OPINIÃO: “Liam tinha carisma, liderança e era carinhoso com os fãs”
Radialista conheceu de perto o cantor que morreu na quarta-feira (16)
Passava das 18h (horário de Brasília) desta quarta-feira (16) quando meu diretor entrou na sala do Jornalismo da Rádio MIX e disse sem rodeios: “Liam Payne morreu”.
Eu estava no processo de fechamento de pautas do dia, e a minha reação imediata foi responder “Não!”, de maneira enfática.
Porém, ele completou a notícia com o que se sabia até o momento: “Ele morreu. Acabou de acontecer. Ele caiu da sacada de um hotel em Buenos Aires”.
Apesar dos detalhes complementares, respondi novamente: “Não.” Mas, dessa vez, a palavra saiu quase sem força.
Abri imediatamente os portais e vi que as informações ainda eram escassas. Havia acabado de acontecer. Meu diretor disse que deveríamos noticiar o quanto antes, e que eu deveria entrar ao vivo no programa “MixTudo”, que estava sendo transmitido naquele momento.
Coloquei algumas informações muito vagas em uma folha de sulfite e entrei no estúdio MIX, ainda sem saber muito bem o que falar e como abordar tal assunto. Afinal, nem eu mesma acreditava…
Enquanto caminhava até o estúdio, um mar de memórias invadia a minha mente…
Conheci o One Direction quando o grupo foi formado em 2010, através do programa “The X Factor”, sob o olhar clínico do empresário Simon Cowell.
Na ocasião, a música vivia um momento carente de boy bands do tipo “fenômeno”, como havia acontecido anos antes com grupos como os Backstreet Boys e o N’SYNC.
O sucesso do One Direction foi instantâneo. Afinal, tinha a fórmula certa: meninos talentosos, bonitos e carismáticos: Niall Horan, Harry Styles, Louis Tomlinson, Zayn Malik e Liam Payne.
Eles foram o último grande fenômeno do pop, daqueles que provocam histeria nos fãs de todas as idades, principalmente os adolescentes. Nunca mais presenciei um fenômeno que chegasse perto disso.
É, claro, uma receita vencedora. Cinco meninos bonitos, com canções que se alternam entre o romantismo e letras que falam da passagem da adolescência para a vida adulta. Um pop bem feito e acessível.
O One Direction pertence ainda à casta dos raros grupos do pop recente da Inglaterra a invadir o mercado americano. Em pouco mais de seis anos e cinco álbuns se tornou um fenômeno nos principais mercados do showbiz e no resto do mundo.
O primeiro single, “What Makes You Beautiful”, do primeiro disco do grupo, “Up All Night”, tomou conta das paradas. Eles quase que imediatamente se tornaram a nova febre teen mundial.
O One Direction lançou apenas cinco álbuns na carreira: o último , “Made in the A.M.”, de 2015, trazia um pop amadurecido. O álbum chegou ao mercado com a notícia de que o grupo entraria em hiato por tempo indeterminado –e já não contava mais com o membro Zayn Malik, que preferiu a carreira solo.
Ainda em 2015, a Rádio MIX me enviou para Londres com o objetivo de levar duas fãs do grupo. Elas haviam sido sorteadas em uma promoção para acompanhar o evento “London Session”, onde os rapazes cantavam as novas faixas ao vivo e concediam entrevistas em uma grande festa fechada para os “directioners”.
Nessa oportunidade, pude observar de perto a paixão que o grupo despertava: fãs de todas as partes do mundo gritavam pelos nomes dos integrantes e choravam compulsivamente.
Durante a “London Session”, ainda tivemos a chance de bater um papo rápido com os garotos e tirar uma foto. Lembro-me que cada um deles reagiu de um modo diferente diante de nós.
Niall e Louis não estavam tão receptivos naquele dia. Mas Harry Styles e Liam Payne eram os mais sorridentes e calorosos com cada fã que se aproximava.
