Ruxell, produtor de hits do pop brasileiro, quer reconhecimento para o submundo
Dono de 'Vermelho' (Glória Groove) e 'Meu Talismã' (Iza) lança coletâna 'MEPB'
O pop que hoje corre atrás de alguma nova fórmula que misture R&B, funk e os ecos eletrônicos de baile tem como referência alguns sucessos dos últimos anos. Ruan Guimarães, o Ruxell, correu em 2018, 2019 e 2020 para que algumas fórmulas de hoje estejam presentes na maioria das composições que buscam o topo do gênero. Responsável por sucessos como “Vermelho”, de Glória Groove, ou “Meu Talismã”, de Iza, o produtor carioca lança com dois outros produtores o primeiro volume da coletânea “MEPB – Música Eletrônica Periférica Brasileira” em busca de catalogar uma música de baile muito menos famosa que seus hits —mas que, feita Brasil adentro, sempre inspirou o pop brasileiro.
Em entrevista à Billboard Brasil, ele conta como é ser experiente no ofício de fazer sucessos, de como a coletânea é um esforço para registrar uma parte “ousada”da música brasileira e como ele gostaria de “sujar” o som de Iza.
Você já é uma página do pop radiofônico no Brasil. Como foi para você saber que, daqui a 20 anos, você ainda vai ouvir suas músicas nas festas de aniversário por aí?
(Ele gargalha) É maneiro, né? O momento que eu acho que vai chegar nesses próximos anos é justamente entender o que foi feito nessa história. Eu sempre botei essa energia de que em algum momento da minha carreira eu iria romper essa barreira do underground para o mainstream. Eu acreditava na sonoridade —junto com meus amigos, claro. Depois que “Pesadão” bateu como hit nacional, eu vi que consegui implementar uma mensagem e um som foda que eu e o Pablo [Bispo, produtor] botava fé. Ali eu vi que tinha uma potência. Foi muito legal ver que os artistas também foram assimilando essa sonoridade e isso foi abrindo muitas portas. Vieram a mim muitos artistas querendo esse pop dançante que soa moderno e vieram artistas como Ponto de Equilíbrio, o Braza [montada por egressos do For Fun]… Acho que deu muito certo. Vejo como um ciclo de oito anos de muita história. Não sei se eu respondi sua pergunta.
Era sobre isso mesmo. O pop brasileiro nunca se tornou um gênero “pop brasileiro”, você concorda?
Sim, verdade.
Ao mesmo tempo, artistas como Iza, Glória Groove buscam produtores que querem porque querem fazer um tal de pop brasileiro —que por sua vez chega lá fora em produções menos limpas do que a estética deste pop —como o mandelão, por exemplo, mais pesado.
Caraca, mandou a pedra. Bom, vamos lá. Eu tenho algumas suposições. Quando a gente vai reproduzir esse tal de “pop brasileiro”… O que sempre me encantou foi a democracia. Então é difícil. Aqui, a personalidade do artista é mais forte que o gênero. É por isso que, acho, o pop brasileiro não emplaca dessa forma porque a galera fala “quero ouvir muito Pabllo (ou Iza, ou Anitta)”. E é um “popzão” que não consegue ser um gênero porque tem uma fusão incrível de coisas dentro. Ao mesmo tempo, é muito bom para os artistas porque gera uma identificação maior com cada um.
Você já consegue ver o que seria uma marca registrada sua nessa historiografia breve do pop dos últimos anos?
Tem, tem. Muito mais do que as vinhetas (risos). Eu acho que as pessoas quando escutam muitas coisas numa música pop soando bem ao mesmo tempo, elas podem pensar que sou eu. Pelo menos é o que meus amigos falam: “isso aqui é a cara do Ruxell”. Por exemplo, a música “Arrasta”, da Glória Groove [de 2018, com Léo Santana] é uma misturada de funk de São Paulo com pagodão, um vocal super pop da Glória, depois o refrão bem baiano. Então, eu acho que eu consigo juntar tudo isso, a timbragem, os samples, tudo muito atual. Acabei construindo um banco sonoro que trouxe uma identidade subliminar que os produtores falam “essa caixa, esse bumbo, é do Ruxell”.
O que era o Ruan antes do Ruxell?
Eu era guitarrista de banda. O começo de tudo foi quando eu tinha uns 14 anos. Dali em diante, eu comecei a produzir, de fato. Grava a galera no meu quarto. Eu vivi tudo isso com os caras daquele “riocore” [movimento pop carioca com ecos de hardcore]. Foi a partir dali que a gente viu que era possível viver de música. Por incrível que pareça, todas as bandas que eu já tive não soavam como Rio de Janeiro. Eu sempre misturei em tudo o que eu fazia. Eram bandas de rock, mas sempre tinha um eletrônico no fundo. Como o som daquela época tinha mais uma identidade do surf, do skate, da adolescência, a minha banda tinha questões mais voltadas para o emocional. A gente não era tão feliz, tínhamos uma carga do emo. A primeira banda se chamava Linear. Pô, soava maneirinho!
