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‘Borderline’: o que fez o sertanejo (reincidente) de Maraísa virar ‘psicofóbico’

‘Borderline’: o que fez o sertanejo (reincidente) de Maraísa virar ‘psicofóbico’

Canção entrou em desgraça após ser revelada

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Maraisa faz desabafo durante show em São Paulo

“Borderline” era pra ser um alerta. Com letra de Maraisa, Lari Ferreira, Renato Sousa e Rafa Borges, o sertanejo pop tinha tudo para vingar. A canção é uma conversa entre duas pessoas em que um conselho é dado: se liga nos sinais desse cara, ele é controlador; não leve adiante algo que pode terminar em um casamento horrível.

Mas, como entrega o título, os alertas recaem sobre uma pessoa diagnosticada na canção com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). O laudo, óbvio, não é médico, mas surge em um diálogo informalmente retratado. “Você não é remédio de maluco”, diz a letra.

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Apesar de uma “boa intenção” (uma amiga aconselhando outra a sair de um relacionamento que pode ser problemático), o sertanejo é gênero marcado por pouco espaço a discussões que pedem espaço a novas narrativas —a mais marcante foi a entrada, tardia, de mulheres como ícones pop em grande número, quando do surgimento de duplas como a de Maraísa, com Maiara.

Acontece que a grita contra a música faz sentido.

“É a mesma coisa quando minha filha chega em casa e diz se incomodar com os amigos que ofendem uns aos outros usando ‘autista! Autista!’. Minha vida tem reflexos do meu transtorno e, sim, minha vida social é afetada por ela. É um tema muito menos discutido que racismo, por exemplo, em que muitas pessoas já sabem para onde devem e não devem ir. E mesmo assim, vão”, diz Priscila Rodrigues aos 37 anos.

Ela descobriu aos 18 que tinha o transtorno —e, depois, saberia também do autismo. Priscila é fã do gênero e também da dupla Jorge e Mateus. “Eu sei o quanto da minha vida eu já atrasei por conta disso. E, olha, esse assunto para mim cai no mesmo lugar do politicamente incorreto: eu não me ofendo com muitas coisas da arte, eu tenho uma tolerância. Mas isso é uma coisa minha. A partir do momento em que muitas pessoas se sentem atingidadas por isso, minha opinião já passa a ser irrelevante. Não conta”.

Gravada em DVD e ainda não lançada

“Borderline” é parte integrante do DVD “Imemsidão” —grafado assim mesmo, com “m” em detrimento do “n”— gravado em maio de 2024. A Billboard Brasil acompanhou o lançamento. À época, a repórter Bruna Calazans —responsável por pautas que vão do gospel ao sertanejo e passam também pelo pop de Liniker— disse que não ficou marcada pela canção. “Me lembro do fato de todas as letras serem sobre ciúmes, controle em relacionamentos, algo bem sobre os dilemas da monogamia”, diz.

“Isso talvez tenha me chamado mais atenção e algum incômodo porque são situações que eu não tenho como direção para minha vida. Acho que se eu tivesse algum transtorno como o exposto na letra, eu também me incomodaria”, completa.

 

Como ‘Borderline’ foi cancelada

“Esse tipo de conteúdo, apesar de parecer ‘alerta’ ou ‘proteção’ para alguém em um relacionamento difícil, é, na verdade, um exemplo grave de psicofobia”, é o que disse a neuropsicóloga Taty Ades ao Metrópoles.

As primeira notícias sobre a música “Borderline”, interpretada por Maraisa, foi publicada em 26 de abril de 2025 pela Marie Claire. A matéria, não assinada, abordava a divulgação da canção nas redes sociais da cantora, destacando sua temática sobre relacionamentos abusivos e a associação feita ao TPB. A grita, então, se estendeu. A influenciadora e atriz Andressa Urach foi uma das vozes —ela é uma das maiores vendedoras de livro no país desde que, em 2015, lançou “Morri para Viver”, que teve tiragem de um milhão de cópias em menos de um ano.

“Maraisa, eu, em nome de todos os borderlines, nos sentimos ofendidos com essa sua música infeliz, que causa um preconceito muito grande e atinge a saúde mental de muitas pessoas. Isso é crime, o que você está fazendo. Todas as pessoas que são border estão se unindo para te denunciar ao Ministério Público”, disse a criadora de conteúdo adulto.

