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Jorge Vercillo: ‘expulso’ da pelada de Chico Buarque, mas feliz com bênção de Djavan

Jorge Vercillo: ‘expulso’ da pelada de Chico Buarque, mas feliz com bênção de Djavan

Cantor foi chamado de 'bolsonarista' e abandonou o campo do Politheama

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O cantor e compositor Jorge Vercillo: abraço e benção de Djavan; discussão política com Chico Buarque durante pelada

Jorge Vercillo, tal qual o alfaiate Joaquim Barbosa, seu avô e fundador do Partido Comunista Brasileiro, gosta do debate –mas tem adorado ficar em cima do muro. O comunista morreu sem poder ver o neto citá-lo como exemplo de inconformidade, inquietude. O cantor e compositor, de 55 anos, é tido como símbolo de uma música popular estigmatizada pelo banquinho e violão, mas, até hoje, ele figura nas programações das rádios e segue lotando as principais casas de show do Brasil.

“Existe fascismo e radicalismo da esquerda também, infelizmente. Existe babaca na igreja, gente legal no satanismo e pessoa decente em um puteiro”, diz o compositor que parece ter na fala um antídoto contra os que usam seu nome como sinônimo de música cafona, ultrapassada e até conservadora. Comemorando 30 anos de carreira com a turnê “JV30”, o cantor se divide entre em livrar-se dos estereótipos, reafirmar-se como ícone da música radiofônica e ser manchete no noticiário por falar de ufologia e desafiar Charles Darwin.

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Você tem ganhado destaque no noticiário por causa de suas opiniões sobre ufologia, a vida e tudo o mais. Tem valido a pena se expor assim?

Ser artista é se expor —se você se expõe para o bem. E o bem é colocar a sua verdade. Só que eu não consigo me aproximar da verdade. Eu estou na terceira dimensão, a gente nem chega perto do que é a verdade. Mas eu me exponho para abrir a cabeça das pessoas. Uma coisa é fato: a nossa percepção da realidade é de menos de 1%. Existe aqui o raio ultravioleta que é a frequência em que passam os espíritos, os desencarnados. Os clarividentes veem, mas a gente não enxerga. A gente não sabe para onde vai o nêutron e o elétron quando eles se desmaterializam. “Ah, mas isso que você tá falando é uma loucura”. Tudo bem, mas eu falo para abrir a cabeça das pessoas. A música enriqueceu a minha mente e eu me exponho para dar isso em troca.

Mas você acha que as pessoas compreendem isso?

Não. Quer dizer… Algumas, sim.

Há uma rejeição ao nome Jorge Vercillo, como se você fosse datado ou insistência das rádios adultas. Você, ao contrário, diz ser um rebelde.

Vou te dar um exemplo. Meu avô foi um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro. Na época, ele recebia dinheiro da União Soviética para tocar esse partido, fundado pelo sindicato dos alfaiates. Tempos depois, ele se desligou do partido por discordância com o rumo desse dinheiro. Esses alfaiates passaram a ser perseguidos pela direita e pela esquerda. “Ah, mas só há fascismo do lado direito”.

Existe fascismo e radicalismo da esquerda também, infelizmente. Babaca existe em todo lugar. Existe babaca na igreja, gente legal no satanismo e pessoa decente em um puteiro. Eu me sinto um ser livre, um ser cósmico. Vejo a raça humana como alguém que não se encaixa bem nesse planeta. A gente asfalta tudo, aquela planta ali [aponta para um ornamento artificial na decoração da sala] é fake.

Mas como isso se volta pra música, na sua opinião?

Eu tenho o direito de falar que não aguento mais música ruim. Tem como você dizer se uma música é boa ou ruim. Tem, sim. Se você for um jornalista que estudou música, você vai saber se mesmo o rap, o sertanejo ou o funk, qualquer estilo, é rico, criativo, previsível, apelativo, entendeu? Eu adorei a frase “que tiro foi esse, viado? que tiro foi esse que tá um arraso” [do funk “Que Tiro Foi Esse”, de Jojo Todynho, de 2017], não tenho nada contra. Aí eu vou e compartilho um texto que criticava a inércia do povo perante a política [texto de 2018, falsamente atribuído a Arnaldo Jabor] e a imprensa fala que eu estou criticando o funk, a Jojo Todynho.

Por um tempo, você virou referência de um estilo de música e a comparação com Djavan parecia ter apelo popular, todo mundo sabia quem era o Jorge Vercillo, “aquele que imita o Djavan”.

Você não sabe o que aconteceu tempos atrás? Fui visitar o Djavan em um show, levar um violão para ele no camarim. Falei “Dja, faz 25 anos que você gravou ‘Final Feliz’ comigo e não sei se você sabe que deu asas à cobra”. Aí ele falou “você é bom pra caralho, você foi muito feliz, cara”. Quer dizer… Então “esse cara” que, por mais de uma década, foi discriminado e chamado de cover do Djavan, agora, ouve o próprio falar duas vezes que sou bom para caralho. Pau no cu de quem me criticou, desculpa.

Eu me sinto um vitorioso. Tenho certeza que você achou estranho o Jorge Vercillo chegar com uma criança [a filha Luiza] no colo. Porque artista é babaca, superficial, plástico. O meio artístico deve chegar aqui na Billboard no salto. Eu não sou assim.

