Você está lendo
‘Foi difícil cantar as músicas de Amy Winehouse’, diz intérprete de ‘Black to Black’

‘Foi difícil cantar as músicas de Amy Winehouse’, diz intérprete de ‘Black to Black’

Marisa Bela vive a cantora inglesa em biografia que está em cartaz nos cinemas

Avatar de Ludmilla Correia
Marisa Abela no papel de Amy Whinehouse em 'Back to Bad'

Nos minutos iniciais de “Back to Black” (2024), cinebiografia de Amy Winehouse que chegou aos cinemas em 16 de maio, a cantora é procurada pelo empresário Simon Fuller, que deseja contratá-la para o seu cast de artistas. Fuller foi o criador das Spice Girls, quinteto pop que usava o bordão “girl power” a título de empoderamento feminino. “Girl power, para mim, é Aretha Franklin e Ella Fitzgerald”, dispara Amy, com toda a petulância típica da juventude.

“A cena realmente aconteceu, faz parte da biografia da Amy. Mas eu achei necessário que estivesse no filme para mostrar que ela era dotada de muita personalidade, nunca foi uma artista moldada por empresários”, diz o roteirista Matt Geeenhalg –que, aliás, foi também o responsável por “Control”, cinebiografia do cantor Ian Curtis (1956-1980), vocalista do Joy Division e ícone do pós-punk, que cometeu suicídio. “Sim, eu tenho uma quedinha por esses tipos sombrios”, ri.

VEJA TAMBÉM
ATEEZ

Para quem morou em Marte nos últimos tempos, aí vai. Amy Winehouse (1983-2011) é um dos maiores talentos surgidos no início dos anos 2000. Influenciada fortemente pelo jazz, ela é responsável por um dos maiores sucessos da história da indústria musical. O álbum “Back to Black”, de 2006, é um apanhado de canções doloridas e com fortes influências de soul music e R&B. O disco vendeu 16 milhões de cópias no mundo e abriu portas para outras vocalistas e compositoras que expuseram seus dramas em disco. Resumindo, Amy Winehouse foi fundamental para o surgimento de Adele.

“Back to Black” é a mais recente e ambiciosa empreitada de Hollywood nas cinebiografias musicais. Sim, ela sempre foi uma constante nas telas, mas desde que “Bohemian Rhapsody”, que conta a história de Freddie Mercury (1946-1991), faturou quase US$ 1 bilhão ao redor do mundo, as desventuras de astros do universo pop se tornaram um filão considerável a ser explorado. Desde então, as vidas de Bob Marley (1945-1981), Elvis (1935-1977) e Priscilla Presley e Elton John ganharam registro nas telas. Para os próximos anos estão programados filmes sobre as vidas de Carole King, Michael Jackson, Bob Dylan e Linda Ronstadt –estes dois últimos, aliás, serão interpretados respectivamente pelos estrelados Timothée Chalamet e Selena Gomez.

“Existe uma curiosidade natural do público em saber sobre a vida de seu artista preferido”, diz Sam Taylor-Johnson, cineasta que levou os dramas de Amy para a tela e que já havia feito o mesmo com John Lennon em “O Garoto de Liverpool” (2009). Há, porém, uma pegadinha nessas biografias. Como são produzidas por amigos e familiares dos astros, elas tendem a suavizar qualquer desvio de personalidade de seus biografados. O guitarrista Brian May, por exemplo, barrou o ator Sacha Baron Cohen de viver Freddie Mercury porque ele, na visão do guitarrista, daria um ar farsesco ao líder do Queen. “A ideia de Sacha era transformar Freddie numa espécie de Borat”, disse May a este repórter, referindo-se ao apatetado jornalista vivido por Cohen nos cinemas na TV.

As cinebiografias atuais dissipam o aspecto perto do divino de seus ídolos. É uma tendência próxima ao que tem acontecido nos documentários. Se nos anos 1990, um “Na Cama com Madonna” tinha como missão evidenciar a aura poderosa da cantora, hoje é mais comum se deparar com as produções em que Lady Gaga e Taylor Swift assumem suas fraquezas. Sai o empoderamento, a figura do popstar soberano –e por vezes arrogante. Entra em cena o sujeito que fala abertamente de suas fraquezas e dramas, em entrevistas supostamente confessionais.

