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Entre a luz e as sombras, Lady Gaga é um espelho de todos nós

Entre a luz e as sombras, Lady Gaga é um espelho de todos nós

Mayhem on The Beach aproximou a cantora ainda mais de seus fãs brasileiros

Lady Gaga mostra o look usado no show de Copacabana (Instagram)

“Monstros não morrem nunca”, foi a frase que surgiu no telão em inglês (monsters never die), iniciando o quinto e último ato da noite, com o hino “Bad Romance”. Comecei o texto pelo final do show porque Lady Gaga é um ser humano complexo, o que permite essa licença poética. 

Não só no telão, a frase também foi dita por Gaga logo depois de ela ser “ressuscitada”, numa maca, por quatro seres bicudos, vestidos como enfermeiros. Foi essa cena que me fez perceber uma referência fortíssima que atravessa seu show de cabo a rabo: o quadro “O Jardim das Delícias”, do pintor holandês Hieronymus Bosch, datado entre 1505 e 1510. 

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Como no show apresentado em Copacabana neste sábado (3), a pintura, que hoje está exposta no Museu do Prado, em Madri, se divide entre microcosmos que representam o céu e o inferno. A luz e a sombra. Com peso maior para a sombra, tanto na obra do holandês quanto na apresentação da nossa Mother Monster. 

O Jardim das Delícias Terrenas (1504), de Hieronymus Bosch (Wikimedia Commons)
O Jardim das Delícias Terrenas (1504), de Hieronymus Bosch (Wikimedia Commons)

Assim como em qualquer ser humano, existe uma dualidade em Gaga. Alguns poucos segundos separam excitação e fúria. Doçura e malvadeza. Da mesma forma serelepe com que ela dança agarrada com um esqueleto em “Zombieboy”, momentos depois ela se senta ao piano para cantar a romântica “Shallow”, vestindo a pele de boa moça do açucarado filme “Nasce uma Estrela”. 

Um de seus maiores hits, “Poker Face” é encenada sobre um tabuleiro de xadrez, no qual os bailarinos são as peças. No final, ela derrota sua oponente e a enterra numa cova de areia. Em seguida, ela olha para a câmera e faz o símbolo da “pata” para seus fãs e joga beijos. Uma coisa médico e monstro de Copacabana.

​​Longe de ser uma análise psicológica da cantora, este texto é uma interpretação livre sobre o show que acaba de entrar para a história como o segundo maior realizado até hoje em Copacabana, com público estimado em 2,1 milhões de pessoas. 

Com esse feito, “Mayhem On The Beach”, nome oficial do evento antes de os brasileiros transformá-lo em “Gagacabana”, ultrapassa o público de 1,6 milhão da “Celebration Tour”, de Madonna, realizado em 2024, um divisor de águas na série de eventos Todo Mundo no Rio, que promete animar a cidade – e seus cofres – com megashows. Em tamanho, Gagacabana só ficou atrás do réveillon comandado por Rod Stewart em 1994 (com público de 4,2 milhões). 

Para quem achava que Gaga atrairia um público que somaria LGBTs e “excluídos”, a multidão que superlotou a praia provou que é justamente a capacidade de oscilar entre “o bem e o mal” que faz de Gaga um espelho de todos nós.   

Uma ópera trevosa, porém romântica

Dividido em cinco atos com repertório fatiado entre as muitas fases da cantora, o show foi conduzido como uma grande ópera, orquestrada por uma banda digna de um show de metal, com honrarias extras ao baterista, o californiano Tosh Peterson, de 24 anos, que esmurrou o instrumento com pancadas que lembraram Dave Ghrol no início do Nirvana.

O tom gótico, punk, eletrônico e por vezes até progressivo da banda teve total sintonia com a narrativa do espetáculo. Com títulos construídos como capítulos de uma história com toques de filme de terror, comédia, drama e romance, “Mayhem on The Beach” aproximou a cantora ainda mais de seus fãs brasileiros, a quem ela chamou de “família”. 

Lady Gaga dança com caveiras em Copacabana (Claudia Assef)
Lady Gaga dança com caveiras em Copacabana (Claudia Assef)

“Quero agradecer por vocês nunca terem desistido de mim. Eu teria voltado antes se pudesse. Vocês me mandaram tanto amor. A música pode mudar vidas. Comunidades podem mudar vidas. Da primeira vez que vim, nos tornamos amigos. Agora, somos família”, disse com lágrimas nos olhos, numa das muitas frases motivacionais da noite. 

Como uma coach de superação que cuida de seus pacientes sem julgamentos, Gaga se declarou aos brasileiros desde o início do show: quando revelou um figurino verde-amarelo logo no início da noite; quando chamou ao palco um intérprete para traduzir um discurso escrito num pedaço de papel e também quando seu corpo de baile subiu ao palco usando camisas da seleção. 

Com roupa da seleção brasileira, Lady Gaga faz show na Praia de Copacabana no RJ (Brazil News)
Com roupa da seleção brasileira, Lady Gaga faz show na Praia de Copacabana no RJ (Brazil News)

Musicalmente, o show também foi, como o quadro de Bosch, da luz às sombras: do inferninho eletrônico à trilha de casal apaixonado, da disco music ao heavy metal, do pop ao sofisticado, da ópera ao after. Vimos, em Copacabana, um manifesto apaixonado de uma artista que pode até balançar, mas não cai do salto. Os monstros nunca morrem, renascem mais fortes.  


 

 

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