Por último, nesta terça (29), Maraisa mostrou-se afetada pela repercussão. A assessoria da dupla disse que não irá se pronunciar sobre o assunto e que não há informação se a canção será lançada, mas fato é que “Boderline” foi apagada das redes sociais.

Publicado no perfil da cantora no sábado (26) , ele foi apagado no domingo (27). “Era uma grande fã, mas depois da música borderline, sinceramente, perdeu todo sentido”, reportam Yanca Cristina e Aline Goulart no G1 de Goiás em retrospectiva dos fatos.

Como é de praxe no gênero, a canção circulou por perfis divulgadores de lançamentos. É por meio deles que os compositores testam a força de suas letras e entendem se a canção pode ter fôlego no mercado.

‘Ela é Bipolar’

Há dez anos, Seu Jorge surfando uma onda nova em sua carreira. De repente, ele tinha conseguido acertar no pop de Jorge Ben (como em “Mina do Condomínio”) e Michael Jackson (“Quem Não Quer Sou Eu”). Falou sobre uma traição reprimida em “Amiga da Minha Mulher” —dos versos ‘se fosse mulher feia tava tudo certo, mulher bonita mexe com meu coração” e antecipou os motoqueiros de aplicativo versando em “Motoboy”.

Mas no segundo volume da empreitada, ele resolveu também falar de bipolaridade, de uma mulher com transtorno de bipolaridade.  “Eu gosto tanto dessa menina / Tanto que você nem imagina /  Eu não sei o que ela fez com o meu coração”, introduz.

O transtorno bipolar difere-se do TPB. No borderline, as oscilações de humor são repentinas e podem ocorrer em questão de minutos; no primeiro, a mudança entre uma fase e outra pode levar semanas.

Com alguma sinceridade sobre o tema, o eu-lírico é descritivo. “Tento ser compreensivo / Faço tudo que é possível /  Mas no fundo eu não entendo não / Não, não”. O diagnóstico é: “Tem dia que tá bem / Tem dia que não tá legal /  Tem dia que tá zen /  Tem dia que tá baixo astral”.
E, finalmente, ele jorgebeniza de uma forma Seu Jorge: “Bipolar é um transtorno mental maníaco depressivo / Que causa muita infelicidade aos portadores dessa enfermidade / Apesar dessa doença / o tratamento é muito simples / Mas é legal ficar ligado / Porque os sintomas são diversos”.

A ‘Bipolar’ de Natanzinho Lima

Do mesmo ano que “Borderline” é “Bipolar”, de Natanzinho Lima. O jeito do cantor brega retratar é semelhante ao de Maraísa —a canção não caiu no radar das redes sociais. Na canção, o compositore Lucas Tibério reclama de uma pessoa “maluca”, “pirada” e “fingida”. Os sintomas não são, necessariamente, pertinentes a uma pessoa com transtorno bipolar.

“É verdade o que todos diziam / Você é maluca, pirada, fingida / Tô aqui no relento do seu apartamento / Bebendo com suas amigas / É verdade o que todos diziam / Você é maluca, pirada, fingida /  Tô aqui no relento do seu apartamento / Bebendo com suas amigas”.

Para Priscila, isso é o que mais incomoda. “O que dói é quando uma pessoa diz ‘tal coisa é esquizofrênica’ ou ‘eu sou autista’ para dizer algo que claramente não é nem esquizofrênico ou autista”.

Maraísa é reincidente

É sério
Não sei se eu termino ou se eu te interno
Seu louco

Já que eu não sei quem cê é de verdade

Já que todo o dia cê é uma pessoa

Já que cê tem várias personalidades

Seu narcisista, seu covarde

Maraísa, com Maiara, cantou “Narcisista” em 2023. A canção entrou para o ranking das mais tocadas ainda no mesmo ano e segue firme entre as mais ouvidas em 2024, de acordo com dados da Connect Mix. Parte do DVD gravado em Portugal, a canção da cantora em parceria com a mesma Lari Ferreira (de “Borderline”) é mais uma a tentar comparar características ruins do parceiro com transtorno de personalidade.

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