ANÁLISE: Ataques virtuais e preconceito: a luta de Ludmilla na era da desinformação
Artista precisa lidar com questionamentos e cancelamento. Por quê?
Nos últimos anos, as redes sociais se tornaram um campo de batalha cruel para muitos artistas. Um dos casos mais emblemáticos é o de Ludmilla, que constantemente é alvo de uma série de ataques coordenados por qualquer movimento que faça em sua vida pessoal ou na carreira. O mais recente episódio trata-se da difícil decisão de cancelar a “Ludmilla in the House Tour”, que celebraria seus 10 anos de carreira. Imediatamente o nome da artista foi parar nos trending topics sob as mais variadas alegações. Um cenário em que o exercício do pensamento crítico e a busca por fontes confiáveis não são prioridade para a maioria.
Com um Grammy Latino (na categoria “Melhor Álbum de Samba/Pagode” pelo “Numanice #2“), grandes marcas aliadas, sempre entregando um dos melhores shows nacionais em festivais como Rock in Rio e The Town, batendo sold out em diversos estádios e grandes arenas e até cruzeiros marítimos, Ludmilla navega confortavelmente como uma das artistas afro-latinas mais ouvidas da América do Sul, segundo dados do Spotify, e acaba de escrever seu nome na história como a primeira artista preta brasileira a se apresentar no palco principal do festival californiano Coachella.
Além de sua representatividade no pop e no funk, Ludmilla redefiniu o papel das mulheres no pagode com o sucesso do projeto “Numanice”. O terceiro e mais recente volume, lançado em fevereiro, já ultrapassou 350 milhões de streams. Os cinco álbuns do projeto (entre álbuns de estúdio e ao vivo) já acumulam mais de 3,5 bilhões de streams. Mais de 330 mil pessoas já vivenciaram a experiência do “Numanice”. Somente em 2023, a turnê contou com 15 shows esgotados em 11 capitais e teve sua primeira edição do Navio Numanice. Além disso, tem inspirado uma nova geração de artistas femininas a reivindicar seu espaço neste gênero musical predominantemente masculino.
E ainda assim precisa lidar frequentemente com questionamentos que, na maioria das vezes, são infundados. Por quê?
Nas últimas semanas, o volume de mensagens de ódio aumentou exponencialmente em suas postagens, vídeos e fotos, afetando sua integridade como ser humano. Tais ataques dirigidos a Ludmilla, baseados em preconceitos de gênero, raça e classe social, não são um fenômeno isolado. Pois a cantora é vista como “alvo fácil” para aqueles que se escondem atrás do anonimato das redes sociais. Perpetuam estereótipos prejudiciais e contribuem para a cultura de cancelamento, onde a intolerância e o linchamento virtual substituem o diálogo construtivo.
Um dos pontos mais preocupantes é a frequente desumanização da artista. Nos últimos dias viralizou um vídeo onde um entregador de aplicativo reclamava de uma atitude da cantora, alegando ter sido ignorado e se recusado a pegar a encomenda. O episódio, ocorrido em 21 de março, foi prontamente desmentido por Brunna Gonçalves, esposa de Ludmilla, que conseguiu provar através do registro das câmeras que a cantora entrou em casa sem ter tido qualquer contato com o motoboy.
Basta uma simples pesquisa no Google para acharmos recorrentes episódios em que Ludmilla é atacada por qualquer ação. Em 2023, um apresentador de TV foi condenado à prisão em regime aberto por ter chamado a cantora de ‘macaca’ em um programa. Em fevereiro deste ano, ao participar do Prêmio Lo Nuestro, em Miami, o fato de ter ficado levemente desconfortável ao falar em espanhol gerou uma enxurrada de críticas.
Grupos coordenados não lhe dão brecha nem mesmo no Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro. No último ano, a cantora precisou rebater um deputado estadual que a ofendeu apenas por ter sido escolhida para receber a Medalha Tiradentes, uma honraria concedida pela Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro). Na ocasião, Ludmilla classificou o episódio como “um dos piores casos de racismo que sofreu na vida”.
No entanto, Ludmilla não tem se deixado abater por esses ataques e usa sua plataforma para levantar questões importantes, como o combate ao racismo, à homofobia e à misoginia. Além disso, tem sido uma voz ativa na luta contra o cyberbullying e na promoção da empatia e do respeito nas redes sociais.
*Jornalista com 13 anos de experiência, Daiv Santos acumula passagens como redator, editor e editor-chefe em veículos de cultura pop. Escreve, vive e sente o universo vibrante da música.