No You Tube, as pessoas que tocam violão te admiram, professores de canto te elogiam e os fãs de uma certa “canção MPB” têm você como uma referência. Você passou a ser um personagem da cultura pop.

A melhor coisa que aconteceu nesse sentido foi o Bruno Mazzeo [comediante que, em 2005, encarnou, no humorístico “Cilada”, um personagem parodiando Vercillo]. Saber desse estereótipo e ter noção dele foi muito importante para mim. O Bruno sacou a resistência a mim. E ele começou a usar o Jorge Vercillo como piada porque o personagem dele, um intelectualoide, não gosta de mim. Inclusive, aceitei o convite para participar do último episódio. Ano passado, teve uma novela chamada “Quanto Mais Vida Melhor” e existia um personagem nordestino que morava na Tijuca, fã do Jorge Vercillo, que fica cantando “Final Feliz”. Quer dizer, essa é a vitória da minha música. Por isso eu me exponho tanto com a questão da ufologia. Porque, senão, eu fico só com minha fama e meus cachês. Sinto que não estou ajudando em nada.

Você parece grato, mas ainda insatisfeito com o reconhecimento. Você acha que o mercado ainda consegue te valorizar do jeito que você quer?

A minha mulher, a Martinha, já é minha empresária há três anos. Ela quadruplicou o meu cachê e o mercado já vê isso.

Mas como é se quadruplica um cachê?

Eu te respondo: dizendo “não”. Você abre muitas portas dizendo não, com educação, respeito e credibilidade. Porque eu faço show no Vivo Rio e loto, com bilheteria de R$ 250 mil. “Ah, mas assim com esse cachê não dá”. Então, muito obrigado, até a próxima vez. Já sobrevivemos à pandemia, não tenho medo de mais nada.

Você sabe que o grande lance de Francisco de Assis é que ele não era católico. Ele era um paranormal cooptado pela Igreja Católica. Ele não tava nem aí para a Igreja. Ele queria fazer o bem. A imagem dele é um sol atrás da cabeça dele. Isso é um homem sem medo de nada, nem da morte pois a vida é eterna. Um homem completamente livre de suas amarras emocionais. É o meu objetivo cada vez mais: não ter medo de nada, não viver como um rato com medo de tudo. Eu me nego. Cabe a gente ir desfazendo. Nosso ciúme, nosso sentimento de apego.

Esse Jorge Vercillo contrasta com o meio que em que suas músicas tocam, não?

Eu sou um artista de rádio. E a rádio adulta te põe em uma caixinha. Eu gravei música com Belo, era o sonho dele tocar na MPB FM [a dupla regravou “Sensível Demais”, sucesso de Chrystian e Ralf]. E essa rádio dizia: “Belo!?”. Agora, por exemplo, estou indo gravar com o [trapper paulistano] Derek para falar de sacanagem, sabe? Estou lançando um afrobeat com o Rafinha RSQ. Tnho muito a aprender e muito a ensinar. O Rafinha chegou pra mim com algumas ideias para uma música flamenca minha. E eu ainda quero gravar mais coisas na célula do funk, no maculelê. Você pode fazer uso de tudo isso. Minha música é negra, “Final Feliz” é um R&B. As pessoas me ouvem na rádio e me acham um cara meio careta.

Mas as rádios são caretas, né? E você também tinha uma imagem careta, não?

Talvez! Eu já fui tomar ayahuasca e meu filho, pensando em mim como o cara mais louco que ele conhece, me deu um brigadeiro com maconha. Só que não ficou uma vibe legal. Eu dormia, acordava e fui pro hospital botar para fora. Tadinho dele, ficou super preocupado. Mas eu fui muito atrás de saber do DMT, que libera a glândula pineal, e fomos tomar ayahuasca. A minha onda também não foi lá essas coisas. O que eu sinto é que eu viajo muito mais quando estou lúcido. Eu abraço árvore…

Você, em 2014, disse “a Copa é uma vergonha”. Em 2017, você disse “a ideologia não me importa”. Em 2018, você grava “Garra”, com Ronaldinho Gaúcho…

E o Ronaldinho apoiava Bolsonaro e eu fui gravar de vermelho.

Mas, mesmo assim, você saiu dali como piada.

O Chico Buarque, inclusive, falou isso pra mim. Acho o Chico um exemplo de vida. Mas a gente começou a discutir no futebol e ele disse “você apoia o Bolsonaro!”. Aí eu fiquei: “EU!?”. Veio a turma do deixa disso, e eu disse que não apoiava. “Mas e se eu apoiasse? Isso aqui é uma ditadura?”, retruquei. Aí ele: “não, mas a gente aqui congrega com nossos semelhantes”. Então, tá bom! Peguei minhas coisas e fui embora. E eu gosto dele, acho um gênio, um gênio. Mas o futebol faz isso. O jogo continuou e eu fiquei magoadíssismo.

Você nunca mais voltou?

No dia seguinte, ele disse que havia se inteirado sobre mim. Disse que eu era um cara legal, que eu podia me sentir à vontade para frequentar a pelada. Mas posso falar uma coisa? Aquele cara… o Wilson Simonal… Existia uma patrulha enorme em cima dele, principalmente da turma musical. Veja bem: nem quero me comparar, estar no lugar de vítima. Mas quem me odeia é um nicho. E, tudo bem, também. As pessoas podem achar o que quiserem de mim. Como o Chico achou —e eu respondi.

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