Marretada do Thor? Picada do Abelha? O significado dos proibidões do funk
Sim, o Thor de 'Porradeiro vs 'Marretada' não é o herói-nórdico da Marvel
Quando o Baile da Gaiola transformou-se em Baile da Selva, a explicação de Rennan da Penha não colou muito para quem era carioca. À Billboard Brasil, ele disse: “Brincamos que os animais foram soltos da gaiola e agora estão livres na selva”. Impreciso. O mesmo acontece com quem acha que o Thor do funk “Porradeiro vs Marretada” (que pergunta “você quer a marretada do Thor ou tu quer porradeiro de leve?”) é uma referência à representação do deus nórdico feita pela Marvel. Também não é.
Os “novos proibidões” nem parecem tão proibidões assim. Trabalhadas na ambiguidade, as canetadas são inteligentes e, sutilmente, colocam os nomes dos líderes de facções criminosas na boca do povo. Em vez de detalharem cenas de trocas de chumbo entre traficantes rivais, elas trabalham os nomes do Comando Vermelho em situações mais acessíveis: sexo, luxo, baile. Em “Porradeira vs Marretada”, a temática sexual domina a lírica, transformando Thor –codinome de Marco Antonio Pereira Firmino– em um personagem escolhido ao acaso.
O Thor cantado na faixa é, na verdade, My Thor, um dos 26 chefes do tráfico carioca que estão em presídios federais. Na ficha, 32 anotações criminais, entre elas por tráfico de drogas e homicídio qualificado, além de porte, uso e venda de armas. Mesmo em cárcere, My Thor ainda chefia o tráfico no Morro da Mina, em Nilópolis, na favela da Galinha, em Inhaúma, no Morro Santo Amaro, no Catete, e no Buraco Quente, em São João de Meriti.
É abusando das possibilidades a partir dos apelidos dos chefões que, indiretamente, o Comando Vermelho emplaca, em sequência, seus maiores líderes e, por consequência, marca terreno no imaginário coletivo. Além da “marretada do Thor”, tem também a picada do abelha que não está falando de um zangão.
Mudança nos proibidões
Se antes um proibidão se caracterizava por, muitas vezes, ser quase um diss para os inimigos, a lógica ficou menos aparente. Os funks ainda passam um recado, sim. Mas, agora, de forma indireta. Esse aqui é de 2001:
Mas emplacar uma canção com tantos recados pode ser um problema em um cenário dinâmico como é a guerra do tráfico no Rio de Janeiro. E, também, houve uma série de (controversas) prisões de MCs por crime de apologia no estado, o que acabou estimulando uma nova tática nas composições das canções e até dos nomes dos bailes.
O histórico Baile da Gaiola virou Baile da Selva. Esse cenário é composto por alguns animais como o urso, a abelha e um macaco. Ou melhor: o Urso, o Abelha e o Macaco Russo, todos apelidos dos chefes do Comando Vermelho, maior facção criminosa do Rio. O trio é na verdade um quarteto, com a adição do Professor, o último membro do alto comando. A canção, hit de 2022, do DJ LZ CPX, DJ Duduzinho e MC Juninho FSF ilustra bem:
Abelha é Wilton Carlos Rabello Quintanilha. Famoso por ter saído pela porta da frente do Presídio Vicente Piragibe, no Complexo do Gericinó, em julho de 2021, mesmo tendo um mandado de prisão pendente expedido em seu nome. Na ocasião, o então secretário de Administração Penitenciária, Raphael Montenegro, foi flagrado apertando a mão de Abelha momentos após o traficante deixar a prisão. Abelha, hoje, é conhecido também como presidente do CV.
O Urso é Edgar Alves de Andrade, também conhecido como Doca, e apontado também como um dos chefes da facção. Atualmente, estaria liderando o tráfico de drogas no Morro do São Simão, em Queimados, na Baixada Fluminense.
Urso e Abelha se uniram em 2007, no presídio Bangu 3. Hoje, a dupla é campeã em homenagens em funks e até em danças no TikTok
Professor é Fhillip da Silva Gregório, apontado como o responsável pela aquisição e transporte de fuzis e pistolas para o CV. Ele também é apontado como um dos “donos” da favela da Fazendinha, que fica dentro do Complexo do Alemão. Procurado pela polícia, está foragido.
O Macaco Russo (também conhecido como 2D do Alemão) é braço direito do Professor no Complexo do Alemão. Eduardo Fernandes de Oliveira era responsável pela contabilidade da facção.