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Como o movimento emo foi acolhido pela periferia das cidades brasileiras

Como o movimento emo foi acolhido pela periferia das cidades brasileiras

Gênero nascido nos anos 2000 ganhou revival nos últimos anos

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Surgido nos Estados Unidos nos anos 1950, o rock’n’roll tem uma origem pobre: nasceu no Sul do país, do cruzamento entre blues e a música gospel –seus primeiros representantes eram músicos e cantores negros, nascidos e criados na região rural. No Brasil, por sua vez, o rock chegou como um gênero da classe média alta.

Dá para contar nos dedos as bandas e os músicos que tinham situação financeira pouco privilegiada. O pai de Arnaldo e Sérgio Dias Baptista, dos Mutantes, trabalhou como secretário particular do ex-governador de São Paulo Ademar de Barros; a cena dos anos 1980 era reduto de filhos de diplomatas e militares, que tinham acesso a discos e instrumentos importados.

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Os anos 1990 até que destoam dessa sina, se o foco for para bandas como Planet Hemp, Chico Science & Nação Zumbi e Charlie Brown Jr. Mas boa parte de seus representantes tinha uma situação financeira bem resolvida. Pois então, pode xingar muito no Twitter.

A periferia, que erroneamente é relacionada somente a gêneros como o rap e o funk (vide a capa desta edição da Billboard Brasil), abraçou, com força, o movimento emo. Os devotos desse subgênero do rock, nascido por aqui no início dos anos 2000, encontraram refúgio no visual de maquiagem pesada e nas letras introspectivas de bandas como Fresno, NX Zero, Hateen e –embora repudiem essa classificação– CPM 22. Sim, é uma p*** falta de sacanagem. Mas trata-se também de pura realidade.

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Lucas Silveira, da Fresno, e o DJ e produtor Guilherme Tintel (Camila Cornelsen/Philip Falzer/Divulgação)

“Falar das emoções é negado para a gente”, desabafa Andreza Delgado, empresária e diretora criativa da agência de comunicação Irmãos Delgado. A frase dela denuncia uma visão estreita e até racista sobre o gosto musical das classes C e D. “Quando digo que cresci ouvindo esse tipo de música, ficam surpresos e querem testar o quanto eu conheço”, revela o DJ e produtor cultural Guilherme Tintel, criador da festa Emo Parade. Os dois, negros, destoam do estereótipo emo caucasiano pregado pelo mercado e comprado como imagem do movimento.

Mas o público da periferia não passou despercebido por Lucas Silveira, líder da Fresno. Embora tenha tido sucesso nas rádios e em casas de médio porte, a banda gaúcha sempre foi mais popular longe dos grandes centros. “Ser playboy não é receita para não ser triste, mas a concentração de gente melancólica entre os que não têm grana é bem maior”, diz. “Na adolescência, é mais fácil fazer uma reflexão interna quando não se está vivendo a melhor vida do mundo.”

O psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) morreu bem antes da ascensão do rock. Mas poderia muito bem explicar essa atração pelo repertório sombrio do movimento emo. Ele cunhou a expressão “pulsão de morte” para classificar a tendência autodestrutiva do ser humano. “Não são pessoas que não querem viver, só não suportam o sofrimento e se sentem solitárias. Querem conexões, afetos. [O emo] foi um contexto que acolheu e falou: ‘Vamos parar de pensar só nos outros, vamos pensar em nós mesmos’”, diz a psicóloga Tanize Viçosa Cardoso.

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NX Zero (César Ovalle)

Origem

O emo surgiu em Washington D.C., nos Estados Unidos, na década de 1980. Rites of Spring é considerada a banda pioneira do gênero, nascido como uma ramificação mais introspectiva do hardcore. Mas o rótulo nunca foi assimilado pelos integrantes do grupo. My Chemical Romance, Simple Plan, Fall Out Boy, Panic! at the Disco, Paramore e Good Charlotte são as bandas mais emblemáticas.

O público brasileiro foi alimentado pelas finadas redes sociais Orkut e MySpace, pelos idos de 2006, quando os emos locais se multiplicaram. No ano seguinte, o NX Zero era um dos mais tocados nas rádios com “Razões e Emoções”. O movimento ganhou até uma variação. Restart e Cine criaram o happy rock, no qual a melancolia dava vez às roupas coloridas. As bandas mesclavam características de vários subgêneros do hardcore e do punk, mas nunca deixaram de lado o denominador comum: a emoção.

“A gente fazia parte de uma geração excluída por querer falar de sentimentos. Isso era considerado frescura”, explica Di Ferrero, vocalista do NX. “Não queríamos nos apegar ao rótulo porque isso limitaria a parte musical a um movimento da época”, complementa o guitarrista Fi. Hoje, DAY LIMNS é a representante da nova geração emo. Mas seu estilo traz um pouco mais de punk rock na receita.

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Simple Plan (Reuters)

No álbum “VÊNUS≠netuno”, recém-chegado às plataformas de streaming, a cantora e compositora exorcizou as dores do término de um namoro e o conservadorismo evangélico que acompanhou sua infância e adolescência. Mesmo quem nunca foi assumidamente emo pode ter traços ligados ao gênero em suas músicas. Jão, mergulhado no pop, e Terno Rei, puxado mais para o indie, usam a choradeira nas composições.

Desde a época dos coloridos, nenhuma banda nova alcançou popularidade como a das formadas nos anos 2000 e 2010. “Os grandes nomes no Brasil hoje fazem música pop. O que nos resta é voltar para as bandas do passado”, diz o jornalista Arthur
Dapieve. Foi essa nostalgia que fez os olhos das produtoras de shows brilharem e abriu uma nova onda do emo no país.

Exemplo disso é o festival I Wanna Be Tour, com atrações ligadas ao movimento, que vai passar por cinco capitais em março. A turnê “Cedo ou Tarde”, que marca o reencontro do NX Zero, teve mais de 50 datas na agenda em 2023. Até quem deixou o fácil caminho do mainstream e seguiu a carreira autônoma, como a Fresno, desfruta dessa retomada do interesse pelo emo. O trio tem sido convidado para festivais como Lollapalooza e GP Week. Para Leandro Neko, das bandas doyoulike? e Tópaz, o novo momento é uma oportunidade. “Se isso ajudar a criar bandas novas já vai ser ótimo. Estamos em uma safra horrorosa. Naquela época, toda semana tinha grupo novo.”

A diversidade racial da retomada nos Estados Unidos é maior do que o cenário nacional –com revelações como Magnolia Park,
KennyHoopla e Willow Smith, cantora citada por Andreza Delgado. “Ela traz um resgate muito importante da minha relação [com o emo], porque eu escuto e sinto que posso pertencer a esse rock também”, diz Andreza. Os manos do emo contrariam a ideia de que a periferia é somente reduto das batidas do hip hop, do trap e do funk ou da dolência do samba. As comunidades são também lugar de expressar suas emoções, ainda que com um tanto de lápis preto nos olhos.

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Willow Smith e DAY LIMNS (Reuters/Kimberly Koeche/Divulgação)

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