Você está lendo
Mano Brown, Criolo e Rael explicam ‘crime’ cometido por quem sobrevive em SP

Mano Brown, Criolo e Rael explicam ‘crime’ cometido por quem sobrevive em SP

O trio de ícones do rap nacional celebrou o gênero em show no Espaço Unimed

Avatar de Alexandre de Melo
Criolo, Rael e Mano Brown no show 'Qual é o Crime?' (Alexandre de Melo)

Mano Brown, 54,  Criolo, 49, e Rael, 41. Três homens pretos considerados “perigosos” por terem nascido no extremo sul de São Paulo “ousaram” passar dos 30 anos de idade e subiram armados com microfones em um show especial de celebração do rap. O espetáculo intitulado “Qual é o Crime?”, aconteceu no Espaço Unimed, na noite deste sábado (22).

Não é à toa que a idade é citada neste texto. Segundo o Atlas da Violência 2024, a cada 10 vítimas de homicídio no Brasil, sete são pessoas negras e grande parte têm entre 15 a 29 anos.

VEJA TAMBÉM

“Esse espetáculo é a celebração da nossa existência”, disse o cantor Rael durante a coletiva de imprensa que aconteceu momentos antes de subir ao palco.

“Você tem que acreditar em você todos os dias. É meio solitário às vezes, mas não impossível”, disse Criolo.  Sim, a existência dos três ícones do rap nacional é inspiradora e merece a celebração.

O show aconteceu no momento em que parlamentares de diferentes esferas governamentais do Brasil propõem projetos de lei que vetam apresentações de artistas que supostamente fazem apologia ao consumo de drogas e ao crime organizado.

O projeto de lei mais conhecido e que está sendo replicado é o chamado “PL anti-Oruam”, que foi apresentado em janeiro pela vereadora de São Paulo Amanda Vettorazzo e o deputado paulista Kim Kataguiri, ambos filiados ao União Brasil e integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL).

O PL faz referência ao rapper carioca Oruam, filho de Marcinho VP, líder da facção criminosa Comando Vermelho.

Leia mais – Marcinho VP: quem é e por que o pai de Oruam está preso?

Durante a entrevista, Criolo refletiu sobre a contradição existente no projeto que pode vetar espetáculos de artistas que tentam mostrar a realidade difícil de pessoas marginalizadas.

“Como descrever um cotidiano que é difícil? O que é mais fácil para a sociedade: censurar uma letra que fala das realidades ou tentar mudar as realidades?”, disse o MC do Grajaú, região periférica de São Paulo.

“As pessoas se encontram em um ponto de abandono e mesmo assim tem um sorriso para trocar. Um jeito criativo de empreender. A gente podia censurar o sofrimento no Brasil. A fome. A falta de respeito com os professores. A gente podia censurar a falta de respeito à escola pública. A falta de respeito com a mãe solo. A gente podia censurar o medo  do pai de família que acorda e não sabe se vai voltar para casa porque dependendo do território onde você mora todo mundo é culpado”, concluiu Criolo.

Como foi o show ‘Qual é o Crime?’ com Mano Brown, Criolo e Rael

Mano Brown, Criolo e Rael no show 'Qual é o Crime?' no Espaço Unimed (Alexandre de Melo)
Mano Brown, Criolo e Rael no show ‘Qual é o Crime?’ no Espaço Unimed (Alexandre de Melo)

Duquesa fez o show de abertura com a participação de Drik Barbosa. Na noite de celebração do rap, as cantoras mostraram que o gênero começa a dar mais espaço para as vozes femininas, especialmente as mulheres pretas.

O hit “Primeiro de Maio (Gostosas Inteligentes)”, de Duquesa, é um exemplo de como essas vozes femininas querem ser percebidas: com liberdade e independência.

O público lotou o Espaço Unimed e ouviu um setlist que desfilou sucessos de Criolo, Mano Brown e Rael. A maior parte das músicas selecionadas respondia a duas perguntas nas suas próprias letras: “>Qual é o crime em ser quem você é?”,  “Qual é o crime em cantar uma realidade?”.

Já no início, o telão do palco mostrou fotos dos cantores com os seus respectivos nomes de batismo com o layout no estilo “procurados pela polícia”: Pedro Paulo (Mano Brown), Kleber Gomes (Criolo) e Israel Feliciano (Rael).

Em seguida, o trio surge no palco entoando “Não Existe Amor em SP”, um verdadeiro hino, lançado no álbum “Nó na Orelha” (2011), de Criolo.

O cantor Lino Krizz e DJ Dandan se uniram ao trio para uma sequência que deixou o público entregue e com as mãos levantadas para o alto:  “Eu Sou 157”, “O Hip Hop é Foda”, “Duas de Cinco”, “Esquiva de Esgrima”, “Jesus Chorou”, “Mil Faces de um Homem Leal (Marighella)” e “Subirusdoistiozin”.

Curiosamente, a sucessão de pedradas clássicas do rap nacional forçou à imersão nas músicas e diminuiu consideravelmente as tradicionais gravações com celular.

Enquanto um dos cantores assumia o mic, os outros escolhiam entre acompanhar a voz titular ou sentar e descansar um pouco numa mesa de bar montada no palco com água e energético.

O show se manteve com energia especialmente por conta das participações especiais de Dexter, Rodrigo Ogi, Pentágono e Edi Rock.

As letras cantadas pelo trio poderiam facilmente ter associação sobre a dor, resiliência e esperança de outros hinos de São Paulo como as músicas de Adoniran Barbosa que também falam sobre a vida difícil que boa parte dos paulistanos leva.

Aliás, a combinação do repertório foi um acerto. Depois de Criolo cantar “Eu tenho orgulho da minha cor, do meu cabelo e do meu nariz, sou assim, sou feliz, indio, caboclo, cafuso, criolo, sou brasileiro”, que é um techo da canção “Sucrilhos”, Mano Brown e Edi Rock arrancaram aplausos e muita emoção interpretando “Negro Drama”.

Rael flertou com o público como um pastor que fala aos fiéis: “Você merece amor, ser bem pago e ter uma vida gratificante”

A celebração da vida e da arte proposta pelo trio era evidente para boa parte do público, que provavelmente entende o que significa ter sempre que correr mais para conquistar postos dignos de trabalho ou para simplesmente permanecer vivo.

Até para quem não mora em São Paulo, ou nasceu na Zona Sul, é fácil entender o que quer dizer a frase dos Racionais MC’s, grupo de Brown: “O mundo é diferente da ponte pra cá”.

Por isso, a festividade resistente de Mano Brown, Criolo e Rael, é a vitória de muitos outros mil manos e minas. Mesmo que a persistência em falar sobre duras realidades seja chamada de “crime”.

Mynd8

Published by Mynd8 under license from Billboard Media, LLC, a subsidiary of Penske Media Corporation.
Publicado pela Mynd8 sob licença da Billboard Media, LLC, uma subsidiária da Penske Media Corporation.
Todos os direitos reservados. By Zwei Arts.