Autor de tema do The Town, Eduardo Souto Neto afirma: ‘Emoção não tem fórmula’
Lendário compositor assinou a trilha do Rock in Rio, e o 'Tema da Vitória'
Desde “Evidências”, de Chitãozinho e Xororó, passando por “Como é grande o meu amor por você”, de Roberto Carlos, até “Eduardo e Mônica”, da Legião Urbana, são seletas as músicas que estão na ponta da língua do Brasil há décadas. Esses hits, que vão do sertanejo ao rock, podem até ser considerados trilhas de momentos importantes de muitas pessoas pelo país. No entanto, existem temas que foram feitos sob medida para embalar coletivamente momentos e sentimentos inesquecíveis. Alguns dos mais importantes deles foram criadas por Eduardo Souto Neto.
Estrofes iniciais
Compositor de faixas como o “Tema da Vitória”, eternizado por Ayrton Senna, a canção do Rock in Rio, e agora, do The Town, o artista, que é filho e neto de músicos, traz como a maioria de suas influências as músicas que ouvia o pai tocando no piano de cauda durante a infância. Nada mais justo que suas canções atravessem gerações. “Ele tocava Pixinguinha, Noel Rosa, Ary Barroso, Ataulfo Alves, e Dorival Caymmi, que cantou com o meu maior ídolo, Tom Jobim. Eu me lembro do início da bossa nova em 1958, tinha sete anos de idade. Eu tenho o vinil do ‘Chega de Saudade’, do João Gilberto, até hoje, aquilo mudou a minha vida”, conta. “Os discos de Carlos Lyra, Baden Powell, o núcleo inicial da bossa nova, e depois com Edu Lobo, Marcos Valle“, conta em entrevista a Billboard Brasil.
O rock não demorou para se tornar referência para Eduardo, gênero que o acompanharia para o resto da vida. “Primeiro, foram os Beatles, fazendo músicas completamente diferentes à medida que eles evoluíram. Depois, a Tropicália, Clube da Esquina, e o rock dos anos 80.”
A partir disso, ele começou a concorrer em festivais de canções, viu suas composições sendo gravadas por artistas, entrou na indústria de jingles, e nos anos 1980, foi contratado pela TV Globo para criar vinhetas e temas musicais, inclusive o “Tema da Vitória”.
Uma só voz, uma canção… e um piano
Quatro anos depois, uma reunião e uma cartolina mudariam sua vida. “Roberto Medina queria fazer um festival de música no estilo do Woodstock. Não apenas por levar artistas nacionais e internacionais, mas com o objetivo de que as pessoas pudessem passar quatro dias em um local cantando e vibrando na mesma frequência. Bem naquele estilo paz e amor. Ele só tinha um papel para me mostrar um desenho da onde ficaria o palco e o bar”. O desejo de Medina o contagiou. Agora, ele tinha uma missão: transformar aquele sonho em música.
A trilha pedia emoção e, bom, foi exatamente assim que o tema do Rock in Rio nasceu. “Eu fiquei cerca de um mês trabalhando na faixa, mas só fiquei satisfeito com a versão que compus, e que Nelson Wellington escreveu, na véspera de apresentar para o Medina, e gravar uma música, naquela época, levaria pelo menos um dia inteiro”, conta. Antes de plugins e muito menos de músicas geradas por IA, a solução oferecida pelo empresário foi que Eduardo apresentasse a música ao vivo, tocando no piano que ele havia comprado para o lendário show de Frank Sinatra no Maracanã, em 1980. Segundo Medina, o instrumento estava “encostado em um elevador de carga”. Apesar do nervosismo, o compositor o fez, e capturou a atenção de todos ali presentes. A premonição estava traçada, e a partir daquele momento, a canção nunca mais parou de ecoar.
38 anos depois, a faixa, que acompanha a queima de fogos que acontece durante o festival, não falha em fazer arrepiar todos ali presentes. Desde apaixonados por música que estiveram presentes nas primeiras edições do evento, até fãs de primeira viagem. “Ver os jovens de hoje cantando o tema do Rock in Rio me deixa profundamente emocionado. Tem uma cena que, para mim, é muito emblemática, que foi quando o Rogério Flausino, do Jota Quest, sem acompanhamento, chegou para o público, e começou a cantar a música. Quando a câmera mostrou os rostos na plateia, todos eram predominantemente de jovens cantando a letra inteira, era impressionante. Tudo isso… não tem preço que pague”, conta.
