Capa do álbum 'As Pequenas Grandes Coisas', de Vitor Kley (Rodolfo Magalhães/divulgacão)
É verdade: o amadurecimento de um artista é percebido no seu trabalho e quase sempre sofre impacto das alegrias e dificuldades de sua vida pessoal. Mas apenas quando o artista topa compartilhar com o público. O cantor e compositor Vitor Kley topou.
Agora, o gaúcho decidiu ir além das canções good vibes e das dores dos amores em seu novo álbum “As Pequenas Grandes Coisas”, lançado nesta sexta-feira (25). Nas 11 faixas autorais, Vitor se arrisca na produção junto de um time de verdadeiros samurais: Paul Ralphes, Giba Moojen, Marcelo Camelo e Felipe Vassão.
Em entrevista por videochamada com a Billboard Brasil, Vitor explica como foi trabalhar com tantos processos criativos diferentes em canções que nasceram em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Portugal.
Além dos temas filosóficos nas mensagens de grande partes das músicas, é nítida a presença de uma ausência. Aos 66 anos, o pai de Vitor, o tênista Ivan Kley, morreu de tromboembolismo pulmonar no começo do mês de abril, poucos dias antes do lançamento de “As Pequenas Grandes Coisas”.
O cantor fala do seu pai de forma alegre como o “herói de olhos azuis” e presta homenagem por meio da música “Vai Por Mim”, junto do filósofo Clóvis de Barros Filho. Durante o papo, ele mostrou a simpatia e a energia de quem parece querer emprestar alegria para quem precisa. No entanto, quem tem alguém querido e próximo que enfrenta a depressão, como o cantor teve o próprio pai por muito tempo, sabe que não é possível transferir alegria.
Mesmo assim, os novos acordes do violão de aço de Kley, entre arranjos caprichados de cordas e ritmos dançantes, se jogam na missão de convidar à felicidade sem colocar nada para debaixo do tapete. Uma missão difícil e saborosa como a vida e a ousadia de um artista amadurecendo.
Leia a entrevista de Vitor Kley à Billboard Brasil
Em todos os seus trabalhos você compartilha o seu processo de criação. Isso é valioso para os fãs e também para outros músicos. Neste novo trabalho eu acompanhei a sua ‘ralação’ para chegar no resultado final das canções. Pensando nesse processo, qual é o seu sentimento com relação ao novo álbum, Vitor?
Eu tô muito empolgado, cara. Eu costumo dizer que “As Pequenas Grandes Coisas” é o trabalho que mais tenho certeza na minha carreira. Nos outros trabalhos sempre teve alguma pequena dúvida sobre arranjos, jeito da composição, até a minha forma de cantar entre drivers, falsetes, floreios.
Neste novo álbum, eu escuto e falo: “Putz! Tá tudo aí, tá tudo aí”. Tem música pop, um pé na música latina meio Jorge Drexler, canções no mood anos 60, 70, Fleetwood Mac e profundezas do meu coração como a canção “Vai por Mim”, que eu escrevi para o meu pai. Então, eu acho que eu consegui.
Cheguei a pensar como poderia ou não abordar a inspiração do seu pai no trabalho por ele ter falecido recentemente.
Tranquilo! Obrigado pela preocupação. Como o meu pai dizia, a vida é para frente, né? Tem muito dele em mim e no meu irmão [o também empresário de Vitor, Bruno Kley]. Desde o princípio da carreira a gente aprendeu com o pai que devemos levar o trabalho na base do profissionalismo.
O pai era conhecido como o jogador de tênis que não entregava nenhum ponto. Ele podia jogar com o número um do mundo na quadra central de Roland Garros e ele dizia: “vou dar a minha vida aqui”.
A música “Vai Por Mim” é uma homenagem ao seu pai?
Sim. A gente já teve oportunidade de fazer homenagem para ele em vida. “Vai Por Mim” é uma mensagem especial para a depressão que o meu pai enfrentou e por tudo que eu vi ele viver. Eu acreditava que ele ia estar aqui para ver ela ao vivo até no show e tudo mais, mas de repente a vida quis que fosse de outra forma.
E é muito louco, Ale, porque eu fiquei preparando ela para estar tudo perfeito e mostrar para ele com a esperança de que fosse ser uma força para ele vencer a depressão. Só que chegou uma hora que a doença tomou tanta conta dele, que a nossa família começou a ficar com receio de mostrar e ter efeito contrário. A oportunidade que a minha família teve de mostrar foi no velório dele. Ali, as falas do Clóvis de Barros foram ainda mais impactante: “Nossa vida vale pela capacidade de amar e pela sorte de ser amado”. Eu tive a nítida impressão ali de que essa música vai ajudar muita gente, sabe? O papel do meu pai na terra foi cumprido. É como se ele dissesse para mim: “Cara, estou junto nessa música, estou junto nessas falas, vamos ajudar um monte de gente e vai para frente filhão. Vamos por mais”.
Vitor Kley lança disco ‘As Pequenas Grandes Coisas’ (Rodolfo Magalhães/divulgacão)
Talvez por estereótipo e com alguma ciência envolvida, associam a cor azul à profundidade e também com a melancolia. O azul do blues. Usam o azul para a personagem Tristeza de “Divertidamente”…
(Risos gerais)
No entanto, apesar de todas as reflexões que o álbum “As Pequenas Grandes Coisas” propõe, não é um trabalho triste. Há uma coesão de canções dançantes, inclusive. Você poderia explicar o uso da cor azul como símbolo do álbum?
Olha que loucura! Alê, eu fico feliz com essa tua percepção porque é uma percepção que eu não tinha parado para pensar. Até falando de “Divertidamente”, é um filme que eu amo.
