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O ‘Caju’ de Liniker que, ácido e doce, derreteu quem precisava ouvir certas coisas

O ‘Caju’ de Liniker que, ácido e doce, derreteu quem precisava ouvir certas coisas

Cuidadoso, álbum mostra domínio da cantora ao transpor sentimento à canção

“Caju” é um disco de uma compositora paciente. Liniker é delicada em suas escolhas que, em seu quarto álbum da carreira, carrega a complexidade de uma fruta doce, mas cuja casca parece fazer de tudo para evitar a chegada ao íntimo. De quebra, deixou o pop brasileiro mais interessante e amoroso em 2024.

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O reflexo das letras de “Caju” chegaram rapidamente às redes sociais. Tuítes derretidos não tardaram a vir de quem tornou-se frequente das experiências da obra da cantora e de parceiras de geração como Tássia Reis, Tulipa Ruiz, Anelis Assumpção. Mas, além da excitação por um lançamento desse tamanho, havia no ar algo diferente: Liniker tinha coisas para dizer; muitas pessoas estavam e continuam dispostas a ouvir.

E isso tudo é culpa das quatorze faixas do álbum produzido em parceria com Gustavo Ruiz e Fejuca —uma característica nem sempre relevante para a excitação nas redes. Liniker canta, quase sempre, quebrando alguma expectativa. A faixa-título e também de abertura tem densidade semelhante à “Acalanto”, do álbum de estreia da também contemporânea Luedji Luna, coisa que vem do arrastado grave e da forma como Liniker cospe e canta barras e, nelas, mastiga a letra e a melodia até chegar no suco da fruta. Música de pista lenta —e a toda hora a cantora está conversando com o ouvinte.

“Estou cansada de ficar nessa coisa reducionista. Quero ser amada. Eu quero trocar, ter uma vida legal. Curtir como todo mundo curte, ter date…”, disse a cantora em entrevista recente ao “Splash”.

Em “Febre”, ela redireciona o pagode à sua maneira. Gravado em parceria com Thiaguinho anteriormente, a nova versão vai em direção de mixagem oposta ao que se é ouvido normalmente nas mais pedidas do gênero do cantor ex-Exaltasamba. Neste rearranjo, o pagode soa mais acolchoado, como se os graves tomassem mais conta. Essa escolha delicada cria sentimento de conforto pela audição, uma espécie de recompensa após questionamentos, crises e tentativas de romper as cascas desse fruto.

Se uma música pop normalmente já se contentaria com a urgência de uma frase como “Eu não tô a fim de desgrudar”, Liniker serve respiração, espaço, amor próprio e ao próximo nas próximas linhas. “Mas quero fazer dos dias, a paz. Pra fazer um escarcéu com teu sorriso. Nem ligo: a gente pode demorar”, ela diz em “Veludo Marrom”, um gospel com arroubos suntuosos da Orquestra Jazz Sinfônica. Terceira faixa do disco, com jeito de single e candidata a grande momento do álbum com destaque para o arranjo de Tiago Costa, responsável também pelo fundamento na estreia (em 2003) e de “Elo” (2011) da cantora Maria Rita, mas conectado à Liniker pelo gosto para com a Vanguarda Paulista, movimento que surgiu com nomes como Itamar Assumpção, Alzira E, Arrigo Barnabé, Eliete Negreiros, entre outros.

Com calma, pagode, bregadeira, “Caju” chega nas pistas pelo par “Deixa Estar”, com Lulu Santos e Pabllo Vittar, e “So Special” —este, talvez o feat mais interessante dentre os lançamentos recentes do duo Tropkillaz. Ao final de tudo, Liniker diz “seu nome não é caju à toa” pedindo tempo e calma. A demanda, o medo, a solidão, a dúvida, o tédio, a carência e os desejos emparelhados na boca de uma compositora que também manifesta —a todo momento— seus desejos de ser ouvida, amada, compreendida, lida, interpretada, resignificada —ufa— estão todos em “Caju”.

Isso tudo ocorreu em tentativas ouvidas “Remonta” (estreia em 2016), “Goela Abaixo” (2018) e “Indigo Borboleta Anil” (de 2021). Agora, chega em seu resultado mais vistoso, digno da árvore linda que é a cantora na música brasileira.

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