Meninas Malvadas é aula de como os musicais abraçaram a modernidade
Veja outros espetáculos musicais que usam o pop, o rock, o jazz e o hip hop


Cady Heron é uma jovem americana que passou boa parte de sua infância e adolescência no Quênia, região da África Oriental. De volta à sua terra natal, ela enfrenta dificuldades em se adaptar aos jovens da sua idade. Pouco tempo depois, incentivada pelos novos amigos Janis e Damian, se infiltra na tríade descolada da escola –a líder Regina George, e as parceiras Gretchen e Karen.
O musical “Meninas Malvadas“, atualmente em cartaz no Teatro Santander (São Paulo), aborda a eterna diferença entre os “descolados” e “rejeitados”. Com texto da comediante Tina Fey, música de Jeff Richmond (que é marido de Tina), e letras de Nell Benjamin (que também trabalhou em “Legalmente Loira”), o espetáculo é uma adaptação do filme de mesmo nome, levado às telas em 2004. A versão musicada estreou na Broadway em 2017 e desde então tem sido encenada em várias praças dos Estados Unidos e no mundo inteiro.
O “Meninas Malvadas” made in Brazil tem um elenco talentoso, que mescla veteranos do universo musical (André Torquato, da primeira versão de “Priscilla a Rainha do Deserto” e de “West Side Story”), talentos saídos do programa “The Voice” (Laura Castro e Anna Akisue, que interpretam respectivamente Cady e Regina) e outro talento egresso de concurso de calouros do universo musical –Aline Serra, estalando de talento na pele da ingênua Karen Smith. Contudo, tão importante quanto trazer uma trama com a qual o público jovem se identifique, “Meninas Malvadas” se destaca pela trilha moderna. O pop, o rock, o hip hop e até a salsa são utilizados nessa receita, que mostra como o mundo dos musicais se adapta às novas sonoridades, fazendo que continue em constante estado de transformação.
Historicamente, o universo dos musicais sempre traduziu no palco a música que era feita nas ruas. Os espetáculos dessa arte criada no início do século 20 assimilaram gêneros como o jazz e até o hip hop antes de ser conhecido como tal –O Vendedor de Ilusões, dos anos 1950, trazia versos falados que mais tarde seriam conhecidos como rap. Nas décadas seguintes, estilos como a música latina, o rock, a soul music invadiram os teatros, dando a eles um ar de contemporaneidade. “Meninas Malvadas”, claro, é um dos exemplos mais bem-sucedidos dessa mistura, e na versão brasileira traz um desempenho acima da média do elenco. Abaixo, algumas dicas de espetáculos que traduziram a música de seu tempo. E o que tem de bom é que muitos deles podem ser assistidos via streaming.
“West Side Story”
Concebido na década de 1950 pelo regente Leonard Bernstein (1919-1990) e pelo libretista Arthur Laurents (1917-2011), ele apresenta uma versão moderna da história de Romeu e Julieta, transposta para as ruas de Nova York. Tony e Maria, ambos imigrantes (ele, descendente de irlandeses; ela, porto-riquenha) vivem um romance cuja tragédia é inevitável. Bernstein trouxe a energia do jazz e a sonoridade latina para a história e o coreógrafo Jerome Robbins (1918-1998) usou como inspiração desde as danças de rua –para se ter uma ideia, o movimento do grupo masculino era inspirado em golpes de boxe– e letras de Stephen Sondheim (1930-2021), que nas décadas seguintes se tornaria o maior autor da Broadway da segunda metade do século XX. “America”, “Somewhere”, “Tonight” saíram do palco para se tornarem hits radiofônicos.
Onde assistir: Disney+

“Wicked”
O espetáculo de 2003 traz a origem das bruxas de “O Mágico de Oz” na versão de Elphaba, que supostamente seria a bruxa má. Stephen Schwartz, autor das letras e da música, é uma lenda dos musicais. Ele traduziu o rock para a Broadway no espetáculo “Godspell” (uma versão hippie da “Paixão de Cristo”) e trouxe o soft/rock de autores como James Taylor e Carole King em “Pippin’” (os temas de Schwartz eram descaradamente inspirados no repertório desses dois autores). “Wicked” apresenta canções calcadas no pop e no rock, mas com citações ao “Mágico de Oz”, de 1939, que revelou a cantora e atriz Judy Garland (1922-1969). Há pelo menos dois números memoráveis: “For Good”, dueto de despedida de Elphaba e de sua oponente, Glinda. E “Defying Gravity”, canção cujo grito final virou um desafio para todas as cantoras que ousam viver Elphaba –e Myra Ruiz, a Elphaba made in Brazil, canta de modo exemplar.
Onde assistir: Teatro Renault, em São Paulo

“Em Um Bairro de Nova York”
Há pelo menos duas qualidades históricas deste musical de 2008. Primeiro, revelou o talento de Lin-Manuel Miranda, que depois faria “Hamilton” (mais detalhes abaixo) e hoje se tornou o principal compositor das trilhas sonoras dos espetáculos da Disney. Segundo, trouxe a diversidade cultural da música latina contemporânea, em especial a produzida pelos imigrantes da República Dominicana –de onde saíram os parentes de Miranda. Os tradicionais salsa e merengue ganham o acréscimo da soul music e do hip hop, causando uma mistura irresistível.
“Em Um Bairro de Nova York” se passa em Washington Heights, região da cidade em que a comunidade latina transformou em sua morada de fé. A história gira em torno do dia-a-dia daquela vizinhança e de seu narrador, Usnavi de la Vega. Enquanto assiste aos moradores da região lutarem contra o preconceito e a alta dos aluguéis, ele nutre o sonho de voltar para a República Dominicana local. A balançada “When You`re Home”, que combina soul, rap e música latina, e a caliente “Carnaval de Barrio” são os destaques musicais da história.
Onde assistir: Max

“Hamilton”
No início dos anos 2000, Lin-Manuel Miranda (sempre ele) estava de férias quando caiu em suas mãos a biografia de Alexander Hamilton, um dos mentores da luta pela independência dos Estados Unidos. Inicialmente, pensou que alguma mente esperta tinha comprado os direitos da obra para uma adaptação no cinema. Quando viu que ela estava à disposição, adquiriu-a para si. “Hamilton”, que estreou na Broadway em 2015, é um dos espetáculos mais revolucionários da história dos musicais. Ele usa a linguagem do rap e do soul para contar a história do grande político americano. Ou, como Miranda declarou, “a América de ontem contada pelo povo da América de hoje.”
A importância de “Hamilton” vai além do campo musical. Os versos de Lin-Manuel Miranda abordam temas como imigração e preconceito. O fato de os personagens principais serem interpretados por atores latinos e afro-americanos reforçam o caráter político do espetáculo.
Onde assistir: Disney +