O azul é a continuação do arco-íris. Então, o roxo é a primeira cor do arco-íris, das sete cores. E depois tem os tons de azul. A sequência do arco-íris é que faz a caminhada da bolha para as pequenas grandes coisas.
A cor começou a ficar muito clara na minha cabeça quando eu me mudei para o interior. Lá eu tenho uma vista do céu azul e, cara, assim, as tantas vezes que eu fiquei namorando aquele céu azul… eu olhava aquilo e falava: “Cara, isso aqui é infinito”
Nesse sentido o azul me chama uma coisa leve e ao mesmo tempo grandiosa. Mas, cara, analisando por esse lado do blues, eu achei muito interessante essa tua leitura, porque eu sou muito apegado a isso. Stevie Ray Vaughan, Chuck Berry. B.B. King, o próprio John Mayer. Em “Segredos” eu quis fazer uma brisa de guitarra no fim, até para puxar um pouco disso, dessa coisa que eu amo. Ali fica um solo de guitarra em reverso junto de um duelo de guitarra com um reverb bem longo. Eu amo esse estilo.
Vitor Kley em entrevista à Billboard Brasil
Quais influências musicais as pessoas nem imaginam que fez a tua cabeça durante a criação deste trabalho?
Jorge Drexler e o Uruguai. Nossa, sou muito fã dele. Das coisas mais orquestrais e também das coisas mais pop. Inclusive, a música “Tocarte”, que ele fez com o C. Tangana, que me levou a ouvir o C. Tangana também.
Agora, nos últimos tempos, tenho escutado muito Ca7riel & Paco Amoroso, Trueno. A turma da Argentina.
Eu tenho a impressão que “As Pequenas Grandes Coisas” marcam um pouco o início de mais presença da música latina no meu som.
Além disso, sou apaixonado por música brasileira, eu amo Cartola, por exemplo, uma coisa que as pessoas nem imaginavam, eu amo Jorge Benjor, Tim Maia, Jorge Ben eGilberto Gil.
Além das referências que eu sempre cito como Fleetwood Mac, The War on Drugs, Natiruts,Armandinho,John Mayer, o que anda fazendo muito a minha cabeca é O Terno. Cara, o Tim Bernardes é foda.
Depois de participar do “Show dos Famosos”, a influência latina pode trazer um Vitor Kley mais dançante?
Nossa senhora, eu acho muito legal. O show dos famosos abriu um leque que eu não imaginava. Os diretores do programa, inclusive, me chamaram no canto para falar: “Vitor, existe muita coisa aí dentro que não está sendo explorada. E, cara, explora isso na tua carreira. Nas músicas “Carta Marcada”, “Tudo de Bom” ou “Moça”, dá para chamar a garota no balanço e para os passinhos. Aprendi no trabalho com a “Bolha” que posso ser denso sem deixar o balanço.
Mesmo com o DNA do cara que toca o violão de aço
Ah, sim. Eu nunca vou largar. Eu toco com violão nylon em “Carta Marcada” e outros instrumentos. Mas cara, realmente eu me identifico muito com o violão com cordas de aço e o público também.
É um álbum com muitos produtores, além da sua estreia produzindo trabalho autoral. Por que essa escolha?
Eu me joguei na produção porque parei de me sabotar, sabe? Eu já assinei a produção da Mariana Nolasco e outras pessoas, mas nunca tinha feito as minhas coisas. E aí de repente vem o Paul Ralphes e diz: “Vitor, essas prévia aqui que tu está me mostrando, cara, isso aqui está pronto. Tem que assinar essa produção. É justo tu assinar. Confia”.
E trabalhar como o Paul, o Giba Moojen, o Marcelo Camelo e Felipe Vassão foi pensando nessa ideia de explorar a diversidade de ideias e sentimentos.
O Camelo ama os arranjos de cordas orquestrais e de sopros. O Vassão é um produtor super livre, que incentiva a criatividade: “Vitor senta no piano e toca tipo pianinho antigo menos afinado. Vamos pegar isso, transformar aquilo”. O Giba é cara super preocupado em manter a minha essência. E o Paul foi o o produtor de mais faixas e diretor junto comigo. O molho do trabalho tem muito deles e por ter sido feito em muitos lugares.
Em “As Pequenas Grandes Coisas” realmente se encontra todas essas vertentes. Apareça na Billboard para uma jam de violões, Vitor. Obrigado pelo papo.
Foi um prazer, Ale. Eu estava muito empolgado para bater esse papo. Acordei cedão e tomei um baita café. Logo apareço para uma jam na Billboard. Eu adoro uma bagunça (risos).
Ouça o álbum completo “As Pequenas Grandes Coisas”, de Vitor Kley
Veja a lista completa do novo álbum de Vitor Kley
“Que Seja De Alegria” (Paul Ralphes, Giba Moojen, Vitor Kley)
“Carta Marcada” (Paul Ralphes, Vitor Kley)
“Uma Porrada De Problema” (Paul Ralphes, Vitor Kley)
“Quando É Pra Ser” (Paul Ralphes, Vitor Kley)
“Vai Ficar Bem” (Paul Ralphes, Vitor Kley)
“De Novo” (Paul Ralphes, Vitor Kley)
“Tudo De Bom (Ô Moça)” (Marcelo Camelo, Vitor Kley)
“A Gente Pode Sair Dessa” (Paul Ralphes, Vitor Kley)
“Segredos” (Paul Ralphes, Vitor Kley)
“Vai Por Mim” feat Clóvis De Barros (Marcelo Camelo, Vitor Kley)
“Arco-Íris” (Felipe Vassão, Vitor Kley)
Veja a letra em homenagem ao Ivan Kley, pai de Vitor Kley