Silvio Santos foi esperto como cantor e até ‘conheceu o techno’
Apresentador soube, como animador, usar a música como parte de seu carisma
O apresentador Silvio Santos –que morreu na madrugada deste sábado (17)– possui biografia resumida conhecida pelo público: camelô que, pouco a pouco, ascendeu até se tornar um dos maiores empresários da comunicação brasileira. Com experiência vinda do comércio popular e de espetáculos de circo, o dono do SBT —e de bordões icônicos— ele soube usar a música a seu favor, incluindo essa faceta com destaque na biografia.
O carisma de um apresentador que distribuía presentes no palco poderia ser suficiente, mas Silvio Santos galgou espaço na televisão brasileira abusando de tudo o que um animador precisa para entreter: um programa sempre em tom maior, sem tempo para maus presságios. E, para isso, música foi fundamental.
Se já animava a plateia com vinhetas como “Silvio Santos Vem Aí” ou introduzia cantores ao público, não tardou para que ele fosse ouvido como cantor. Executando tudo de uma vez, como um feirante mais contido e menos extravagante que a persona de Chacrinha, como um locutor de loja — tal qual, enfim, vendedores. E ele era tudo isso.
Ao todo, Silvio gravou quatro álbuns. Em seu primeiro, “Silvio Santos e Suas Colegas de Trabalho”, de 1974, estão “Silvio Santos Vem Aí” e uma versão parodiesca de uma canção de Jorge Ben Jor chamada “Cosa Nostra” —na qual transforma a “simpatia” e os “peixinhos” citados por Jorge Ben em nomes da comunicação brasileira como Haroldo de Andrade, Barros de Alencar, Paulo Giovanni, Hélio de Araújo.
Após o primeiro álbum, Silvio se tornou, então, intérprete. Os três álbuns subsequentes concentram canções que vão desde “Parabéns Pra Você” às safadas marchinhas como “A Pipa do Vovô” e “Eu Gosto Da Minha Sogra”.
Do último álbum, “Silvio Santos”, lançado em 1994, vale mencionar o pot-pourri que contém “Transplante de Corintiano”, dos versos “Doutor, eu não me engano! Meu coração é corintiano!”, que se tornou um hit nas arquibancadas da Fiel.
Um curioso vendedor em um auditório
Curioso, Silvio Santos fazia muitas perguntas aos seus convidados —famosos ou não. A uma garota de cara inocente, perguntou “mas que bambu?”; a uma mini-apresentadora chamada Maisa perguntou “o que é um pobre?” e, finalmente, a um candidato do programa “Namoro ou Amizade” perguntou “o que é isso”. Era techno. E gostou muito.
Essa curiosidade que o levou a uma experiência clubber em pleno domingo da família brasileira também fez Silvio Santos conduzir o SBT como um selo musical. Da sua emissora foram revelados artistas como a dupla ET e Rodolfo (do hit “Panela de Pressão”), o grupo feminino Banana Split (uma espécie de Spice Girls paulistano que embolava lambadas e axé), Marcelo Augusto (uma tentativa de galã romântico) e o grupo Dominó, fenômeno pop dos anos 1980, surgido no programa “Viva a Noite”, que Gugu Liberato comandava na emissora do patrão.
Não à toa, um dos melhores (de seus milhares de) programas tinha uma pergunta curiosa no título e era puro som: o “Qual É a Música?”. “Maestro Zezinho, com quatro notas, qual é a música?”, perguntava o apresentador enquanto famosos convidados tentavam lembrar a letra por meio da melodia tocada ao piano, limitada à sorte e habilidade dos convidados.
Para além de um formato que, hoje, é chamado de “gameficado”, o programa era uma plataforma para que músicas ficassem ainda mais famosas. A tática é usada até hoje (e pouco menos divertida) em atrações como o “Caldeirão do Mion” e o “Domingão”, ambos da Globo, que possuem quadros como “Sobe o Som” e “Ding Dong”, respectivamente, nos quais artistas esquecidos se valem da exposição midiática para reviver sucessos ou artistas promissores entoam hits de outros intérpretes para se lançarem em rede nacional.
Silvio Santos e… Paul McCartney?
Se “grandes mentes pensam igual”, como diz um popularesco ditado, Silvio Santos e Paul McCartney assim fizeram. Você se lembra do apresentador anunciando seus jurados do programa de calouros? “Pedro de Lara-lá! Lá-lá-lá-lá! Oi!”, cantava enquanto seu mais folclórico jurado entrava no palco. Pois é. Essa mesma melodia que encantou o apresentador e o ex-Beatle tem uma curiosa história.
“Dorogoj Dlinnoju” foi composta no início dos anos 1920 pelo russo Boris Fomin (1900-1948) e pelo poeta Konstantin Podrevsky (1888-1930). Mal sabiam os russos que ela seria hit em qualquer churrasco no Brasil, entoada por algum tio ao avistar algum outro parente chegando. Antes de cair nas garras de Silvio, ela chamou a atenção do folk dos anos 1960 dos Estados Unidos, em plena Guerra Fria.
Com o nome de “Those Were the Days”, ela foi gravada em estúdio pelo grupo The Limeliters e lançada no álbum “Folk Matinee”. Mas o grande sucesso ainda estava por vir quando acabou parando nos ouvidos de Paul McCartney —que adquiriu os direitos da música e a ofereceu à cantora Mary Hopkin. Com o próprio Maca ao violão, a canção foi primeiro lugar na Inglaterra e nos Estados Unidos.
A canção chegaria no Brasil em 1968, com a interpretação de Joelma Giro, uma cantora portuguesa que teve a honra da adaptação chamada aqui de “Aqueles Tempos”. Quase dez anos depois, ela chegaria a outro auge, agora por meio da voz de Silvio Santos, quando da estreia do programa “Show de Calouros”, em 1977.
Com adaptação do maestro Zezinho (1931-2010) e citando todos os jurados na letra, a canção substituiu “Cosa Nostra”, que mencionamos no começo do texto. Como dizíamos, Silvio Santos veio aí, também musicalmente.
Despedida
Silvio Santos morreu na madrugada deste sábado (17), no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Ele estava internado com H1-N1. A notícia foi confirmada pelo SBT, em uma nota oficial. “Hoje o céu está alegre com a chegada do nosso amado Silvio Santos. Ele viveu 93 anos para levar felicidade e amor a todos os brasileiros”, diz a nota.
Além do SBT, Silvio deixou um império –e, desde sempre, demonstrou talento para os negócios. Segundo lista da Forbes de 2023, seu patrimônio era estimado em R$ 1.6 bilhão. Em 1958 foi fundado o Grupo Silvio Santos, e seu primeiro negócio foi o Baú da Felicidade.
O apresentador também teve papel importante na música brasileira. As marchinhas eram presença frequente na programação do SBT, sendo “A Pipa do Vovô” uma das mais famosas, composta por Manoel Ferreira e Ruth Amaral e lançada em nos anos 1980. Ele também manteve, durante muitos anos, o quadro “Qual É a Música?”, competição musical que marcou o “Programa Silvio Santos”. Sua história também virou samba-enredo. Silvio foi homenageado pela escola de samba Tradição, no Carnaval de 2001.