A reconquista da coroa pop por Lady Gaga no início de 2025 é uma das gratas surpresas do ano. Há poucos meses, a popstar que regeu o mundo entre o fim dos anos 2000 e começo dos 2010 estava em um canto muito diferente: era a estrela de um filme apedrejado pela crítica (“Coringa: Delírio a Dois”), para o qual havia gravado uma trilha sonora de jazz big band dos anos 1940.
E então fez-se a mágica, mais exatamente “Abracadabra”. Com seu refrão grudento, para cantar alto, e potente batida electro-pop, o single mirou certeiro no coração da pista de dança, recolocando Gaga no lugar sonoro e estético que fez dela uma das artistas mais impactantes do século 21.
Na sequência, veio o álbum “Mayhem” e, com ele, a certeza de que a Lady Gaga dos gloriosos primeiros anos estava de volta com força. Com uma sonoridade que frita elementos do industrial, do rock, do synthpop, do techno e da disco music, “Mayhem” é uma explosão de autoconfiança e fome de viver.
“Comecei a pensar: ‘o que me faz ser eu? Quais são minhas referências? Quais são minhas inspirações?’”, disse a cantora sobre o disco em entrevista à imprensa estrangeira.

Em 2008, quando Lady Gaga estreou com o álbum “The Fame”, essas referências incluíam as tonalidades sintéticas de estilos de pista da época, como o electro house e o indie dançante. Assim como os vocais encorpados e dramáticos da disco music e do eurodance. Além de, claro, o panteão dos popstars afrontosos e anticonvencionais, como Madonna, David Bowie, Prince e Grace Jones.
Gaga despontou como uma estrela fascinante, impossível de ignorar. Fashionista, sexual, diferentona, exagerada, provocativa, ela apareceu dançando de muletas em “Paparazzi” e dizendo que sua música era “pop eletrônico sem alma”. “Mas, quando você tá doido de ecstasy num clube se esfregando em alguém e começa a tocar minha música, você sentirá a alma”, completou.
Uma representante da cultura das celebridades era o conceito de seu personagem. A relação era ambígua, entre crítica e exaltação, conforme retratada na faixa-título “The Fame”: “Vivemos para a fama, baby/Não é uma vergonha, baby?”. Ao alimentar constantemente o jornalismo de celebridades com aparições ousadas e declarações controversas, Gaga usou a máquina da mídia sensacionalista a seu favor.
A reedição do primeiro álbum, chamada de “The Fame Monster”, dobrou a aposta nos excessos, colocando na roda mais hits, como “Bad Romance” e “Alejandro”. Por trás do espetáculo e do fervo, havia camadas de posicionamento crítico e empoderamento feminino.
Com seu jeito assertivo, que celebra a liberdade de ser diferente da norma, e seu ativismo pelos direitos de minorias e contra abuso e violência sexual, Gaga tornou-se inspiração para mulheres e pessoas LGBTQIA+. O tema da autoafirmação da identidade norteou o segundo álbum, “Born this Way”. Inspirada num hino gay disco de Carl Bean, de 1977 (além de uma interpolação com “Express Yourself”, de Madonna), a faixa-título diz: “Não importa se gay, hétero ou bi/Vida lésbica ou transgênera”.
Para o terceiro álbum, “Artpop”, de 2012, Gaga assumidamente buscou um caminho “menos maduro” do que “Born this Way” e com influências das artes plásticas. O nome do disco remete a uma inversão do caminho proposto pela pop art de Andy Warhol, o consumo e a mídia de massa servindo de inspiração para a arte. “A intenção do álbum era colocar a cultura da arte dentro da música pop”, afirmou a cantora. Hits como “Applause” e “Do What You Want” vieram com uma sonoridade sintética e dançante, continuando a linhagem dos trabalhos anteriores.
Em entrevista à Maxim, Gaga explicou: “Warhol disse que a arte deveria ser significativa da forma mais superficial possível. Ele foi capaz de criar arte comercial que foi levada a sério como arte refinada… [e] é isso que eu também estou fazendo.”
Com “Artpop” tendo bem menos impacto que os primeiros álbuns, Gaga foi experimentar novos caminhos no meio da década. Em 2015, lançou o álbum “Cheek to Cheek”, em parceria com Tony Bennett, o primeiro de dois trabalhos com o veterano cantor de jazz. No repertório, apenas gemas da tradicional canção americana, de nomes como Cole Porter e George Gershwin.
Três anos depois, o álbum “Joanne” apresentou uma Lady Gaga bastante diferente em relação aos primeiros anos, tanto no aspecto visual mais básico e sem excessos como numa musicalidade que abrangia pop-rock e country. No Japão, Gaga gravou uma versão do single “Perfect Illusion” só com voz e piano que evidenciou o quanto, por debaixo da montação e espetáculo, havia uma musicista de primeira.
Em 2020, a cantora apostou em um retorno às suas origens eletrônicas e dançantes com “Chromatica”. Apesar do disco ter gerado sucessos como “Stupid Love” e “Rain on Me” (com Ariana Grande), o timing do lançamento não foi o ideal. Era maio e o mundo estava paralisado pela pandemia. Não só as pistas de dança estavam suspensas, como a cantora também teve que cancelar a turnê de lançamento.
Meia década depois, o mundo está mais que pronto para abraçar e ferver com Lady Gaga de novo. É questão de necessidade: com o avanço dos discursos preconceituosos e opressores, na sociedade e na política, precisamos de estrelas musicais que celebram a importância de ser diferente, de ser você mesmo.