Como as emos se sentiram em um I Wanna Be Tour com uma única mulher no line up
Pitty foi a única atração de um evento nostálgico que reflete o machismo do rock
Pitty chegou à grandiosa marca dos 20 anos de carreira. Com a bagagem, ela ainda carrega o peso de ser, em diversas ocasiões, o único nome feminino em um festival de rock. Foi o que aconteceu com o I Wanna Be Tour, que começou uma “tour emo” nacional neste sábado (2), em São Paulo.
No palco, ela pouco falou sobre o assunto. Deu uma indireta aqui e acolá. “É o rock nacional, porra. É mulher no palco, porra”, gritou antes de continuar o setlist formado por suas pedradas. Além de ser a única mulher, ela também compõe o seleto grupo de brasileiros na programação, completado por NX Zero e Fresno.
‘Uma cena hostil à mulheres’
O discurso ecoou na platéia. “É um gênero muito machista, com muitos casos de denúncia [de assédio, como em 2020, durante o episódio #ExposedEmo, em que fãs relataram casos pessoais]. É muito hostil a mulheres. Quem entrou, sofreu para caralho”, diz a designer Iane Prizuzi, 31 anos, fã de Paramore.
Pautado pela nostalgia e para o público que sonha em agradar suas crianças interiores, o festival apostou grande em sucessos dos anos 2000. Simple Plan, All Time Low, The Used foram algumas das bandas escaladas para o festival, que aconteceu no Allianz Parque, para uma multidão.
No entanto, essa mesma nostalgia pode ser um fator que afasta mulheres da cena, segundo Day Limns. Ela teve a oportunidade de se apresentar no evento a convite do Plain White Ts. “Fiquei feliz de ter sido escolhida e, de alguma forma, ser mais uma mulher no palco.”
“As pessoas ainda têm dificuldade de aceitar o novo. A nostalgia é linda, mas eu tenho tentado pensar o rock como algo futuro. No entanto, ainda encontro dificuldades. A galera acha tudo [que é novo] estranho… No final, vão ter que engolir e aceitar”, disse ela em entrevista à Billboard Brasil.
No emo, nos games, em todo lugar
Com o rosto corado do sol forte que atingiu o festival desde as 11 horas da manhã, a DJ Marcela Cavalheri, a Mazoca, diz que sente não só ausência feminina, mas todo o peso machista da cena emo quando comanda as pickups. “Eu ainda me sinto muito incomodada. Deveria existir uma abertura maior para as mulheres”, inicia Mazoca.
“Eu sempre penso que estou levando a nostalgia que eu gostaria de ouvir para quem quer ouvir. Proporcionar isso é estar diretamente envolvida. Mas, para mulheres DJs, além do assédio sexual, ainda tem um grande problema com festas que nos colocam em horários que nos deixam inseguras, até mesmo para ir embora do local. Produções que muitas vezes não pagam o uber, sabe? Eu gostaria que o emo, como um todo, criasse eventos que tivessem mulheres em todos os postos de trabalho”, reflete.
A criadora de conteúdo Renata Almeida, 31 anos, sente a pergunta sobre ausência feminina como um sintoma estrutural para além do emo. Também assinando como @itsvermelha, a gamer diz refletir sobre o assunto em outro nicho tão masculino quanto. “Eu sou gamer e também estou nesse lugar muito masculino. O negócio é a gente trabalhar a sociedade de hoje para que a gente consiga um futuro diferente. A Pitty sempre foi minha maior referência, por exemplo. Não ter tantos exemplos femininos é chato e, se esse cenário emo voltar com força, espero que isso seja considerado”, encerra.