Deize Tigrona em foto postada em seu Instagram (à esquerda) e no Festival Se Rasgum (à direita) com Keila (Foto: Ygor Negrão)
Deize Tigrona é MC referência de putaria no funk para quem almeja penetrar, dominante, o terreno lírico do esporro. Poucos conseguem, é claro, canetar e verbalizar as cenas como Deize faz. Em “Sadomasoquismo”, ela visualiza um “pixadão” (como eram chamados os homens, em oposição às “tchuchucas”) que, de chicote, algemas e corda de alpinismo (!), tenta imobilizá-la; em “Injeção”, seu hit explorado à exaustão por Diplo e M.I.A., ela encena um “Plantão Médico” (um “House” ou mesmo um “Grey’s Anatomy”) pornográfico ao som de trombetas sampleadas por DJMarlboro. Mas quem, afinal, fala putaria boa no ouvido de quem gosta de falar putaria?
para ouvir lendo: Deize Tigrona, “Injeção” (Link Records, 2008)
“Qual é teu nome?”, me pergunta a MC para, logo após, emendar com “tu me acha sexy?”. Respondo assertivamente (“te acho sexy para c…!”) e ilustro com a memória meio “Cine Privê” que tenho do vídeo no qual corre de biquíni em uma praia europeia ao som de “Pelo Amor De Deize”, parceria com Jup do Bairro.
Ela cai no riso, desvia o olhar com timidez. “Agora tu me pegou. Eu ainda me sinto muito tímida, me pego com a cabeça baixa. Mas com tesão: viral, autêntico, alto, potente — e que me traz essa autoestima”.
O tesão da compositora sonha desaguar por outros canais. “De verdade? Algumas músicas minhas são ficções. Eu queria era ter escrito roteiro [de putaria]. Mas, é óbvio, que eu gostaria de contracenar. Eu sonho com essas imagens que não me retratem como prisioneira. Quer dizer, só se for de algema. E com a Taís Araujo, pô”, finaliza com a boca quase que molhada e desejosa pela atriz global.
Quem fala de sexo para a MC que ama cantar cenas de sexo
“Eu acho que amor é um livro, sexo é esporte [gargalha]. RitaLee me cativa bastante, LuluSantos quando canta ‘só faço com você, só quero com você’… Isso me instiga desde jovem, da adolescência”, desenha a MC que se apresentou no Se Rasgum nessa sexta (18), segundo dia do festival paraense, ao lado da anfitriã Keila.
Deize não pára: “No audiovisual, [quem me instiga é] Alessandra Negrini e Ana Paula Arósio” diz citando “Engraçadinha” e “Hilda Furacão”, minisséries globais da década de 1990. No funk, ela diz ser a própria referência, mas ao se lembrar de MCNaninha perde a postura.
“Nossa, a Naninha. Aprendeu comigo [gargalha mais uma vez]. Ela é uma coisinha. Ela tem um personagem sinistro. P… você me deixou sem jeito. Naninha é Naninha, p…”, diz enaltecendo a MC de Bangu, conhecida pela voz anasalada cuspidora das barras “se for pra botar / vai ter que botar até as bolas”.
“Coisa de ego e de pau”
“O que ela fez foi de uma potência que muitas queriam fazer”, diz sobre o furacão Ebonyque deixou terra arrasada nas últimas semanas no rap brasileiro. “Ela tirou muita onda. Os meninos estão tratando com ironia e não estão sabendo responder. Mas é real. Somos mulheres e quem os coloca no mundo. É uma coisa de ego e, realmente, de pau”, reflete a dona de um dos melhores álbuns de 2022, “Fui Eu Que Fiz” em que é abraçada pela rave de Badsista, JLZ, Malka, Teto Preto, DJ Chernobyl. “Homem pensa que sexo é pau. E pau é mais um dedo. As mulheres precisam entender melhor os 10 dedos que têm nas mãos”, continua.
Hoje, Deize é fiel também de Larinhx, Mu540 e Daniel Haaskman, três exemplos de produtores que macetam funk em possibilidades amplas da música eletrônica.
para ouvir lendo: Deize Tigrona, “Monalisa” (com JLZ, de 2022)
Deize encara homens desde quando seu padastro disse que suas letras eram “pesadas”. “Eu o entendia como homem que não compreendia a liberdade das mulheres, a minha liberdade. Muitas vezes ainda me dizem que eu fui submissa aqui ou ali. Mas é isso, né? Ser mulher, ser empregada doméstica, ser preta, cantando funk… Eu ainda tenho o receio de não querer magoar. Entende? Mas tenho a gana de querer ser —e ser— uma mulher livre. O meu estudar me mantém na competência do querer ser, de querer crescer e estar em todos os lugares. Essa é a gana de enfrentar o domínio masculino que tem por aí.”
O curto show que ofereceu no Se Rasgum fritou adolescentes ansiosos pelo rock da banda Terno Rei e reggueiros à espera das brisas jamaicanas da lenda MaxRomeo.
“Hoje, aqui em Belém, eu percebi que a parada não é o romance, é a fritação. Não só na pista, na plateia, na festa. Mas, sim, para a vida. É o front”, crava em reflexão que se aproxima do refrão de “Sobrevivente de Rave” que acalenta mulheres e travestis que tentam sobreviver em uma sociedade grossa, “no meio de gente fina”.