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Guina, o personagem ‘quase real’ dos Racionais MCs, vira tema de livro

Guina, o personagem ‘quase real’ dos Racionais MCs, vira tema de livro

Criação de Mano Brown está presente na canção "Tô Ouvindo Alguém Me Chamar"

Ao longo de sua trajetória, o grupo Racionais MCs criou muitas histórias que marcaram o imaginário do Brasil. No entanto, poucos personagens se tornaram tão simbólicos quanto Guina, retratado na música “Tô Ouvindo Alguém Me Chamar“, do álbum “Sobrevivendo no Inferno“.

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Descrito por Mano Brown como um homem sem dó e com certo dom para comandar, Guina virou tema do livro “Mundo do Crime”, coleção que reúne textos de dois autores: Gabriel Feltran e Michel Misse.

Quem foca na obra do grupo de rap paulistano é Feltran, Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, professor pesquisador no Centro Nacional de Pesquisa Cientifica da França (da sigla CNRS) e autor do livro “Irmãos: uma história do PCC”.

No texto “A Realidade do Crime: Sobre ‘Tô Ouvindo Alguém Me Chamar’, dos Racionais MC’s”, Feltran destrincha a letra da música, que tem 11 minutos. Seu foco é explicar como a narrativa da canção é revelador sobre a dinâmica das periferias de São Paulo nos anos 1990 – tendo Guina como grande protagonista do enredo.

“Eu e o Michel recebemos o convite para escrever sobre elementos ficcionais que nos fizeram entender melhor o mundo do crime. Na hora, pensei no Guina. Ele é ficção, realidade, ele conseguiu se sair do mundo da música e virar alguém que materializou no mundo real”, disse o pesquisador, em entrevista para a Billboard Brasil.

Para quem viveu nas periferias paulistas, principalmente entre 1990 e 2000, Guina é o estereótipo de um criminoso impecável, aquele que tem “sangue nos olhos” e vontade de ser Robin Hood.

O personagem que tentou ser real

De tão incutido no imaginário periférico, Guina acabou se transformando num personagem quase real. Volta e meia algum integrante do Racionais MCs precisa responder se o Guina “existiu”.

E não, ele nunca existiu de verdade. No entanto, um homem tentou fingir ser o personagem dos Racionais e até chegou a pregar em igrejas neopentecostais por aí — seus testemunhos viralizaram nas redes e aumentam a áurea sobre ele.

Aquele criminoso retratado na música, segundo o próprio Mano Brown, nada mais é do que a junção de histórias múltiplas que acabaram gerando a canção. Porém, de tão real que aquela história parece, fica difícil imaginar que o Guina é só uma viagem.

“É fantástico como o Brown consegue construir um personagem que é tão complexo, tão real e uma história no geral que gera esse tipo de identificação. Tem uma oposição que gosto muito na letra que é com a figura do irmão trabalhador, de alguém que vê a figura daquele parente próximo como a pessoa que fez a escolha certa de ir trabalhar, constituir família, que aquela seria a decisão certa ao invés de ir para o crime, morrer ou agonizar. Daí fica aquela pergunta: será que não deveria ser o zé, e não o rei? É uma questão filosófica muito complexa”, explica Feltran.

Academia e hip hop

Nos últimos anos, o trabalho produzido pelos Racionais MCs passou a ser considerado pela chamada “elite acadêmica” no Brasil. O “Sobrevivendo no Inferno” passou a ser leitura obrigatória no vestibular da Unicamp e Mano Brown recebeu o título de “doutor honoris causa” pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

Feltran acredita que esse novo olhar para trabalhos produzidos nas periferias tem ligação primordial com o ingresso de pessoas negras e de periferias nas universidades.

“Penso que a música de periferia é uma expressão cultura que é estudada há muitos anos. Não há muito de novo nesse estudo dentro das ciências sociais. Agora, o que tem de novo, são os atores que produzem esse conhecimento dentro da academia. Tem uma molecada que chega na universidade, principalmente a partir dos anos 2000, com os programas de ações afirmativas. Eles passam a produzir um conhecimento a partir de uma história muito próximo com essa cultura, uma consciência diferente. Isso é muito rico para quem trabalha com essas questões.

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