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Funknejo: o gênero que une Anitta, ‘Dentro Da Hilux’ e um tal de Jack Matador

Funknejo: o gênero que une Anitta, ‘Dentro Da Hilux’ e um tal de Jack Matador

Só mesmo o funk para lançar um quadradinho em um cenário faroeste

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A voz de Luan Pereira que rasga a canção “Dentro Da Hilux” ao lado dos versos de MC Daniel Ryan SP pode parecer um movimento ousado, uma mistura dos novos tempos, mas não. A faixa, considerada um agrofunk, que completa mais uma semana no Billboard Brasil Hot 100, é a mais recente filha de uma fusão que tem a cara do Brasil.

Em 1969, em seu disco de estreia, a dupla sertaneja Léo Canhoto e Robertinho lançava um de seus maiores sucessos (e um clássico do sertanejo), “Jack, O Matador”. A canção era introduzida e intercalada por diálogos, típicos de filmes de bangue-bangue e rádio-novelas, entre o famoso bandido Jack e suas vítimas. Ele brigava, batia, o povo corria, era um terror.

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Vale um adendo: em 1962, no Rio de Janeiro, o sambista Moreira da Silva lançava o samba-de-breque “O Rei Do Gatilho”, no qual Kid Morengueira era o pistoleiro criado por Miguel Gustavo, “atualizando” para o velho oeste norte-americano as tradicionais letras em que malandros cariocas valentões resolviam seus conflitos com a navalha, nos botequins cariocas.

Ou seja: já havia, ali, uma interpolação temática que unia as vozes paulistanas e cariocas. Por isso, não é de se surpreender que o funk tenha, em algum momento, cooptado a fórmula. Mas a primeira amostra viria apenas 21 anos após o lançamento de “Jack, O Matador”.

Mandou me chamar?

Foi em 1994 que os fãs de funk viram nascer um hit no LP da equipe Pipo’s, “O Encontro Das Massas 2”. Pelo nome fica difícil de saber, mas “Contexto 1” e “Contexto 2” são as faixas que levaram massivamente o matador Jack ao insconsciente coletivo do funk. Você pode escutar ambas no player abaixo as montagens feitas pelo DJ Mamut:

No entanto, três anos antes, uma montagem um pouco menos famosa é que inauguraria, de fato, a conexão entre funk e sertanejo. Bolada pelo lendário DJ Cuca, “Melô Do Valentão” entregava, no título e na música, o que aqui estamos falando:

Mais ainda: em 1988, o rapper Ndee Naldinho, que assinava como “Ndee Rap”, lançou “Melô da Lagartixa”, no pioneiro LP de rap “O Som Das Ruas”, produção da equipe Chic Show lançada pela Epi e SonS. Adivinha quem tava lá? Sim, o Jack.

Mas, voltando ao funk, as histórias de Léo Canhoto e Robertinho não pararam de ser usadas. “Montagem Chumbo Quente”, por exemplo, foi outra que tocou muito no Rio de Janeiro, embalando sonhos western-carioca. Nesse embalo, viriam muitas outras como “Jack Está De Volta”, da Pipo’s; “Jack De Olho Em Você”, da equipe Espião; “Jack Morreu Mesmo”, da equipe Live; “A Morte Do Jack Matador”, da equipe Explosão; “Montagem Da Morte Do Jack II”, da equipe Duda’s e a “Montagem Do Gaiteiro”, feita pelo Adriano DJ, da equipe Live.

Em entrevista ao jornal “Extra”, o DJ Mamut, em 2016 (seis anos antes de sua morte), deu a deixa de que, nessa época, não só o sertanejo foi muito usado, como também o forró de Luiz Gonzaga como em “Ê Boi” — e que levaria a sanfona pela primeira vez ao funk, muito antes de um certo quadradinho sacudir ao som dela:

A ‘sanfoninha’ da Anitta

“Gaiteiro, toca um negócio aí”. Enquanto você lê esse pedido, possível que esteja imaginando-se já nos passos da famosa “Movimento Da Sanfoninha”, de 2014, um dos momentos auge da perfomance de Anitta — cujos movimentos a cantora repete até hoje em sua tentativa de assumir-se como embaixadora do funk no Brasil e na gringa.

Fato é que a “sanfoninha” não é uma sanfona: Anitta sampleia “Gaiteiro 96”, do DJ Marlboro e DJ Pepe que, por sua vez, sampleia isso aqui (também da dupla Léo Canhoto e Robertinho):

Dois gêneros que adoram misturar

Se engana quem pensa que é só o funk que adora puxar uns samples para sua brasa. Em entrevista ao jornal “O Globo” em 2012, o pesquisador Paulo Luna expõe como logo no início dos registros sertanejos já havia a incorporação de novas influências.

“A música caipira é gravada pela primeira vez em 1929, pelo pesquisador Cornélio Pires. Já na década de 1930 ela começa a sofrer transformações, ao fazer contatos com outros gêneros e temas da cidade começam a ser incorporados, como em “O divórcio vem aí”, dos próprios Alvarenga e Ranchinho. Na década de 1940, um grupo de músicos faz uma viagem ao Paraguai e começa a incorporar a guarânia, o rasqueado”.

Depois disso, ainda seriam incorporados ritmos como o bolero (na canção “Boneca cobiçada”, por exemplo, onde marca-se a mudança do nome, de música caipira para sertaneja), a fusão com a Jovem Guarda, a canção romântica e, por fim, o chamado sertanejo universitário no começo dos anos 2010 que, de vez, deixou claro que o interior virou cidade.

E, pergunto a você, qual é a principal diversão musical em uma cidade? A balada. Naturalmente, fãs de sertanejo e de funk se encontrariam em algum lugar do tempo e espaço.

‘Dentro Da Hilux’

O hit que abre esse texto, por exemplo, é o maior expoente do agrofunk (outrora conhecido como funknejo) atualmente. Se anos atrás, o estilo limitava-se a um show ao vivo sertanejo com um “feat” de algum MC, “Dentro Da Hilux” mostra que estamos falando muito mais de um novo entendimento de mercado do que, simplesmente, uma participação em uma faixa.

Como o clipe já ensina, todos os elementos se encontram ali. Mas não só os carros, as bebidas e a farra em geral. Mas, sim, os maiores hitmakers do funk brasileiro (Ryan SP e MC Daniel) e o sertanejo Luan Pereira. O cantor, aliás, já havia descrito a emoção sexual tunada em “Ela Pirou Na Dodge Ram”, comprovando que, além de Jack Matador, gaita, sanfona, Anitta e fome de interpolação, ambos os gêneros gostam mesmo é de um morder os lábios enquanto fantasia sexo, carros e música pop.

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