“Meu amigo, você está entrando num mundo de dor.” A frase proferida pelo tresloucado Walter Sobchak (personagem do ator John Goodman na comédia “O Grande Lebowski”, de 1998) é o melhor conselho a se dar para quem se dispõe a escutar Slipknot. O noneto norte-americano, surgido em 1995 na cidade de Des Moines, no estado de Iowa, notabilizou-se pela combinação das vertentes mais pesadas do rock e da música eletrônica com letras, digamos, peculiares. Morte, mutilação, necrofilia, revolta e destruição são assuntos recorrentes no repertório do conjunto.
“A gente tem de se amar muito para conseguir tocar em temas tão pesados”, diz Shawn Crahan, que no palco assume a persona The Clown, ou seja, O Palhaço (sim, o uso de máscaras dá um tom ainda mais macabro a essa mistura).
O Slipknot tem um exército de fãs ardorosos no mundo inteiro. “Mas vocês, brasileiros, estão entre os mais insanos deles”, elogia Crahan. A adoração é tanta que eles trouxeram seu festival, Knotfest, ao país. A segunda edição acontece nos dias 19 e 20 de outubro, no Allianz Parque, em São Paulo. O grupo toca em ambas as datas, ladeado por outras autoridades do rock pesado, como P.O.D., Meshuggah, Mudvayne e Amon Amarth, além dos brasileiros Krisiun, Ratos de Porão, Korzus, Black Pantera e Ego Kill Talent, entre muitos outros.
As apresentações do conjunto no país terão ainda um sabor brasileiro. Elas marcam a primeira performance do baterista Eloy Casagrande como integrante do Slipknot por aqui. Ex-Sepultura, ele foi alvo de uma polêmica entre os fãs de ambas as bandas por ter largado o grupo mineiro às vésperas do início de sua turnê de despedida, nos primeiros meses de 2024, para integrar o combo norte-americano. “Eu não podia falar que estava sendo testado pelo Slipknot porque assinei um termo de confidencialidade”, justifica Casagrande. Os fãs do músico, contudo, comemoraram a contratação dele de modo efusivo –mais parecia que a seleção brasileira tinha ganhado a Copa do Mundo. “O Eloy é doido, cara. Respira música e pratica horas antes de a gente ensaiar”, diz Crahan.

O Slipknot surgiu da união de integrantes de várias bandas da cena de heavy metal em Des Moines. O núcleo principal era formado por Crahan, pelo baixista Paul Gray e pelo vocalista Anders Colsefini. O trio se encontrava num posto de gasolina onde Paul trabalhava para ensaiar exaustivamente. “Foi Paul quem me disse que a gente iria revolucionar a cena do heavy metal no mundo inteiro”, diz Crahan. “Eu não sabia o que significava isso, mas hoje tenho certeza da nossa importância para o gênero.” Pouco depois, o guitarrista Mick Thomson, que já havia se unido ao trio, trouxe o vocalista Corey Taylor. Paul e Anders não estão mais na banda. O baixista morreu em maio de 2010, vítima de uma overdose de morfina e fentanil. Ele tinha 38 anos. “Sinto falta dele, até hoje”, diz Crahan. Colsefini tinha pulado para a percussão com a chegada de Taylor. Mas, em 1997, pouco depois de o grupo ter soltado a sua primeira demo tape, ele anunciou sua saída. No mesmo período, o grupo recrutou o baterista Joey Jordison, um polvo do heavy metal –e Crahan foi para a percussão
O Slipknot foi incluído na categoria do nu metal, subgênero do rock pesado conhecido pela sonoridade densa e muitas vezes com adesão de batidas e DJs do universo do hip hop –no caso Sid Wilson, o #0, que arrisca até pancadões do drum’n’bass. O grupo admite carregar, entre suas influências, desde o blues pesado do Led Zeppelin até o thrash metal de Slayer e Metallica. E, claro, Sepultura. “Sei que o antigo baterista deles, Joey, tinha até carteirinha do nosso fã-clube”, diz Max Cavalera, fundador do grupo mineiro e hoje no Soulfly.
