Paul in Rio: oferta que não se pode recusar
O eterno Beatle encerrou no estádio do Maracanã a turnê de "Got Back"

“O Poderoso Chefão” (1972), de Francis Ford Coppola, é um dos meus filmes prediletos. Não importa quantas vezes eu tenha assistido a saga da família Corleone: basta aparecer na tela e lá estarei eu, torcendo para que o impetuoso Sonny (James Caan) não seja trucidado numa emboscada ou que Michael (Al Pacino), o filho mais novo, não se torne um mafioso.
Paul McCartney tem o mesmo poder de sedução. As brincadeiras e o repertório são praticamente os mesmos de vinte anos atrás (“quem sabe se um dia eu fizer um disco realmente bom eu consiga parar de cantar Beatles”, ironizou ele, numa entrevista para a publicação musical “Mojo”). Mas bastam soar os primeiros acordes de seu vasto cancioneiro e lá estamos a cantar “Hey Jude”a plenos pulmões, se emocionar com “Band on the Run” e esperar pela pequena suíte que começa com “Golden Slumbers”e termina com “The End”.
Parafraseando Don Corleone (Marlon Brando), show do Paul “é uma oferta que não se pode recusar”.
No último sábado, Paul retornou ao estádio do Maracanã, que 33 anos atrás foi palco de sua primeira vinda ao país. Eram outros tempos: os brasileiros tiveram suas economias bancárias confiscadas pelo governo Collor, o cantor e baixista era casado com Linda McCartney (1941-1998), a quem chamou de “gatinha”, e tinha acabado de lançar “Flowers in the Dirt” (1989), disco que recolocou sua carreira nos prumos.
A versão 2023 de Paul McCartney sente o peso de seus 81 anos. Principalmente nos vocais. Nas partes mais agudas, ele tem de contar com a ajuda do baterista Abe Laboriel Jr. Mas é um músico fora de série, capaz de segurar uma apresentação de quase três horas, onde se divide entre o baixo, o piano, o teclado e a guitarra (o duelo de solos entre Paul e o guitarrista Rusty Anderson em “I’ve Got a Feeling” é magistral. E embora não atinja a nota certa num momento ou outro, ele canta tudo no tom original em que suas músicas foram gravadas.
“Got Back”, nome da sua mais recente turnê, é um resgate emocional, uma mini-biografia musical do Beatle mais talentoso. Vai de “In Spite of all the Danger”, primeira canção do Quarrymen, célula inicial dos Beatles, até “Come on to Me”, faixa de “Egypt Station”, álbum que soltou em 2018. O restante são canções de diversas fases de sua carreira, seja no quarteto de Liverpool, nos Wings (grupo que criou na década de 70) e na fase solo.
Paul é um autor confessional. Muitos de seus sucessos trazem letras baseadas nos momentos pelos quais estava passando. Falam da descoberta e da redescoberta do amor (“Maybe i’m Amazed” e “My Valentine”, dedicadas respectivamente à Linda e à atual, Nancy Shevell); dos problemas que enfrentou nos últimos anos de Beatles (“Get Back”, I’ve Got.a Feeling”, “You Never Give me Your Money”); dos conselhos da sua mãe, Mary (“Let it Be”), ou até nas singelas citações à família Lennon –”Hey Jude”, dedicada a Julian, e “Here Today”, feita para mostrar a saudade que sentia do amigo John.
Outras cancões saem simplesmente da fértil imaginação do cantor e compositor. “Live and Let Die” foi uma encomenda para um filme de James Bond, “I`ve Just Seen a Face” é uma incursão pela canção folk americana, ou “New”, que traz uma aura dos tempos dos Beatles. E se Abe e Rusty já foram citados, vale também valorizar o trabalho de Paul Wickens (teclados, sanfona, gaita) e Brian Ray (guitarra e baixo), que dignificam a tradição de ele ter sempre uma grande banda ao seu lado.
Há quem critique o fato de Paul McCartney se repetir em suas apresentações, de não confraternizar musicalmente com cantores e compositores brasileiros ou simplesmente não reciclar o repertório e tocar alguns lados B. Eu não me importo com isso. Canto, choro, levanto a placa de “na na na” em “Hey Jude” e derramei lágrimas sinceras em “Maybe I`m Amazed” –talvez por estar passando pelo mesmo momento que ele retrata na canção. E o “nos veremos de novo” não apenas despacha o boato de que a performance no Rio teria sido a última de sua carreira, como nos enche de vontade de vê-lo de novo. Não se recusa um convite de Sir Paul.