O estratagema de levar essa nova realidade para as telas fica claro em “Bob Marley: One Love”, também lançado neste ano, no qual o rei do reggae soa até ingênuo em seu pacifismo. Marley, frise-se, é um dos maiores ícones da música pop e um sujeito que fazia letras tão poderosas que eram proibidas em certos países –na África do Sul no período do apartheid, por exemplo, seus discos eram riscados para evitar uma revolta da população. Mas era também uma figura controversa, com amigos no submundo da Jamaica, além de ser um marido de atitudes questionáveis. No auge da fama, ele ordenou que a mulher, Rita, dividisse o quarto de hotel com as outras duas vocalistas de apoio de sua banda. A Bob era reservada a suíte presidencial, onde entretinha suas fãs do sexo feminino.

As polêmicas, no entanto, passam longe da narrativa. “A nossa responsabilidade foi tentar retratar a pessoa por trás das camisetas, das bolsas e dos bottoms. Nossa meta era retratar esse homem com todo o tamanho e complexidade que ele tem”, despista Reinaldo Marcus Green, diretor da produção. Bob, claro, era muito mais complexo do que acaba sendo mostrado nas telas. Mas o fato de Ziggy Marley, filho do cantor, ser um um dos produtores diz muito a respeito do caminho trilhado pelo cineasta nas telas.

O público aparentemente não ligou para as concessões da trama, que foi assistida no Brasil por mais de 1,2 milhão de pessoas. Além disso, a inédita “Praise Jah in the Moonlight”, gravada por um dos muitos netos de Bob, Yg, ao lado da mãe, Lauryn Hill (com samples do Rei do Reggae, claro) chegou ao top 20 do Billboard 200, e não sai do Billboard Brasil Hot 100 desde a estreia do longa.

No caso de “Back to Black”, a maior polêmica se dá em torno da figura de Mitch Winehouse, pai da cantora. O sujeito demonizado em dois documentários sobre a autora de “Rehab” (por exemplo, ele se negou a internar a filha quando ela mostrou os primeiros sinais de que era alcoólatra) virou um tipo boa-praça, que sempre quis o melhor para a filha. “Tenho quatro filhos e, muitas vezes, dei conselhos que se mostraram errados. Mitch passou pelo mesmo problema”, justifica Eddie Marsan, ator que encena o pai de Amy nas telas. Marsan diz que conversou com pessoas próximas a Mitch antes de dizer “sim” à produção. “Todos falaram que era um sujeito que sempre quis o melhor para Amy.”

Há, claro, exceções. “Ray” (2004), sobre a trajetória do cantor e compositor Ray Charles (1930-2004), e “Rocket Man” (2019), a respeito de Elton John, retratam não apenas momentos de glória, mas também as várias vezes em que seus protagonistas desceram ao inferno –que, no caso desses dois, foi de traições conjugais a drogas consumidas em quantidades pantagruélicas.

“Minha vida não foi censura livre. Por que eu faria um filme censura livre?”, disse Sir Elton. “Ray”, por sua vez, destoou apenas ao falar da relação do criador da soul music com as drogas pesadas. Em sua autobiografia, ele deixou claro que passou a usar heroína simplesmente porque gostava do efeito. No filme de Taylor Hackford, Ray se droga por não ter superado a morte do irmão mais novo. O mesmo acontece em “Johnny & June” (2005), de James Mangold, que retrata a vida do pioneiro do rock Johnny Cash (1932-2003). Ele também teria se tornado um viciado em anfetaminas para superar uma tragédia.

Whitney Houston: I Wanna Dance With Somebody” (2022), sobre a cantora norte-americana morta em 2012, também chega próximo da vida real. Toca em tabus como a bissexualidade da cantora e o relacionamento tóxico com o também cantor Bobby Brown.