“Não somos como nenhuma banda de metal. Não somos como qualquer banda que usa máscaras. Para ser sincero, as nossas inspirações não importam. Não fomos nós que inventamos as máscaras e estamos separados do resto do rebanho do metal”, dispara Crahan. Ele não apenas criou o conceito visual do noneto como também bolou um apelido “carinhoso” para os admiradores do grupo. Eles são os maggots, ou seja, os vermes. O percussionista surgiu com essa definição depois de se deparar com um exército desses parasitas, saindo da barriga do corpo de um veado. “Os vermes, assim como os fãs de Slipknot, lidam com o pior de tudo. Mas, depois viram moscas, ganham asas e voltam àquele mesmo lugar para colocar um ovo.”
As moscas, na visão de Crahan, têm uma importância vital no desenvolvimento do Slipknot. “Você tem 14 anos e sente essa rebeldia em você. O mundo está lhe dizendo ‘não’. Você ouve a banda, e nós o ajudamos a ganhar confiança para dizer ‘sim’. Então, chega um dia em que você pode se casar, ter um filho, conseguir um emprego, qualquer coisa. O Slipknot não faz mais parte de sua vida cotidiana, mas você ainda nos ouve. Eu chamo os fãs de vermes porque eles criam asas e voltam. Se tivermos sorte, eles voltam com seus filhotes. Eu tenho duas, três gerações de vermes. É muito legal”, disse o percussionista para o jornal inglês “The Independent”.

O primeiro disco do Slipknot, de 1999, é tido pelos fãs como o melhor trabalho do grupo. É também o mais bem-sucedido: vendeu cerca de 1 milhão de unidades e entrou no número 51 dos charts da Billboard (o que, no universo do heavy metal, é um resultado bem expressivo). As boas vendas fizeram então que a Roadrunner, gravadora do conjunto, investisse no produto.
As letras, aliás… Tempos atrás, a revista “Loudwire” fez uma matéria sobre os versos mais perturbadores do Slipknot. Composta por dez canções, a lista tem momentos, digamos, fascinantes, como “Eu quero cortar sua garganta e fazer amor com o buraco”, de “Disasterpiece”, a “Eu enfio meus dedos no buraco dos meus olhos/ É a única coisa que pode me curar da dor”, presente em “Duality”.
Coincidência ou não, esse clima pesado acaba por atrair alguns sortilégios para o grupo. O baterista Joey Jordison, por exemplo, foi demitido em 2013. Embora os líderes do Slipknot tenham declarado que ele optou por sair, o instrumentista afirma ter sido demitido. Mais tarde, ele confessou que sofria de mielite transversa, doença neurológica que o impedia de tocar. Jordison morreu em 2021.
Corey Taylor, o vocalista, também tem lidado com os seus demônios pessoais. No início deste ano, ele admitiu sofrer de transtorno bipolar e cancelou a turnê solo que faria em 2024. “Quando comecei a me abrir sobre isso, a resposta foi extraordinária. As pessoas disseram: ‘Você me deu coragem para falar sobre isso e conversar com as pessoas com quem eu me importo sobre o que estava me afetando”, declarou ele para o podcast “The Void With Cristina”. “A maior coisa que as pessoas não entendem é o vazio que vem com isso, especialmente quando o lado físico atinge você e se torna aquele trabalho árduo, aquele trabalho quase impossível de apenas estar vivo ou ser humano. É algo que você simplesmente não consegue descrever para as pessoas, a menos que elas tenham vivenciado aquilo.”
O brasileiro Eloy Casagrande passa longe dos distúrbios pessoais e familiares característicos dos integrantes do Slipknot. Como então lidar com as letras pesadas que Taylor interpreta no show?
“É um lugar muito delicado para se mexer, né? Percebo que, quando eu estou tocando músicas do primeiro disco, sinto um espírito de revolta muito grande. De crianças e adolescentes que tiveram uma vida sofrida, problemas familiares, drogas e tudo mais. Então, você tem que assumir aquele papel de trazer a verdade para a música”, confessa o baterista.
“Quando a gente termina um show, rola um sentimento do tipo: ‘O que foi que aconteceu, o que foi isso?’. Porque é muita energia, uma coisa muito densa, muito pesada, não tem como você tocar com a máscara sorrindo embaixo, né?”, diz. “Sou uma pessoa geralmente alegre. Mas quando a gente vai para o palco e toca essas músicas, não tem como sair animado…”

A conversa com Eloy Casagrande pede uma explicação melhor sobre a sua saída do Sepultura. Caso você tenha morado em Marte nos últimos meses, aí vai. Casagrande entrou no quarteto mineiro em 2011, em substituição a Jean Dolabella. No final de 2023, quando o Slipknot anunciou a demissão do baterista Jay Weinberg, Casagrande foi cotado como seu provável substituto –principalmente porque no dia 8 de dezembro o Sepultura tinha acabado de anunciar sua turnê de despedida. A pergunta que não quer calar é: Eloy já tinha entrado no Slipknot?