‘Isso é The Town’
O rock deixou de ser apenas no Rio há alguns anos, com o evento se expandindo internacionalmente, e ganhando ediçãos em Lisboa, Portugal, em Las Vegas, nos Estados Unidos, e em Madrid, na Espanha. Mas é em 2023 que o festival apresenta para o mundo, pela primeira vez, o seu irmão paulistano: o The Town.
Com um investimento milionário, cinco palcos, cinco dias de evento, uma revitalização no Autódromo de Interlagos, e o maior cachê já pago por Medina para ter Bruno Mars por duas noites no festival, as expectativas são altas para a estreia que promete parar São Paulo nos primeiros dias de setembro.
Assim como aconteceu em 1984, o projeto do empresário não poderia se tornar realidade sem uma música que embalasse o novo empreendimento. E, novamente, os créditos dessa trilha tinham que ser de Eduardo Souto Neto. Só que, agora, aquele sonho não era um espelho do fenômeno dos festivais de música pelo mundo, como foi com Woodstock, e sim, uma manifestação de que o futuro da música e do entretenimento poderiam ter esperança de que, um dia, poderíamos estar juntos novamente se emocionando.
Isso porque foi em 2021, durante a pandemia, que Eduardo conta que estava recluso em seu sítio em Teresópolis, no Rio de Janeiro, quando Medina, que também estava em uma região próxima, o telefonou para contar que havia fechado um acordo com a Prefeitura de São Paulo para a realização do The Town. Como referência para o tema que ele queria para o festival, o empresário enviou uma música em oito compassos, com um rapper e uma cantora alternando versos. O compositor conta que tentou reproduzir as características, mas com uma concepção harmônica diferente, para adicionar emoção. No entanto, ele não estava convencido.
“Depois de idas e vindas, Medina falou, ‘Quer saber? Esquece tudo isso. Se a música tiver um refrão daqueles que ficam na cabeça para sempre, faz do jeito que você acha que tem que ser’. Aquilo me libertou, agora a luz já estava mais visível no fim do túnel [risos]”, conta. Uma semana depois a música estava pronta, com a letra assinada por Gabriel Costa. Uma curiosidade é que, originalmente, a composição era em inglês, depois, veio a versão em português, que já pode ser escutada na íntegra na voz de IZA, atração do palco Skyline.
A trilha por trás da trilha
Ok, já entendemos sobre os processos criativos por trás dos temas dos festivais feitos por Eduardo. Mas existem alguns aspectos técnicos que ainda provocam curiosidades em muitas pessoas até hoje. O primeiro deles sendo a respeito de como funcionam os direitos autorais dessas produções em termos financeiros. Uma resposta que, bem, vai continuar em aberto, já que o músico afirma não poder dar essas informações por conta de sigilos contratuais.
No entanto, uma outra dúvida foi devidamente solucionada: as trilhas feitas para os eventos são consideradas jingles ou músicas? O maestro dá a letra. “O tema do Rock in Rio é um jingle, assim como o do The Town. Você faz uma peça lítero musical dentro das condições solicitadas pelo briefing do cliente, ou seja, do gênero musical que eles querem. Na letra, para o Rock in Rio, foi algo mais amplo. Mas, geralmente, é necessário falar algumas palavras-chave, isso para qualquer tipo de produto. É um jingle com uma duração e algumas características próximas de uma música, mas não deixa de ser um jingle, que é feito para passar a emoção para as pessoas”.
Emoção. Essa palavra, de certa forma, acaba com uma terceira grande questão: o que é preciso para criar uma trilha de sucesso, segundo Eduardo? Ele afirma que, na verdade, não conhece nenhum segredo para criar uma música memorável. Inclusive, acha até que não existe. Para ele, ela nasce naturalmente quando vai para o piano e o teclado, e começa a tentar criar algo segundo o gênero solicitado.
“Em um belo dia, tocando despretensiosamente, vem aquele sorriso no rosto. Mexeu comigo aquilo que eu acabei de tocar. Se eu não estou emocionado, como eu vou emocionar os outros? Quando escritores consagrados vão escrever algo, eles não escrevem um best-seller, escrevem livros que podem se tornar ou não grandes sucessos. Também é assim com compositores. A gente acha que uma canção vai ser sucesso, e não acontece, ou só se torna um hit dez anos depois. A emoção não tem fórmula”, diz.
É verdade. Afinal, quem sabe de fato o que será sentido quando o público ouvir pela primeira vez o tema do The Town no dia 2 de setembro? Arrepios, olhos arregalados com os possíveis fogos que irão acompanhar a execução da faixa, inúmeros stories capturando o momento são boas sugestões. Mas a verdade é que é impossível calcular a emoção ao ser atravessado por uma música feita de um coração para o de milhares. E que sorte a nossa de poder celebrar esse poder juntos novamente.