O que levou o Natiruts a encerrar a banda após 28 anos de carreira?
Alexandre Carlo e Luís Maurício estão em uma turnê de despedida


Foi em uma segunda-feira de fevereiro que a notícia veio. O Natiruts decidiu apagar as luzes e se retirar definitivamente dos palcos. Alexandre Carlo e Luís Maurício, os remanescentes do grupo, reuniram um time de jornalistas para divulgar a novidade que se espalhou pela internet rapidamente. Muitos ironizaram a decisão de fazer uma ambiciosa turnê de despedida da banda, dona de hits como “Natiruts Reggae Power”, “Sorri, Sou Rei” e “Quero Ser Feliz Também”. Na mesma medida, as redes sociais deixaram claro que a banda tem, sim, uma imensa legião de fãs, que lamentou a notícia do fim. “Banda da minha vida”; “Estou muito triste”; “Que droga”. Esses rostinhos, já saudosistas, se enfileiraram nas vendas de ingressos para os shows que marcarão o tão lamentado adeus. Só no Allianz Parque, um dos principais estádios de São Paulo —quiçá do país— eles esgotaram três apresentações.
Mas por que, então, decidiram abandonar os microfones? Alexandre se limita a responder: “Já fizemos a nossa contribuição. E percebemos que, talvez, se a gente continuasse, não tinha mais nada de muito interessante para fazer. Fomos honestos com a gente. Deu uma esgotada”, diz ele em entrevista para a #8 edição da Billboard Brasil. Para o cantor, o Natiruts fazer um novo álbum, com dez ou 12 faixas, seria mais do mesmo. Esse entendimento veio da visão que ele e seu parceiro de banda têm do que é arte. “É sugerir algo diferente, ser interessante ritmicamente, nas letras, nos assuntos.”
Alexandre afirma que eles, em 28 anos de carreira, já esgotaram todas essas caixinhas. O limite, vale reforçar, não é do gênero. Eles acreditam que o reggae continua vivo e grandioso, e se tornou um estilo musical infinito. “Ninguém nunca vai conseguir dizer tudo o que o reggae pode dizer. Mas o Natiruts, dentro de nós como seres humanos restritos, chegou a um limite criativo. Eu não sei mais fazer um álbum inteiro e soar interessante, como já fizemos em outras oportunidades.” Luís assina embaixo e diz que decidir a hora de parar exige sabedoria. “O Pelé parou no auge, né?”, compara o fã declarado de futebol e que costuma usar analogias do esporte na vida. “Estamos nesse mesmo momento. Nosso dever foi cumprido com excelência.”

História da banda
O Natiruts surgiu em 1996, em Brasília, sob o nome Nativus –que precisou ser abandonado, pois a banda gaúcha Os Nativos não ficou nada feliz com a concorrência. Para resolver a questão de marca, juntaram natureza e roots (raízes), criando o nome com o qual se consagraram. Gravaram uma fita cassete com músicas autorais e foram notados pela EMI Records. Com a gravadora, assinaram um contrato de quatro álbuns, sendo o primeiro lançado em 1998. Batizado com o nome da banda, que precisava ser reforçado, o álbum abre os trabalhos com aquele que se tornou um dos maiores sucessos do Natiruts: “Liberdade para Dentro da Cabeça”. Desde então, andaram para lá e para cá, explorando misturas do reggae com ritmos brasileiros e em colaborações com nomes como Claudia Leitte, IZA, Thiaguinho e Luiz Melodia. Essa caminhada, segundo Luís, começou de forma despretensiosa e com passos tranquilos.
“A gente foi vivendo um dia de cada vez, sem nunca perder o contato com o chão. O sucesso é efêmero, numa hora ele será gigante, e em outra não vai ser mais. A gente sabe que tudo passa, tanto o sucesso quanto o momento ruim. Construímos a base da nossa carreira em cima disso.”
Gosto amargo
Apesar do reconhecimento do público, fiel desde o início e que esgotou cerca de 120 mil ingressos até o momento, o olhar de soslaio de seus pares na música deixou um gosto amargo para Alexandre e Luís. O título de “maior banda de reggae do Brasil” caiu no colo dos dois de forma dúbia. Se lotavam casas de shows, vendiam milhares de discos e eram reconhecidos por onde passavam, por que não eram o maior grupo do Brasil? “A indústria não dava atenção para bandas de reggae. Na época [em que o Natiruts surgiu], a MTV era um grande parâmetro para premiar artistas revelação e, na hora de avaliar outras bandas, levava em consideração disco de platina, shows lotados. Na nossa vez, isso não foi considerado. Quando chegou ao reggae, o parâmetro mudou”.
No surgimento da banda, o VMB (MTV Video Music Brasil) era uma das principais premiações de música do país. Eles foram indicados na categoria artista revelação em 1999, ainda sob o nome Nativus, e perderam para o cantor Otto. “Eu nunca pontuei isso como uma espécie de preconceito contra o gênero, mas entendi o buraco que a gente tinha se metido. Mais importante do que falar se é isso ou aquilo, também é preciso entender o meio onde você está inserido e quais passos precisa dar. Foi isso que eu percebi quando a gente perdeu a categoria de artista revelação com 500 mil álbuns vendidos e shows lotados.”
Alexandre compara os títulos que eram –e ainda são– dados para nomes como Legião Urbana e Paralamas do Sucesso. “Eles não eram as maiores bandas de rock do país. Eram as maiores bandas do Brasil. O Natirtus, em alguns momentos, também foi a maior banda do Brasil. Maior do que rock, maior do que sertanejo, maior do que qualquer coisa.”
Essa insatisfação seguiu a banda durante anos, mas foi deixando de ser um incômodo tão evidente. Mesmo lançando trabalhos que, para eles, mereciam ser celebrados em premiações e pela indústria, de fato, Alexandre e Luís sabiam que podiam contar com os fãs, seus seguidores fiéis. “Desafio alguém, naquela época, a me apresentar um DVD que esteticamente seja mais bonito do que o ‘Natiruts Acústico no Rio de Janeiro’ [2012]. E a gente não foi indicado a nada, não foi convidado para nenhum prêmio… Nem para um cafézinho.”
Para Alexandre, o público carimbou o Natiruts com o tamanho que ele já tinha dentro da música, mas a indústria não percebia. A prova final veio com esse anúncio da turnê de despedida, “Leve Com Você”. A princípio, divulgaram 20 shows, passando pelas principais capitais do Brasil e iniciando os trabalhos em Brasília, onde tudo começou. Eles também cantarão no Rio de Janeiro, em Juiz de Fora, em Fortaleza, em Natal, em João Pessoa, em Recife, em Salvador, em Aracaju, em Curitiba e em Belo Horizonte, entre outras grandes cidades do país. Em São Paulo, no entanto, precisaram adicionar duas datas extras no Allianz Parque, estádio com capacidade para cerca de 45 mil pessoas, conhecido por receber grandes turnês mundiais e nacionais.
“Para quem ainda tinha dúvida, né? Quem faz isso no Brasil é Taylor Swift, Beyoncé, Paul McCartney e Pearl Jam. Eles são descritos como artistas fodas. E realmente são. Mas o Natiruts nunca recebeu esse carinho. É muito gostoso saber que o público coroou esse trabalho e continua com a gente”, celebra Alexandre.