“Não esperava ser chamado, embora houvesse todo esse boato. No dia da coletiva de imprensa do Sepultura, fizeram várias brincadeiras. Disseram até que eu iria entrar para a banda do Paul McCartney”, despista. “Mas a verdade é que o Slipknot é uma empresa muito grande, e eles demoram para tomar decisões. Eu não tinha recebido proposta alguma quando participei da coletiva do Sepultura.”
A máscara de Eloy é branca, com um sinal que parece ser de uma pinta. Vários memes “denunciaram” que seria uma homenagem à apresentadora Sabrina Sato. “Sei disso, recebi uns quinhentos desses memes”, comenta. Eloy criou sua persona ao lado do Crahan.
“Ele chegou para mim, quando eu passei pelo processo seletivo da banda, e falou: ‘Pô, vamos começar a desenvolver a sua máscara’. Trouxe a ideia de ser uma máscara branca para aparecer melhor no palco –principalmente porque traz uma nitidez, visto que fico ali no fundo. A linha preta embaixo do queixo é uma homenagem aos povos indígenas brasileiros, e depois fiz os riscos. O buraco na testa veio porque o Crahan disse que ela estava um pouco desbalanceada.”
A performance do Slipknot é tão impressionante quanto os seus discos. Basicamente, assemelha-se a uma apresentação do grupo catalão de teatro La Fura Del Bals, conhecido por sua interação com a plateia –com muitos decibéis de distorção. “Tocar bateria no Slipknot não é brincadeira. Não dá para você estar aqui, descansando, tirar uma semana de férias no Rio de Janeiro e vir fazer um show. Existe toda uma questão de técnica pulmonar, de preparo físico, né? Então, a preparação para os shows começa com um mês de antecedência pelo menos, já tocando as músicas”, conta Casagrande. “Tenho de preparar meu corpo. A gente se troca, se maquia e coloca a máscara 40 minutos antes do show. Só que faço isso muito rápido. Então, eu visto a roupa e continuo no aquecimento por meia hora, sozinho, até entrar no palco bem pronto”, diz o baterista. “Se eu não passo por isso, as coisas não funcionam. As mãos e os pés não respondem da forma que eu gostaria. Pelo menos duas horas antes, já estou ali, para fazer o show acontecer.”
No fim de 2023, Shawn Crahan disse que o Slipknot tinha um disco praticamente pronto. A entrada de Casagrande, contudo, mudou a perspectiva da banda. “A gente tem tempo para produzir um novo disco”, despista o percussionista. “Cara, não tenho nenhuma certeza de como o novo disco vai soar. Meses atrás, gravei uma música com eles, mas não sei em que pé ela está agora. Porque na banda são várias camadas, são muitos membros, né? A música acaba sendo transferida para diferentes áreas”, explica Eloy.
“Mas sei que gravei uma música, e ela está soando muito mais pesada do que o repertório do disco anterior do Slipknot”, prossegue, referindo-se ao EP “Adderall”, de 2023. Resta torcer para que os vermes brasileiros assistam e escutem essa música em primeira mão.
Pepita, Mel Gonçalves e Raquel, que estão na capa da quarta edição da Billboard Brasil, lançaram nesta quarta-feira (31) a música “Pra Nós“. O single faz parte da iniciativa Billboard Over 30, que listou pessoas trans, travestis e não-binárias que se destacam em suas áreas de atuação. Durante todo o mês de janeiro, quando é comemorado o Dia Nacional da Visibilidade Trans (29), o projeto celebrou a vida e a existência de pessoas LGBTQIA+.
“Pra Nós” (veja aqui a letra da música) teve produção musical de Pablo Bispo, produtor de sucessos como “Vermelho”, Gloria Groove e “Meu Talismã”, de Iza. Pablo também acumula parcerias com nomes internacionais como Major Lazer, Ciara e Charli XCX.