Já “Elvis” (2022) fez jus ao seu autor, o cineasta Baz Luhrmann, cujo estilo parece um cruzamento de encenador de musicais e carnavalesco de escola de samba –muito visual, um monte de cenas de impacto e uma visão fantasiosa do personagem principal. Deu certo, embora tenha passado longe do fenômeno Mercury –seu faturamento ficou na casa dos US$ 290 milhões. No filme, claro, criou-se um vilão para justificar todas as falhas do personagem principal. No caso, ele atende pelo nome de Coronel Tom Parker, que sugou até a última gota de sangue de seu afilhado. Mas quem assistiu a “Priscilla” (2024), cinebiografia da ex-mulher do Rei do Rock assinada por Sofia Coppola, percebe que Elvis também não foi santo.

Uma das principais qualidades de “Back to Black” é que ele não conta a vida de Amy Winehouse de forma tradicional. Foi escolhido um recorte –o interesse das gravadoras pelo seu talento até a criação do disco que dá título ao filme. A doentia relação com Blake Fielder-Civil (vivido por um Jack O’Connel com toda a canalhice a que tem direito), um sujeito de maus bofes que atuou como elemento catalisador na tragédia da cantora, é mostrada em detalhes, mas a produção não joga inteiramente a culpa no ex-marido da cantora. “Não é um filme normal, daqueles que têm vilão, mocinha e herói. Mesmo porque sabemos que a vida é muito mais complicada do que isso”, justifica Marsan. “O maior vilão aqui é o vício.”

Coube à talentosa novata Marisa Abela a missão de interpretar a icônica cantora. Tem graça e charme nos momentos em que Amy se diverte com as amigas no bairro londrino de Camden Town e sua única preocupação é cantar nos pubs locais. Nos momentos em que ela entra em decadência por conta do vício, Marisa mostra a maturidade necessária. Detalhe: todos os vocais foram gravados pela própria atriz (veja na entrevista abaixo).

Fictícias ou não, fantasiosas ou retratos fiéis da realidade, as cinebiografias trazem uma grande colaboração ao catálogo dos artistas. O Queen teve um ganho de US$ 3,58 milhões desde o lançamento de “Bohemian Rhapsody” nos cinemas. Mais recentemente, os donos do espólio da banda venderam seu catálogo por US$ 1,2 bilhão. Bob Marley tem passado por um efeito semelhante. O filme até agora foi assistido por mais de 100 milhões de pessoas no mundo. E “Legend”, coletânea de clássicos do Rei do Reggae, recentemente, passou a figurar na parada dos dez discos mais vendidos da Inglaterra. Animada, a a família Marley prepara o relançamento de “Exodus”, de 1977, cuja gênese é contada com detalhes em “One Love”. A nova edição terá a capa idealizada por Neville Garrick, artista plástico que era integrante da gangue de amigos de Bob Marley.

As cinebiografias podem estar distantes da vida real de seus ídolos. É uma visão particular de um cineasta e de integrantes da família de como o popstar era no dia a dia. E uma ideia básica do impacto que causou no mundo da música –e nesse caso, as estripulias de Baz Luhrmann em “Elvis”, no qual mostra como ele idealizou o rock’n’roll são fantásticas. Mas não devem, de modo algum, ser tratadas como uma versão definitiva dos acontecimentos. Funcionam mais como uma porta de entrada para um universo do qual muita gente jamais ouviu falar. O melhor a fazer é se divertir no cinema e depois buscar uma visão mais acurada em documentários ou mesmo em livros a respeito desses personagens. “Mas Amy realmente disse aquilo para Simon Fuller. E está na biografia dela”, reforça o roteirista Matt Greenhalg. Apenas um detalhe: ela jamais se rendeu ao estrelato, preferindo viver sob as próprias regras.

Mynd8

Published by Mynd8 under license from Billboard Media, LLC, a subsidiary of Penske Media Corporation.
Publicado pela Mynd8 sob licença da Billboard Media, LLC, uma subsidiária da Penske Media Corporation.
Todos os direitos reservados. By Zwei Arts.