ele “vai lá e quebra tudo”, alguma coisa assim. E é isso, velho. Graças a confiança dele eu pude realizar um sonho meu, um especial com tudo bonitinho.
A próxima agora é desenvolver algo foda pro Ret. Eu quero fazer o que fiz com o Emicida, com o Nill [Ronald criou conteúdos para o Emicida durante a confecção da versão ao vivo “Amarelo”; e roteirizou o clipe de “Wifi”, de Nill], quero deixar meu talento à disposição para o Ret.
Me parece que é um ciclo interessante. São 18 anos de carreira com a presença de um dos maiores rappers do país apoiando seu projeto.
Sim. Eu jamais ia imaginar que alguém ia me dar uma mão dessa, fazer meu sonho acontecer. A minha confiança está no mesmo nível de quando eu comecei lá no “Com a palavra, Ronald Rios”. E é doido, né, eu não sou um cara espiritualizado, não acredito em karma, mas eu me dei muito para o hip hop. E, agora, o hip hop me devolveu isso. O Ret fez essa como um avatar do hip hop. Isso é uma das coisas que eu sempre acreditei. Dedique-se ao hip hop que ele vai devolver para você. Seja em conhecimento, lição de vida, ele vai devolver. Trabalhei com o Emicida, com a Laboratório Fantasma… E eu sempre quis respeito nesse meio e é o que eu tenho com inúmeros MCs do Brasil. Do nada, o Don L me indica um documentário e isso para mim é algum respeito. Às vezes, isso até vira folga. Quando eu estou nas minhas viagens de cogumelo, eu mando uns áudios muito insanos pro Daniel Ganjaman. “OOOO DANIELLL VOCÊ SABE QUE EU AMOOO VOCEEE”. E ele casca o bico, é um parceiro. Mas é isso, voltando, é respeito. Mas, né, agora esse respeito se converteu no que eu entendo que é o melhor trabalho da minha carreira.
Muito bom refletir sobre tudo isso nessa conversa. Aliás, já escrevi para a Billboard. Agora vou sair na Billboard. Em 2018, escrevi várias matérias de rap nacional e também resenhas de rap gringo. Inclusive, escrevi uma que Billboard gringa pegou que era sobre o sample de “4:44”, do Jay-Z, que o No ID pegou para usar na faixa. Eu entrevistei a cantora [Hannah Williams], mas eles não deram crédito, só botaram “Billboard Brazil”. Agora tenho que ir porque preciso tirar isso aqui do cabelo.