Crítica: os Rolling Stones, assim como os diamantes, são para sempre
'Hackney Diamonds', primeiro disco de inéditas em 18 anos, é puro brilho
A chegada dos 61 anos costuma ser –literalmente– fatal para as celebridades mundiais. O escritor Ernest Hemingway e o chefe de cozinha Anthony Bourdain, ambos norte-americanos, se suicidaram; o ator inglês Oliver Reed sucumbiu a um ataque cardíaco depois de uma balada, e dois compositores eruditos, o alemão Handel e o russo Prokofiev, foram ao encontro do criador vitimados por hemorragia cerebral.
Os ingleses dos Rolling Stones, verdade seja dita (ou melhor, escrita), são mais um organismo vivo do que uma banda de rock. E no dia 12 de julho completaram-se seis décadas e um ano desde que eles pisaram num palco utilizando o nome que os tornou famosos. Mas, ao contrário das celebridades citadas, estão mais vivos do que nunca.
“Hackney Diamonds”, primeiro disco de inéditas da banda em 18 anos, e que chega às plataformas de streaming na sexta-feira, é seu melhor trabalho em muito, muito tempo. É uma joia lapidada em rock’n’roll, blues, country, soul e disco music.
O título do álbum, 24º da discografia do hoje trio inglês (a saber, o vocalista Mick Jagger e os guitarristas Keith Richards e Ron Wood), faz alusão a um crime comum em Hackney, que na Londres dos anos 1960 era uma região barra pesada. “Diamantes” são estilhaços de vidros de carro, quebrados durante um assalto.
As conversas sobre um novo trabalho se iniciaram pouco depois de “Blue & Lonesome”, de 2016, no qual reliam o repertório de grandes nomes do blues como Little Walter, Willie Dixon e Howlin’ Wolf, entre outros. Mas houve alguns acidentes de percurso, como a desistência do produtor Don Was, a doença do baterista Charlie Watts (que morreria de câncer em 2021), a artrite de Richards e, claro, a pandemia que tomou o mundo de assalto em 2020.
O produtor Andrew Watt, que tem no currículo trabalhos ao lado de Miley Cirus, Justin Bieber e Ozzy Osbourne, além de ter tocado na banda solo de Eddie Vedder (Pearl Jam), chegou sob recomendação de Paul McCartney. As gravações se iniciaram em fevereiro de 2023. Dois meses depois, o disco estava pronto –e Richards confessou à imprensa que os Rolling Stones possuem material suficiente para outro trabalho.
A escolha de Andrew Watt como produtor de “Hackney Diamonds” foi acertada. A habilidade em replicar as sonoridades do grupo dos anos 1960 e 1970 e combinar com sonoridades contemporâneas deu um novo alento ao punhado de canções do trio. A ausência de ficha técnica não revela quem tocou o quê, mas é bem provável que Watt também tenha tocado guitarra. Há um dedilhado e harmonias suaves, que contrastam com a escola de blues de Richards e Wood.
Outro ponto positivo é a seção rítmica formada pelo baixista Darryl Jones (na banda desde 1994) e o baterista Steve Jordan, que tocou no X-Pensive Winos, grupo paralelo de Keith Richards. Jordan alterna tanto a batida básica do rock’n’roll quanto em canções que exigem um suingue extra –casos, por exemplo, das pancadas que dá em “Angry”, a faixa de abertura, e “Get Close”.
Musicalmente, “Hackney Diamonds” agrega diversas fases do grupo inglês: daquele rock cru e básico do clássico “Exile on Main Street”, de 1972, aos flertes com a disco music de “Some Girls”, de 1977. “Whole Wide World”, “Drive My Too Hard” e “Tell Me Straight” –esta, cantada pelos vocais empapuçados de cigarro e vodca com suco de laranja de Keith Richards– poderiam muito bem figurar em qualquer desses clássicos.
Há ainda um clima de celebração em “Hackney Diamonds”, que incluem até participação de figuras históricas do grupo. Charlie Watts deixou gravada a bateria de “Mess it Up” e “Live By the Sword” –que tem ainda o baixo de Bill Wyman, que deixou o grupo em 1993, e faz uma participação especial.
Paul McCartney é o baixista da pesada “Bite My Head Off” e Elton John se encarrega dos pianos de “Get Close” e “Live By the Sword”. Por fim, “Sweet Sounds of Heaven” tem os vocais de Lady Gaga e os teclados de Stevie Wonder. Os Rolling Stones, assim como os diamantes, são para sempre.