Atrações do C6 Fest, Cat Power e Pavement mostram como envelhecer com dignidade
Grandes nomes do indie rock se apresentaram nesta domingo (19)
Em sua descrição num aplicativo de karaokê, meu finado pai afirmava que a música “é imortal e não tem idade”. E o que parece uma platitude, e talvez até seja, foi algo que eu aprendi desde cedo, em casa, ouvindo de Beatles a Roberto Carlos, de Leno e Lilian a Jorge Ben. Em tempos tão novidadeiros, em que a rotatividade do streaming obriga os artistas a lançarem single atrás de single para se manterem relevantes ou ao menos interessante para o público jovem, tem algo de muito bonito em ver “música velha” ser reverenciada. E o que se viu no C6 Fest neste domingo, em São Paulo, foi uma ode a essa tal música que não tem idade e jamais morrerá.
Primeiro no show de Cat Power, que voltou ao Brasil depois de shows controversos em outra fase da vida e da carreira. Nos anos 1990 e 2000, Chan Marshall fez fama em cima de tristes canções indies e covers sofridas como “Sea of Love”, sucesso estrondoso de 1959 composto e gravado por Phil Phillips como um r&b, ganhando a alcunha de Queen of Sadcore, algo como Rainha da Música Triste.
Mas ali, no palco, o que se viu foi uma Chan, uma mulher de 52 anos, leve, feliz e apaixonada. Pela vida, pela serenidade encontrada com a sobriedade e pela música de Bob Dylan. Sua apresentação foi calcada no repertório do álbum “Cat Power Sings Dylan” que, por sua vez, recriou o lendário show do bardo no “Royal Albert Hall” (entre aspas, visto que não foi de fato gravado lá) em 1966 com uma banda espetacular.
Entre “It’s All Over Now Baby Blue” e “Mr. Tambourine Man” em interpretações elegantes, que mesclavam perfeitamente seu estilo de cantar com o de Dylan, ambos tão característicos, Cat Power se derretia em elogios ao Brasil e ao público, como se nós, que lotamos aquela tenda, estivéssemos dando a ela um presente e não o contrário. O público, formado em sua maioria por pessoas mais velhas, que não se vê em todo festival por aí, retribuía ao ouvir tantos clássicos, como numa comunhão.
Na sequência, o Pavement subiu ao palco homenageando a produtora mineira Fernanda Azevedo, morta na quinta-feira, aos 47 anos. Fã de Stephen Malkmus e militante da música independente desde que tudo era mato, Fer estava a caminho de São Paulo ver mais um show de sua banda preferida quando foi encontrada sem vida em casa, em Belo Horizonte. Na plateia, amigos, conhecidos e admiradores se abraçavam e comemoravam estar juntos –estarmos vivos depois de uma pandemia, afinal, é digno de celebração.
Em um setlist curto, mas extremamente certeiro, os tiozinhos californianos enfileiraram sucessos dos primórdios do indie rock, como “Gold Soundz” e “Stereo”, arrancando sorrisos incrédulos e lágrimas furtivas até do mais estoico dos marmanjos. a maioria ali já não tinha fartos cabelos como o vocalista e guitarrista Stephen Malkmus, de 57 anos, agora totalmente grisalhos. Mas o amor por aquelas canções que embalaram juventudes em inferninhos insalubres Brasil afora seguia firme e forte.
Em cima do palco adornado pelas artes do artista cearense Leonilson (1957-1993), a banda, que já se dissolveu e voltou à ativa um par de vezes (e jura que este foi seu último show), mostrou que as músicas das quais a gente gostava na juventude já não necessariamente significam a mesma coisa. Certamente o desejo por “settle down” cantado no hino “Range Life” já ganhou outras camadas para cada um dos presentes, mas nada ali soava datado ou fora do tom. Contrariando Neil Young (e Kurt Cobain por tabela), o que se viu na tenda do C6 Fest é que queimar de vez ou desaparecer aos poucos não são as únicas alternativas.
Numa noite de 2024, dois grandes nomes dos anos 1990 subiram ao palco para tocar músicas de outros tempos e mostraram que é possível seguir seu caminho, encontrar a paz na maturidade e envelhecer dignamente, com orgulho de cada ruga conquistada.