Branco Mello sobre câncer: ‘Não conseguia falar, voltar a cantar foi loucura’
Músico dos Titãs relembra período em que não podia sequer comer e beber
Branco Mello, baixista dos Titãs, conta, em depoimento exclusivo à Billboard Brasil, como o câncer quase o levou à morte e da felicidade em ter voltado aos palcos –cantando– ao lado dos companheiros de banda, na turnê “Encontro”.
“Eu já sentia uma coisa áspera na garganta, só que não aparecia nada nos exames. Como eu sempre cantei e trabalhei voz, eu sentia que alguma coisa não estava bem. Fiquei cismado. O otorrino falou que tinha uma coisinha, uma afta, e que tinha de acompanhar. Aí, um dia, cresceu.
Quando eu soube do câncer, vi que realmente ia ter que enfrentar uma situação nova. Mas consegui pegar bem no começo, porque estava atento. Passei por radioterapia e quimioterapia –isso foi em 2018– e fiquei bom, curou o tumor. Aí eu fui fazendo acompanhamento. Em 2021, o tumor voltou para o mesmo lugar, e precisei passar por cirurgia para retirá-lo.
Foi um baque. É sempre difícil, porque é um diagnóstico que te leva a uma consciência diferente da morte… A morte é um fato, todos sabemos que um dia vamos encontrar com ela. Mas não faz muito sentido [ficar pensando nisso], você tem que ocupar a tua vida, a tua cabeça… Senão, fica pensando que vai morrer e não aproveita nada.
Quando soube que teria de fazer a cirurgia, entendi que poderia nunca mais falar, porque talvez fosse preciso tirar toda a minha laringe. Fui preparado para isso. O que eu queria era, talvez, viver. E eu pensava que, se eu vivesse e não pudesse mais falar, ia continuar tocando baixo. E ia enfrentar… São mudanças, fazem parte da vida.
Quando eu acordei da cirurgia, a Ângela [mulher de Branco] estava ao meu lado e me contou que só tinham tirado metade da laringe. Fiquei muito feliz, nos abraçamos. Mas eu não conseguia falar nem comer nem beber nada. Por isso digo que voltar a cantar foi uma loucura.
Depois disso, ainda tive uma segunda cirurgia. Três meses depois, apareceu nos meus exames um outro tumor na língua. No pós-operatório tive uma hemorragia. Realmente achei que estivesse partindo para uma outra dimensão, cheguei a me despedir da Ângela, até escrevi uma coisa para ela. Fui meio que apagando, tive uma sensação de calma. Fiquei surpreendentemente tranquilo. Podia ter ido embora ali, mas após 24 horas eu acordei.
É incrível, tive uma experiência de quase morte, mas fui lá pertinho e voltei. Não sou religioso, mas tenho fé. Acho que tenho tido sorte também, mas acredito muito na ciência, desde a cirurgia de aneurisma que eu fiz em 1998. Ali eu comecei a mudar a minha cabeça, o meu corpo, os meus hábitos. Desde então, venho trilhando um outro caminho, de disciplina e com objetivos bem claros. Tenho fé na família, nos meus filhos, na Ângela, com quem sou casado há 33 anos. A gente já passou por muita coisa juntos.
Hoje estou curado –entre aspas, né? Estou curado até o próximo exame. Mas não fico mais tão preocupado. Eu vivo. Todo dia é dia de comemorar.
Quando voltei a cantar, percebi que tinha um bom caminho pela frente. Aí veio o projeto do ‘Encontro’. Foi uma ideia que surgiu quando a gente fez 40 anos de carreira. Pensamos em fazer uma comemoração e convidar os ex-Titãs. Só que isso era complexo, e a gente levou quase dois anos conversando.
Obviamente, a gente sabia que, se essa turnê acontecesse, seria avassalador para todos nós. É uma reunião mágica. Começamos a ensaiar e foi muito legal, porque de primeira a coisa fluiu como se nada tivesse acontecido. Passei três meses me preparando para cantar novamente, fiz um intensivão, e a estreia aconteceu no Rio. Foram shows muito emocionantes, cheios de amigos. Foi como voltar à vida.
Hoje, já sinto diferença na minha voz. Ela foi aquecendo, ficando mais natural, e também me acostumei com ela. Comecei a entender a minha nova voz e –mais legal do que isso– comecei a gostar dela. Hoje eu canto de forma diferente, mas com a mesma intensidade de interpretação.
Tenho 61 anos, vivi muito, pessoalmente e também como músico, nessa banda que eu criei com meus colegas lá em 1982. Houve muitos momentos difíceis e muitos felizes. Mas, desde que decidimos fazer essa turnê, virou uma chave em todos nós. Tudo foi muito bom, parecia que não existiam diferenças. Nossos filhos se encontraram, e aí teve a Alice [filha de Marcelo Fromer, guitarrista dos Titãs, morto em 2001] também, outro momento de emoção. Com ela no palco do ‘Encontro’, a presença do Marcelo ficou muito viva entre nós.
Não acho que, no início, existia exatamente uma saudade de estar junto. Vou falar por mim: eu tinha uma sensação de que essa reunião poderia ser legal, um grande sucesso. Mas não tinha saudade. Não era esse o sentimento. No entanto, tivemos um reencontro incrível e tudo isso faz parte de uma história muito rica. É bom estar vivo para poder contá-la.
As melhores lembranças vão ficar. Nem poderia ser diferente. Nós somos amigos e criamos tudo isso juntos. Então, esses momentos vão ficar como uma nova coisa que aconteceu na vida dos oito, digamos assim. Realmente é único. Mas eu gosto da ideia de que vai ter um fim, acho importante que seja assim. Não é que nunca mais vá acontecer, pode ser que façamos de novo em outro momento, em outra época. Mas eu acho que agora a gente encerra.”