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Todo ano, o Bloco Esfarrapado luta para resistir diante do novo Carnaval

Todo ano, o Bloco Esfarrapado luta para resistir diante do novo Carnaval

A agremiação do Bixiga é responsável pelo bloco mais antigo de São Paulo

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Bloco Esfarrapado

As ruas do Bixiga carregam muita história. Um dos bairros mais tradicionais da região central foi refúgio de imigrantes italianos que vieram para o Brasil. Além de ser o sítio da famosa festa de Nossa Senhora Achiropita, padroeira do bairro, o Bixiga também é um reduto do samba, onde se fundam agremiações como a Vai-Vai e o legado de Geraldo Filme, que celebram a rica cultura afro-brasileira. E é nesse afluente cultural por onde, inclusive, já passou um rio, o Saracura, que floresceu o pioneiro do Carnaval de rua de São Paulo.

Desde a década de 1940, os foliões paulistanos têm um encontro no cruzamento das ruas 13 de Maio e Conselheiro Carrão na segunda-feira carnavalesca. Ali acontece o desfile do Bloco Esfarrapado, que, a cada ano, celebra sua resistência diante da modernização e da transformação do período de folia em um mercado de lucro desenfreado pelas grandes marcas.

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No dia 17 de fevereiro de 1947, aconteceu o primeiro cortejo do movimento criado por Armandinho Puglisi, Walter Taverna, Tinin, Capuno e Carabina. Reunidos nos degraus do antigo Cine Rex, o grupo de amigos idealizou a festa, que perdura até hoje e, em 2025, completa 78 anos.

Diferentemente de outras agremiações, o Bloco Esfarrapado não traz temas para os desfiles. A cada cortejo, comemora seu aniversário e agradece por resistir mais um ano. Pode parecer estranho, mas, a partir da metade da última década, os bloquinhos tradicionais vêm travando, indiretamente, uma batalha contra o “novo Carnaval”, que se tornou a principal vitrine publicitária do país.

No entanto, desde o início de sua jornada, a folia do Bixiga sempre enfrentou perrengues. “O Carnaval de rua e as escolas de samba eram muito malvistos. Os bailes eram feitos em salões, e a elite, que tinha uma condição [financeira melhor], junto de seus convidados, organizava esses bailes de Carnaval”, conta Maurizio Bianchi, de 62 anos, comerciante, vice-presidente do Bloco Esfarrapado e morador do Bixiga desde seu nascimento. “O Carnaval de rua era muito segmentado e marginalizado naquele momento”, pontua.

A situação tornou-se mais “aceitável”, segundo a presidência do Esfarrapado, com uma lei implementada em janeiro de 1990 pela então prefeita da capital paulista. “As coisas melhoraram quando a Luiza Erundina exigiu que os blocos de rua e as escolas de samba fossem legalmente constituídos com CNPJ e IE. [Mas] existe uma diferença gritante entre os blocos de rua e as escolas de samba”, explica Maurizio.

Com o crescimento do Carnaval de rua de São Paulo e a popularização dos blocos de artistas e festas, manter um bloco tradicional é, literalmente, um ato de resistência. “Os blocos grandes trazem patrocínios e verbas e pressionam muito os órgãos públicos para obterem mais condições. Nós não temos esse patrocínio, não temos empresas que nos veem com bons olhos para fornecer um valor que pudesse nos auxiliar”, assinala o vice-presidente.

Bloco Esfarrapado
Jaime Souza e Maurizio Bianchi, presidentes do Bloco Esfarrapado (Acervo Bloco Esfarrapado)

Além de Maurizio, a direção do bloco conta com o produtor cultural Jaime Souza, de 40 anos, e Milton Credidio, o Tinin, de 89 anos, que faz parte do grupo de amigos que fundou a agremiação e hoje ocupa o cargo de presidente de honra.

Para manter as atividades da organização, seus líderes e alguns membros e frequentadores da comunidade investem recursos financeiros para viabilizar a realização da festa. “Nós somos o mais tradicional, o mais antigo [bloco de São Paulo]. Muitas vezes, fomos nós mesmos que colocamos dinheiro para que ele pudesse estar na rua. Isso não é glória”.

Mas isso não é uma tarefa fácil, visto que, a cada ano, os valores se tornam cada vez mais altos por conta da lei de oferta e demanda. “A estrutura é muito cara. Com o aumento dos blocos, quem fornece essas estruturas se vê na condição de leiloar”.

Em meio às dificuldades, o bloco segue resistindo e levando a tradição por meio das gerações. “Nós fazemos um Carnaval de verdade, não só para a nossa comunidade, que, graças a Deus, nos acompanha em herança com seus filhos, netos, pais, mães e avós, mas também para os frequentadores do bairro e pessoas que acabam conhecendo o Bloco Esfarrapado, porque ele se difunde”.

Bloco Esfarrapado
Bloco Esfarrapado

O cortejo ocorre religiosamente na segunda de Carnaval. Os organizadores não possuem uma estimativa de público, mas apostam na casa dos milhares. Devido à sua popularidade, personalidades da música, teatro e televisão costumam frequentar o cortejo, mas os líderes preferem manter suas identidades em sigilo para que apenas a essência e a história do Esfarrapado sobressaiam.

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