11 lições essenciais para iniciar uma carreira sustentável na música brasileira
Especialista dá dicas para uma trajetória longeva


*Por Alexandre Rebouças
Com a profissionalização do mercado da música crescendo no Brasil, artistas de todos os gêneros e regiões têm buscado novas formas de estruturar suas carreiras, entender o ecossistema da indústria e garantir renda a longo prazo. Meu nome é Alexandre Azeredo, sou especialista em gestão de carreira e negócios da música e venho compartilhar neste artigo os 10 fundamentos indispensáveis para quem deseja construir uma carreira sólida e sustentável.
O cenário musical brasileiro vive um momento de transformação. Segundo o Relatório da Indústria Global de Música, o país é o 9º maior mercado de música gravada do mundo, com um crescimento de 21,7% em 2024, faturando aproximadamente 3,4 bilhões de reais. No entanto, para aproveitar essas oportunidades, é preciso mais do que talento: é necessário estratégia, conhecimento e resiliência.
1. Entenda o Negócio da Música
A música não é apenas arte; é também um ecossistema complexo de negócios. Para se destacar, é essencial compreender os principais atores e suas funções:
ARTISTAS: Os artistas no campo da música normalmente são divididos entre compositores e intérpretes, com base no tipo de proteção jurídica que eles terão no Direito brasileiro (Direito Autoral e Direitos Conexos).
ESTÚDIOS: muitos artistas gravam suas músicas de forma independente e em estúdios locais. Esses estúdios funcionam de forma mais ou menos formalizada, prestando serviços de locação do espaço para ensaio e para gravações.
PRODUTOR FONOGRÁFICO: É o responsável pela gravação, mixagem e masterização dos fonogramas. O produtor fonográfico é o titular originário dos direitos conexos sobre essas gravações, ou seja, é ele que pode explorar e aproveitar economicamente este ativo.
GRAVADORAS: São empresas focadas na exploração do segmento de gravação e exploração de fonogramas. Muitas vezes, estas fecham acordos de exclusividade com artistas para assegurar o retorno de seus investimentos na carreira e produção das gravações.
EDITORAS: As editoras são empresas especializadas na administração dos direitos autorais dos artistas, negociando a utilização das obras musicais no mercado e fazendo o devido recolhimento e repasse a cada titular.
SELOS: No Brasil, o termo “selo” ou “selo musical” é utilizado de forma não muito uniforme, podendo indicar empresas que atuam como gravadoras, editoras, administradoras de fonogramas e até agentes musicais da carreira dos artistas.
DISTRIBUIDORAS DIGITAIS: São empresas que atuam na inserção dos fonogramas nas plataformas digitais, bem como no recolhimento, gestão e repasse das retribuições pagas por estes serviços aos titulares de direitos autorais e conexos.
ASSOCIAÇÕES DE GESTÃO COLETIVA DE DIREITOS E O ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÕES E DISTRIBUIÇÃO (ECAD): O ECAD é uma associação privada sem fins lucrativos que tem como objetivo atuar no recolhimento e distribuição das retribuições de direitos autorais e conexos pagos por aqueles que fazem a comunicação pública de obras musicais e fonogramas. O ECAD é formado por diversas associações, que por sua vez são integradas por diversos agentes do campo da música.
DIGITAL SERVICE PROVIDERS (DSPS) OU PLATAFORMAS DIGITAIS: São as empresas que exploram as obras musicais e fonogramas nos meios digitais. Basicamente, há dois modelos de negócio: o fornecimento via download (como iTunes e Amazon) e a transmissão via streaming (como Spotify, Apple Music, Deezer e Tidal).
Caso emblemático: Emicida, um dos maiores nomes do hip-hop brasileiro, começou sua carreira de forma independente, gravando suas próprias músicas e distribuindo mixtapes. Hoje, ele é dono do selo Laboratório Fantasma e uma referência para artistas que buscam independência e controle sobre suas obras.
2. Proteja Suas Obras
Seus direitos autorais são seu maior patrimônio como artista. No Brasil, as obras e fonogramas já são protegidas pelo Direito Autoral desde a sua criação, no entanto o registro pode ser muito útil em caso de uma eventual disputa judicial.
É possível registrar suas composições na Biblioteca Nacional ou em associações como a UBC (União Brasileira de Compositores) e a ABRAMUS (Associação Brasileira de Música e Artes). Além disso, filiar-se ao ECAD é fundamental para receber royalties pela execução pública das suas músicas.
Um bom exemplo disso é o Tim Maia, um dos maiores ícones da música brasileira, criou sua própria editora, a Seroma, para administrar seus direitos autorais. Sua visão de negócios garantiu que ele recebesse o que era justo e construísse uma carreira longeva.
3. Diversifique suas Fontes de Renda
Enquanto o streaming representa uma parte relevante da receita, shows e produtos físicos seguem sendo decisivos para a sustentabilidade de muitos artistas. Além disso, licenciamento de músicas para filmes, publicidade e jogos, bem como a venda de merchandising, são oportunidades valiosas para aumentar a renda.
Dado relevante: Durante a pandemia, artistas que diversificaram suas fontes de renda — como aulas online e vendas de produtos — conseguiram se manter financeiramente.