E esse eletrônico chega como na sua vida?
Vem muito do meu pai. Ele era DJ nos anos 1980, sempre curtiu ir para rave. Ele se chama Cláudio, mas era o DJ Alemão e ficava me mostrando Skazi, Infected Mushroom [ambos duos israelitas, ícones do psy-trance dos anos 2000].
Seu pai era bichinho de rave?
Bichozaço! Ele se amarrava. A cultura de rave vem muito dele. Eu sempre o questionava: “pô, mas não tem uma sintonia dessa galera com rock? Não tem nenhum que bota guitarra?”. Aí ele me mostrou esses dois que eu falei, lá em 2002. Explodiu minha mente. Só que eu não sabia fazer, achava impossível. Fui aprender muito depois, quando eu fui ouvir Skrillex.
Mais uma vez ele, o Skrillex.
Isso que é foda. Ele foi muito disruptivo. Primeiro, pela originalidade. Ele deixou mais ampla a música eletrônica para a nossa geração. Identidade muito forte naquele dubstep e, ao mesmo tempo, a carga emo. Ele era de banda também e eu nem sabia que era ele cantando [no From First To Last]. Ele e o Porter Robinson me inspiraram muito, não precisava ser só uma coisa, só house, ou só trance. Ser curioso por novas sonoridades é o que motiva a maioria dos DJs.
Isso leva a gente para a coletânea “MEPB – Música Eletrônica Periférica Brasileira, vol. 1” que é também um esforço de vocês em achar quem são esses que estão misturando coisas em 2024. E são artistas pequenos. Uns com pouquíssimos plays nas plataformas, outras com pouquíssimos seguidores.
Exatamente. Vou te falar que, além de ter todo o anseio de impulsioná-los e mostrar um novo Brasil, a gente está em um momento de mundo bem experimental. Ainda mais agora com esse negócio de inteligência artificial, estamos sendo pressionados a ser mais criativos. E eu acho que parte desses novos artistas estão sendo apresentados nessa coletânea. Eu fico feliz porque quando eu comecei a fazer música no Soundcloud, era só eu. Eu lá na Taquara. Não tinha uma movimentação coletiva, era cada um do seu lugar tentando colher seus frutos. Acho que é um momento de lançamento que está alinhado com o universo.
Mas você é um otimista quando o assunto é um público que corra atrás desse tipo de artista?
Infelizmente, o povo brasileiro, assim, na grande massa, acaba sendo muito conservadora, né? Então, estamos falando de uma população grandiosa que escuta sertanejo e funk. Mas não é só sobre isso, tem muito mais coisa nessa história que a gente quer alcançar. O trabalho é longo, a história da música eletrônica periférica brasileira é longa. Eu sou filho do dubstep do Skrillex, mas tem gente que foi filho do drum and bass do Marky e tem agora os que são filhos do Shavozo, do Flying Buff, do Buarky. E estamos achando agora as filhas como a Eva do LC que é de uma cidadezinha do interior do Maranhão, a Jeska que é de Paulo Afonso, na Bahia…
Certo. Você leva em conta esse conservadorismo na hora de produzir?
Cara, no meu caso, eu levo como fator de impulsionamento. Como artista, eu tenho esse papel de provocar. E uma escolha minha foi buscar as sonoridades que são mais ousadas dentro de um cenário que tenta afunilar as coisas. O que mais me motiva é a ousadia do artista e a minha também: tentar botar um beat diferente e ver a galera cantando, a música rompendo barreira. Mas, como DJs, temos a missão de educar. Esse é um fator primordial.
Qual é o teu xodó na compilação, além da faixa de sua autoria [Piquezin da Rave, com MC PR]?
“Eu Sou Assim”, do Buarky. É um drum and bass com uma onda pop, tem rap ali, o vocal da Julie Schiavon bem doce. Tem “Dale”, da Jeska, uma música que dá vontade de tocar inteira mesmo sem ter voz porque tem variações incrível. E, depois, tem a do Flying Buff que ele conseguiu trazer um funk com “olhar Tomorrowland”, porque ela tem um drop de funk. A gente esquece que o funk tem potencial de ter drops, com construção técnica de música eletrônica.
Esse é o primeiro volume da coletânea. Vocês já tem material para a segunda?
