Rico de coragem: entrevista com Rico Dalasam
Rapper não vive para escrever, tem na escrita uma forma de manter-se vivo


Rico Dalasam é um poeta. Essa afirmação pode soar estranha para alguns. Um nome que fez sucesso com “Todo Dia” e “Braille”, tornou-se uma das principais referências do movimento hip hop na última década e lotou casas pelo Brasil, mas que não é cantor? Pode ser surpreendente, mas é assim mesmo que o artista se classifica: um poeta. E há uma boa elaboração por trás.
Jefferson Ricardo da Silva, ex-cabeleireiro, um homem, negro, gay, cria de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, sempre gostou de escrever. Foi graças à escrita que ele encontrou “maneiras de salvar-se”. A música entrou na sua vida mais como uma forma de completar o desejo de se expressar. Não que ele não tenha tentado desenvolver seu lado mais melódico, tornando-se um aprendiz de violão, por exemplo, mas não deu certo. O jeito foi seguir escrevendo. “Meu amor sempre foi a escrita, é onde me encontro”, resume o cantor, em entrevista à Billboard Brasil.
Seus últimos três trabalhos, o EP “Fim das Tentativas” (2022) e os álbuns “Dolores Dala Guardião do Alívio” (2021) e “Escuro Brilhante, Último Dia no Orfanato Tia Guga” (2023), formam uma trilogia que, segundo o próprio artista, ressignifica o papel da música em sua vida. Inclusive, um papel de domínio sobre a própria arte, de poder ter a liberdade de conduzir aquilo em que acredita. No entanto, a liberdade tem um preço. “Fazer o que se quer é muito caro. Você coloca uma linha do tempo, mas o mercado te pede uma outra temporalidade, que é linear. A minha linha do tempo não é linear. Muitas vezes, estou resolvendo minhas questões pessoais por meio da minha arte. Essa trilogia foi sobre isso.”
Em 2025, seu último álbum completa dois anos e Rico pretende apresentar uma nova roupagem para o público, inclusive trabalhando novos singles. Esse é o objetivo do momento para o artista, que lida com sua escrita de forma que sua arte não se torne uma demanda.

Na conversa com Rico, a questão do tempo como algo não linear fica muito clara. Não só na música, na sociedade de maneira geral, o tempo vem se tornando, cada vez mais, um item para não ser desperdiçado. Isso, inclusive, faz com que muitos artistas coloquem toda a sua energia em criar em uma abundância preocupante. A arte em larga escala já é uma realidade (não entremos no mérito da preocupação com a qualidade do produto final).
Isso, inclusive, reflete na maneira que Dalasam se vê na relação com seu público. Usuário das redes sociais como nós, meros mortais, é no “olho no olho” que ele diz ter noção de como sua arte reverbera. Ele viveu um auge popular em meados de 2017 e 2018, com sucesso estrondoso de “Todo Dia”, sua parceria com Pabllo Vittar –que também lhe rendeu dores de cabeça judiciais.
Se você é um rolezeiro paulistano, provavelmente já esbarrou com Rico em algum evento cultural por aí. Mesmo em tempos de maior exposição, ele diz que não se limitava. “Meu espaço é sagrado, e creio que consigo comunicar isso de forma muito clara.”
Para conseguir viver bem com a sua produção, ele explica que tenta levar seu tempo de maneira um pouco mais contemplativa. Como quem gosta de gente, ele busca viver conhecendo histórias e não tornando essas interações um pretexto para sua criação. “Eu sou um poeta que não está preocupado em viver para escrever. Eu não vivo pensando ‘nossa, que enredo lindo’. Sobre as coisas mais lindas que vivi, eu não escrevi uma linha.”
Uma pessoa de coragem
Ao mesmo tempo em que reconhece seu talento e a qualidade da sua escrita, Rico se diz um privilegiado por pode rodar o Brasil cantando e lotando casas, como dito anteriormente. “Isso não é algo trivial”, comenta. Esse fato deriva da sua escrita e também faz com que a “empresa” Rico possa auxiliar mais pessoas envolvidas nesse trabalho. Tal responsabilidade não é um fardo. Para o artista, essa questão é algo que ele leva com certa leveza. Ele conta que, por muito tempo, sua principal qualidade era ter coragem. “Porém, muitas vezes, eu só possuía coragem. E isso, por si só, não é benéfico.”
Além de tentar entender o impacto disso, Rico também lida com sua criança interior, dona de características raivosas. Ele conta que se considera uma pessoa doce, que quem está ao seu redor sabe reconhecer sua leveza no trato do dia a dia. Porém, é preciso lidar com essa criança que, muitas vezes, rompe com a calmaria.
Parte dessa raiva deságua na escrita. E Rico Dalasam não esbarra na dúvida de que é na arte da palavra, e não na música, que ele se conecta com seu público. “Acho que o tempo e a forma como as coisas têm aparecido mostram que não tem algo que eu seja mais do que poeta. O que eu faço está na palavra. Foi graças à batalha de rap que desenvolvi minha relação com a palavra. Existem muitas pessoas que pensam no que eu escrevo, muito mais do que se entretêm com isso.”
[Esta entrevista foi publicada na 13ª edição da Billboard Brasil. Adquira sua revista aqui.]