‘O fã brasileiro é diferente’: vamos repensar a cultura insalubre de ficar na grade?
Fã de Taylor Swift morreu em show no Engenhão após parada cardiorrespiratória
Acordei cedo para trabalhar, já prevendo um dia cheio –afinal, Taylor Swift está entre nós. A alegria do fã brasileiro é indescritível. Diferente de tudo. Depois de uma turnê cancelada por causa da pandemia de Covid-19, finalmente a dona dos nossos corações está no Brasil.
Mas a primeira coisa que vi ao pegar o celular foi a notícia da morte de Ana Clara Benevides, 23 anos, que passou mal no show de estreia, no Rio de Janeiro, teve uma parada cardiorrespiratória e morreu.
Na sequência, li o depoimento de uma outra fã de Taylor que, após lutar bravamente pelo lugar que sonhava no estádio, próximo à grade, descreveu ter tremedeira, tontura, visão embaçada, “sensação de desmaio”, segundo suas próprias palavras.
O site da Folha de S.Paulo fala em cerca de mil atendimentos por desmaio.
A repórter Bruna Calazans, desta Billboard Brasil, me trouxe notícias semelhantes quando esteve no Engenhão durante a manhã e a tarde de sexta-feira (17), antes da abertura dos portões: calor insustentável, gente desmaiando.
A sensação térmica no Rio beirou os 60ºC. SESSENTA GRAUS. Não é preciso dizer mais do que isso. Todo mundo deveria, de bate-pronto, entender que o corpo humano não suporta esse tipo de calor em perfeitas condições. Dá mesmo tontura, tremedeira e sensação de desmaio –ou desmaio mesmo! Insolação, desidratação. Até morte!
Isso que aconteceu no show da Taylor Swift deveria ligar um alerta na cabeça de todo mundo.
Pessoas da minha equipe estiveram no show e foram bem sinceros:
“O que aconteceu hoje, acontece em todo show”.
Quem vai em show sabe, toda hora alguém desmaia, passa mal.
Já passou da…
— José Norberto Flesch (@jnflesch) November 18, 2023
O fã brasileiro se orgulha de ser diferente de todos no mundo. Acampa em frente a estádios por meses, briga por ingressos, faz de tudo para ficar na grade. A gente acha engraçado quando vê histórias de gente que usou fralda geriátrica para não perder o lugar pertinho do palco. A gente acha bonito ver a correria na abertura dos portões do Rock in Rio, com gente desesperada para garantir a melhor visão de um show. Mas será que não é hora de rever essa cultura tão insalubre, que até agora tem sido motivo de orgulho nacional?
É óbvio que existe a responsabilidade pública e também da organização do evento em proporcionar conforto, segurança e bem-estar do público. Água num dia tão quente quanto ontem era o básico dos básicos. Atendimento médico eficiente. Acesso a banheiros. Conforto. Tudo isso também precisa ser colocado na cartilha de shows do brasileiro.
É bonito homenagear o artista que tanto admiramos. Criar declarações de amor, desenhar cartazes, pensar no look que mais combina com seu disco favorito, até aplaudir durante 10 minutos, se é isso que você sente. É fofo trocar pulseirinhas da amizade. E não tem coisa mais gostosa do que curtir o show da sua cantora favorita com leveza e felicidade.
Não é o que vem acontecendo com os fãs de Taylor aqui no Brasil. E cito Taylor porque é a artista do momento, mas já vimos fenômenos como esse se repetir milhões de vezes. O fã brasileiro, ele é diferente. E, neste momento, depois de tantas notícias de pessoas sofrendo, desfalecendo, passando por maus momentos, não posso deixar de questionar: não há outro caminho, mais leve e mais saudável, para vivenciar o encontro com a música que tanto marcou nossas vidas?
É preciso estabelecer limites. Até mesmo para o amor.
Afinal, estamos aqui há tantas eras, queremos ou não continuar?
*Débora Miranda é editora-chefe da Billboard e seu álbum favorito é “1989”