Não, a gente tem a intenção, mas não abrimos para a galera mandar som. A gente quer conhecer mais pessoas que não estão no nosso radar. Queremos ter mais pluraridade, tem muita gente boa aí que está só esperando reconhecimento. A gente quer que a galera se aproprie da plataforma, da bandeira da MEPB. A ideia é que se torne uma nova cena, que a galera consiga ganhar seu dinheiro com isso.
Beleza. Para finalizar, queria saber que artista do pop você gostaria de ver mais… suja?
A Iza. E acho que não aconteceu pelo própria identidade dela. A gente conseguiu, de certa forma, trabalhando com ela, trazer doidices do Soundcloud para a obra dela. Mas, de fato, por ela ser muito conhecida, ícone, acho que a vida a levou para um outro caminho. Mas, ela estando consolidada, pode fazer mais o que ela quiser.
Mas você já propôs isso para ela?
Cara, não. A gente até fez uma música junto [“Mega da Virada”, de 2023], mas esse último disco a direção estava com outra galera. Na minha opinião, acho que dá para ir mais fundo.
O que é esse “mais fundo”?
Acho que é na intensidade de expressão. Se desprender dos moldes de fazer música hoje em dia, perder um pouco a estrutura e ganhar a verdade da música. Se a música pedir um refrão, ótimo. Se pedir sete, ótimo também. Em uma questão de explorar sonoridades, temos um país bem intenso na música urbana. E os artistas pop ainda não conseguem experimentar essa fusão que está por aí brincando.
Agora, sim, para finalizar. Qual é a coisa que mais te irrita no vai e vem de aprovação de uma faixa com artistas?
Quando o artista não sabe o que quer e dá a possibilidade de outras pessoas decidirem por ele. Em muitos momentos, eu tive que defender o artista. Dizer para o empresário algo como “escuta o seu artista, compra a verdade dele, não pensa na gravadora!”. E isso dá desgaste. E, muitas vezes, porque o artista não sabe o que quer. A gente fica lá, lutando pela felicidade do artista e o próprio não sabe onde quer chegar.
Você tem algum exemplo disso?
O próprio “Pesadão” [hit de Iza, 2018]. É uma música de quase quatro minutos e uma letra muito grande. Ainda não tinha uma música com esse perfil na rádio. Quando conseguimos colocar a voz da Iza, teve a chegada do Marcelo Falcão e ela ficou ainda mais enorme. A gravadora nos disse que a música não era popular. E fomos lá dizer que “era a porrada do disco. Confia na gente”. E a Iza comprou e, de fato, depois, a gravadora foi atrás. E com isso conseguimos nossa carta branca para fazermos o que queríamos.
Tá, finalizando agora de verdade: acontece entregar algo que você não queria tanto, então?
Tem, tem, com certeza. Mal ou bem, eu não posso romantizar isso, muitos artistas querem ter projeção mainstream e buscam nos charts uma visão para sua carreira. Eu sempre vi que a música tem uma certa magia, algo sem explicação, ciência exata. Então, de fato, eu ficava meio chateado porque tem muitos artistas medrosos, sem querer arriscar. E a nossa base era a mistura. Mas foi um grande aprendizado para mim. A verdade é o que sempre vai bater. Quando eu via artistas que não conseguiam superar esse medo, o nosso lugar era apenas “músicas legais”. “Ok, legal, mais uma no mundo”. Tem esses momentos. E eu entendo, está geral querendo pagar as contas. Só que dinheiro é uma consequência, da sua trajetória.
Mas as pessoas te procuram para produzir um som que “vai viralizar”?
Aham. Com certeza, já rolou bastante. E isso já trouxe algumas frustrações. É muito delicado porque está todo mundo sonhando. Mas é duro dizer “você não é a Glória, você não é a Iza”. Mas teve um exemplo contrário que é “Pipa Voada” que virou um hit no rap com Rashid, Emicida, Lukinhas… E essa música foi a tradução da verdade do Rashid. Mas nem sempre tem essa verdade no artista que me procura. As pessoas chegam porque alguém disse “vai lá que eles produzem sucesso”. E a gente já quebra isso na primeira reunião. A gente nunca sabe o que vai virar hit. Se o Neymar dançar a música 12 do álbum vai virar hit. Ninguém controla.
Você cravaria, agora finalizando de verdade, que o mainstream brasileiro é medroso?
Eu não sei. É difícil dizer porque é questão de visão. O que é ousado para mim pode não ser para o outro. Eu não acho que seja medroso, mas há um perfil de conservadorismo. Não sei se eu respondi direito.
Respondeu, eu só queria ter uma aspas sua dizendo “o mainstream brasileiro é medroso”.
(Risos). Eu não cravaria porque, de fato, invalidaria meu trabalho que eu acho que é zero medroso. Mas vamos dizer que, sim, é cinquenta por cinquenta de medo.