Referência: Liniker, além de shows e streaming, licenciou suas músicas para séries e filmes e também investiu em merchandising, criando produtos que refletem sua identidade artística.
4. Networking: A Arte de Construir Relacionamentos
O networking é hoje uma das principais estratégias de crescimento na cena brasileira. Colaborações entre artistas independentes têm ganhado força nos bastidores e virado hits. Participar de eventos, conectar-se com produtores e usar as redes sociais para ampliar sua rede de contatos são práticas essenciais.
Exemplo: Anitta é um caso clássico de networking bem-sucedido. Suas colaborações com artistas internacionais, como Madonna e J Balvin, e a produção de eventos como o Anitta Fest são resultado de uma rede de contatos bem construída.
5. Planejamento Financeiro: A Base de Tudo
A gestão financeira é crucial para qualquer artista. Formalizar sua carreira como MEI, controlar gastos e investir em um contador são práticas que podem evitar problemas futuros.
Dado relevante: Segundo o Sebrae, mais de 70% dos artistas independentes enfrentam dificuldades financeiras por falta de planejamento.
Caso emblemático: Rita Lee, além de sua genialidade musical, era uma administradora nata. Ela investiu em imóveis e outros negócios, garantindo uma renda estável mesmo em momentos de menor atividade musical.
6. Aprenda sobre Contratos
Contratos são parte fundamental do mercado da música. Para evitar problemas, é essencial ler com atenção, consultar um advogado especializado e negociar termos que protejam seus direitos.
Referência: Marisa Monte é um exemplo de artista que sempre priorizou a independência e o controle sobre sua obra. Ela fundou a gravadora Phonomotor Records, garantindo que seus direitos autorais fossem respeitados e que ela tivesse autonomia sobre suas decisões artísticas e financeiras. Sua carreira é um modelo de como a clareza contratual e a gestão profissional podem sustentar uma trajetória de sucesso.
7. Monte uma Estratégia de Carreira
Ter um plano claro é essencial para alcançar seus objetivos. Defina metas, crie uma linha do tempo de ações e acompanhe os resultados.
Um ótimo exemplo disso é: A cantora Ludmilla é um exemplo de estratégia bem-sucedida. Ela começou no funk, mas expandiu seu repertório para o pop e o R&B, conquistando um público diversificado. Ludmilla também investiu em parcerias internacionais, como a colaboração com o rapper Snoop Dogg. Sua capacidade de adaptação e visão de longo prazo são inspiradoras.
8. Use as Redes Sociais a Seu Favor
As redes sociais são ferramentas poderosas para divulgar seu trabalho e se conectar com fãs. Crie conteúdo autêntico, engaje seu público e utilize plataformas estratégicas como Instagram, TikTok e YouTube.
Na prática: Leo Santana é um mestre em usar as redes sociais para ampliar seu alcance. Ele frequentemente posta vídeos de bastidores, ensaios e interações descontraídas com fãs, criando uma conexão próxima com seu público. Além disso, ele usa o TikTok para promover seus lançamentos, como o hit Zona de Perigo, que viralizou com coreografias criadas por fãs..
9. Invista em Qualidade
A qualidade do seu trabalho é o que vai destacá-lo no mercado. Trabalhe com profissionais experientes, cuide da sua imagem visual e esteja sempre evoluindo.
Caso emblemático: Caetano Veloso sempre investiu na qualidade de seu trabalho, desde a produção de seus álbuns, artes, vídeos, fotos e, principalmente na escolha de seus parceiros musicais.
10. Seja Resiliente e Persistente
O mercado da música é desafiador, mas a persistência é a chave para o sucesso. Aprenda com os erros, mantenha-se motivado e celebre as pequenas vitórias.
Exemplo: A trajetória de Milton Nascimento é uma lição de resiliência. Ele enfrentou inúmeros desafios, desde a perda precoce de seus pais até a dificuldade de ser reconhecido no início da carreira. No entanto, Milton nunca desistiu, e hoje é um dos maiores nomes da música brasileira, com uma carreira que atravessa décadas.
11. Pra quem quer ir além
Para se aprofundar no assunto, recomendo a leitura do livro Negócios da Música: um guia descomplicado para artistas e bandas, escrito por mim e pelo advogado Nichollas Alem, onde contamos sobre 35 formas diferentes de ganhar dinheiro na música.
Mais do que talento, o que constrói uma carreira na música é conhecimento, visão estratégica e persistência. A jornada de cada artista é única, mas as bases para a profissionalização são comuns a todos. E dominar o lado artístico e o lado de negócios da música é o que torna essa caminhada possível — e próspera.
Sobre o Autor
Especialista em Gestão de Marcas (FGV) e Music Business (UCLA, Los Angeles), coordenou a turnê internacional da Mallu Magalhães e empresário do Fabio Brazza, onde atuou por 8 anos na gestão 360º e conquistou discos de ouro e platina.
Fundador da agência Sense, criou campanhas para Itaú, Nike e NBA, além de atuar como professor convidado na AIC e na B_arco. Em 2024, tornou-se sócio da agência de marketing digital Aumenta o Som, que atende nomes como Hermeto Pascoal e Itiberê Zwarg. Neste ano, lançou o livro “Negócios da Música”, em parceria com o doutor em Direito Nichollas Alem.