Liam usava um suéter divertido, com um bordado que imitava o rosto de algum tipo de monstro engraçado.
Voltei da viagem contando para as pessoas que o Harry Styles tinha o abraço mais aconchegante. Mas o meu favorito no dia havia sido o Liam –que tinha talento, carisma e espírito de liderança.
Em 2016, o One Direction deixou oficialmente de existir, e cada integrante seguiu um caminho diferente. Com Liam Payne não foi diferente. O cantor lançou em 2019 o disco “LP1”, que não foi muito bem recebido pela crítica.
No ano passado, Liam Payne foi confirmado no festival The Town. Mas cancelou sua participação no evento após ser diagnosticado com uma infecção renal grave.
No vídeo do comunicado, Liam surgiu de moletom, com os cabelos ondulados e bagunçados, e um olhar cansado. Na ocasião, a aparência do ex-1D me chamou a atenção. Pensei: “Ele não está bem”.
Paralelamente à carreira solo, a vida pessoal de Liam Payne estava sempre em destaque nos tabloides de fofoca. O cantor teve um filho com a cantora Cheryl Cole, fruto de um relacionamento marcado por muita polêmica. Atualmente, o filho do ex-casal está com 7 anos.
Para deixar a situação ainda mais complexa, nos últimos anos, Liam Payne falou sobre o seu diagnóstico de depressão e transtorno de ansiedade generalizada. Inclusive abordou o fato de ter abusado de substâncias ainda na época em que fazia parte do One Direction.
A ex-noiva de Liam também tornou público o comportamento, por vezes, agressivo do cantor. Maya Henry escreveu um livro de ficção chamado “Looking Forward”, que mais tarde ela confessou ser parte autobiográfico.
Na publicação, Maya fala sobre os vícios de Liam Payne, na pele de um personagem do romance, e deixa claro que sofreu abusos, principalmente em 2020 no período da pandemia. Segundo Maya, as brigas entre eles eram constantes, e Liam se sentia frustrado com os rumos que sua carreira tomou.
Bem, diante de todas essas situações complexas e polêmicas envolvendo Liam Payne e sua morte triste e repentina, eu fiz o que precisava ser feito como profissional há 20 anos: entrei no estúdio da rádio, me acomodei em uma das cadeiras, liguei meu microfone e pedi que o locutor colocasse a faixa “History”, do One Direction.
Com a voz firme, expliquei que Liam Payne estava morto. Que não havia ainda muitas informações, tampouco explicações, mas que o ídolo de milhares de pessoas havia partido.
Apesar dos rumores sobre as causas reais de sua morte, e o sensacionalismo que a mídia já fazia em torno do hotel onde a tragédia aconteceu, eu me limitei a transmitir a informação e finalizar minha participação da forma mais honesta possível com o ouvinte: “No final das contas, não importa como e por que aconteceu. O que realmente importa aqui é que Liam Payne nos deixou. Um cara jovem, talentoso, que conheceu o mundo cantando, agora não estava mais conosco. Nós perdemos ele”.
Não importa há quanto tempo você exerça a função de jornalista. A música é subjetiva e te marca das formas mais profundas possíveis. É simplesmente impossível se afastar totalmente da situação e tratar a notícia com imparcialidade, nesses casos. Ainda mais quando se nutre um carinho especial pelo grupo, pelo Liam, por tê-lo conhecido pessoalmente e por imaginar tudo o que ele poderia ainda conquistar.
Um pouco trêmula após transmitir a notícia, depositei meu microfone na mesa do estúdio, levantei tentando disfarçar os olhos marejados e saí do estúdio, enquanto ainda tocavam os últimos versos da música “History”:
“So don’t let me go, so don’t let me go / We can live forever”
[ Então não me deixe ir, não me deixe ir / Nós podemos viver para sempre ].
Meus sinceros sentimentos, principalmente aos fãs do One Direction e de Liam Payne.
*Karina Andrade é editora de Jornalismo da MIX FM