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Edy Star foi estrela máxima da chamada ‘era do desbunde’

Edy Star foi estrela máxima da chamada ‘era do desbunde’

Cantor e performer baiano representou como poucos a cena glam brasileira

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O cantor Edy Star

Imagine a cena: numa madrugada qualquer da boate Number One, no Rio de Janeiro, Edy Star surge de rosto pintado, calça e túnica rosa e bota até o joelho. Em meio a números musicais diversos, boa parte deles inspirado em cancioneiros de cabaré, ele espirra spray na plateia durante o número “Perfume de Gardênia”, bolero dos anos 1950.

Uma situação como essa, nos dias de hoje, provocaria cócegas na plateia de artistas da comunidade LGBTQUIA+ como Pabllo Vittar e Gloria Groove. Nos anos 1970, no entanto, era considerada o máximo da perversão. “A censura implicou com um pot pourri no qual eu falava só de peito e terminava comigo cantando ‘Meu peito caiu’”, diverte-se o baiano Edvaldo Souza numa entrevista para o jornalista Mario Mendes. Edvaldo, não! Edy Star.

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O sujeito que personificou como poucos a “era do desbunde” (um período de liberdade em todos os sentidos) e a quem Caetano Veloso definiu como “um pioneiro e libertador” nos deixou hoje, de insuficiência respiratória, insuficiência renal e pancreatite aguda. Ele sofreu um acidente doméstico –caiu em sua casa– e teve de passar por uma série de perrengues até ser internado no Complexo Hospitalar Heliópolis, em São Paulo, onde veio a falecer. Uma despedida, infelizmente, muito distante daquela com a qual tinha sonhado e revelou numa entrevista para o “Estado de S. Paulo”. “Quero que a morte venha tranquila, na hora certa.”

Conheça Edy Star, ícone do glam rock nacional

Nascido em Salvador, Edy Star foi o primeiro astro assumidamente gay na cena musical brasileira. “Sou de um tempo em que ser viado era um Deus nos acuda. O pessoal tinha medo que a família soubesse”, declarou em entrevista para o “Conversa Com Bial”. Para arrematar, logo em seguida, com sua matreirice habitual. “Nunca escondi”.

O desabrochar de Edy Star coincide com o movimento glam nos Estados Unidos e na Europa (principalmente nos Estados Unidos). Nomes como Alice Cooper, Marc Bolan e, acima de tudo, David Bowie, faziam um pop/rock estilizado e com toques teatrais, além de assumirem um visual andrógino e muita, mas muita maquiagem e purpurina. Edy é co-autor de “Procissão”, clássico de Gilberto Gil, e participou do ótimo “Sociedade da Grã Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10”, ao lado de Raul Seixas (1945-1989), Miriam Batucada (1947-1994) e Sérgio Sampaio (1947-1994). No Brasil, essa cultura foi assimilada pelo trio Secos & Molhados, pelo grupo teatral Dzi Croquettes e, claro, por Edy Star. Isso num período em que a ditadura corria solta e a censura vetava qualquer movimento considerado imoral.

“Sweet Edy”, que viu a luz em 1974, é um disco essencial para se entender o glam à brasileira. Traz o cantor e performer desfilando um repertório criado especialmente para ele por compositores do quilate de Caetano Veloso, Erasmo e  Roberto Carlos e Gilberto Gil, além de uma versão de “Pobres Moços”, do compositor Lupicínio Rodrigues (1914-1974). A decana da crítica musical brasileira, Ana Maria Bahiana, ficou tão encantada com “Sweet Edy” que comparou seu impacto ao de “Transformer” (1972), de Lou Reed (1942-2013). Em 2012, o DJ Zé Pedro relançou “Sweet Edy” pela sua gravadora, a Joia Moderna.

Edy Star trabalhou ainda na montagem brasileira de “Rocky Horror Show”, musical que combinou a estética gay com filmes de terror e ficção-científica de baixo orçamento, e continuou seu périplo por casas noturnas. Dramático, pensou em suicídio depois de uma desilusão amorosa, mas preferiu brilhar nas casas noturnas de Madri, cidade que morou por duas décadas. Edy voltou ao país em 2009 para um tributo a Raul Seixas e decidiu ficar por aqui. Lançou dois discos – “Cabaré Star”, de 2017, e “Meu Amigo Sérgio Sampaio”, de 2023– e trazia na manga um trabalho dedicado às canções de Raul Seixas e outro ao lado de Maria Alcina (a que cansou de imitar nas boates) de marchinhas pornográficas de carnaval.

“Enquanto estiver vivo, eu quero reconhecimento”, disse Edy para o “Estado de S. Paulo”. E pode-se dizer que ele o teve. Ganhou a biografia – “Eu Só Fiz Viver: A História Oral Desavergonhada de Edy Star”, de Ricardo Santhiago–, e o documentário “Antes que Me Esqueçam, Meu Nome é Edy Star”, de Fernando Rodrigues, que traz depoimentos de nomes como Caetano Veloso e do pesquisador Rodrigo Faour.

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