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Fafá de Belém sobre ausência do Norte no Rock In Rio: ‘Nem a Joelma! Isso me revolta’

Fafá de Belém sobre ausência do Norte no Rock In Rio: ‘Nem a Joelma! Isso me revolta’

Fafá lamentou ausência da cultura amazônica às vésperas de uma COP-30 na região

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Depois de protestar publicamente contra a formulação do “Dia do Brasil”, anunciado pelo Rock In Rio, a cantora Fafá de Belém falou sobre o dia do festival que reunirá 76 artistas para um line-up verde e amarelo —nenhum deles é da região Norte. À Billboard Brasil, por telefone, Fafá lamentou a ausência de Joelma, Gaby Amarantos e da cultura amazônica às vésperas de uma COP-30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que será realizada em 2025, na cidade de Belém.

Primeiramente, houve algum retorno da organização do festival a partir de sua crítica no Instagram?
Não houve. Tudo isso reforça meus questionamentos. Onde é que somos invisíveis? Onde é que está a Amazônia, que todo mundo fala, fala, fala, se empodera, se apropria, mas o pensador amazônico não está? A caricatura só está presente quando é conveniente. Quando o Rock In Rio anuncia o “dia do Brasil” e nós não estamos… Eu, com 67 anos, já não me preocupo muito se eles vão dizer que eu quero estar lá. Eu quero é que meu povo e a voz da floresta estejam lá. Nós temos uma COP para acontecer aqui e fomos ignorados como música pelo Rock in Rio!?

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O que veio em mente quando do anúncio do “Dia do Brasil”?
Quando eu vi o anúncio, ontem, eu fiquei… Há duas edições, o Rock In Rio lançou um “vamos reflorestar a Amazônia” [em 2017, o festival anunciou iniciativa que reflorestaria a cabeceira do Rio Xingu com quatro milhões de árvores]. Na época, eu liguei pro Zé [José Ricardo Santana de Farias, curador do festival desde 2008] e falei “que negócio é esse?”. Vão reflorestar a Amazônia sem nenhum amazônico entre as atrações, não tem ninguém da floresta, não tem uma orquestra sinfônica amazônica, não tem um boi bumbá.

Em 2019, você esteve no palco Sunset com o show Pará Pop que convidou Jaloo, Gaby Amarantos, Dona Onete e Lucas Estrela. 
Dois anos depois teve esse convite. Mas eu não quero ser convidada, não sei se tenho perfil do Rock In Rio. Mas sei que é preciso olhar para a música da Amazônia. Aí, agora, eles falam da “música do Brasil” e nenhum desses está lá. Nem a Joelma, que está com um hit planetário, entendeu? Onde é que a Amazônia entra como foco pensante e cultural? Ou é só colocar um cocar na cabeça, acham alguém com olhinho puxado, tacape na mão e isso é Amazônia? Isso me revolta.

Se você estivesse entre os convidados desse ano, como você reagiria?
Eu nunca estaria sozinha em um line-up desse. Eu traria meus músicos amazônicos, participações. É assim que eu entendo que temos que sair. Eu nunca saí sozinha. Saí, sim, há 50 anos, mas carregando comigo a cultura do Pará. Paulo André Barata, Ruy Barata (1920-1990), Antonio Galdino, Vital Lima, as percussões maravilhosas de lá e se misturando com as coisas daqui. Eu nunca estou só, muito mais em um festival desse tamanho. Seria como a gente faz em Belém: cada um dos segmentos junto comigo. É o brega, Joelma Kláudia, é Aíla, é Viviane Batidão, Eloi Iglesias, a representatividade mais forte da cultura LGBTQIA+, meu colega de teatro. Quando a gente sai do Norte, a gente tem de sair forte. Num momento como esse, deveríamos ter um palco Amazônia no Rock In Rio.

Como foi sair de Belém e enfrentar o “eixo”?
Foi horrível. Eu saí de Belém há 50 anos. O bullying que eu sofri nunca foi por ser mulher, um pouco por ser gorda e não ter o biotipo eslavo. Mas, sim, por ser do Norte. Ouvia coisas como “Vocês vivem de tanga? Tem índio na rua?”. Então, o estereótipo criado da Amazônia, que é feita de vários povos… Nós somos ribeirinhos, quilombolas, extrativistista, o homem e a mulher da floresta, o homem e a mulher do campo, o homem e a mulher da cidade… Esse caldeirão cultural que traz um tambor giganteco. Se você olhar só a parte percussiva, a gente tem o marabaixo, o siriá, o lundo, o carimbó e por aí vai. Se olhar a parte sinfônica, nós temos uns dos maiores compositores eruditos do planeta, o Claudio Santoro, do Amazonas, e Waldermar Henrique (1905-1995), de Belém.

Como você avalia as respostas dos organizadores e curadores de arte e festival quando você provoca essa discussão sobre a exclusão da região Norte que representa 45% do território nacional?
Eu não vou bater tambor pra ninguém, eu vou bater com os meus. A cultura do Pará é transversal e deve ser olhada. Se eu tenho voz e estou aqui há 50 anos e eu tô pouco me importando com o que vão achar. Eu nunca liguei para ser parte das turmas, não vai ser hoje que eu vou deixar de falar pelo meu povo. Pinduca foi quem trouxe carimbó, Eliana Pittman botou aqui no setor Rio-São Paulo, Dona Onete, aos 72 anos, vai pro mundo como uma mulher amazônica, compositora. Furou a bolha. Como é que pode não olhar pra essa mulher? Como pode não olhar pra Joelma que tem um hit “eu vou tomar um tacacá!” chamado “Voando pro Pará” que está no mundo! No mundo! Eu acho que ela só bate com “Ai Se Eu Te Pego”. É um fato. O mundo inteiro canta!

Como é chegar aos 65 anos sendo uma agente provocadora desse debate e ainda brigando por essa posição?
Essa é a minha natureza. Não f0i pesado, nem desgastante. Os embates são necessários e eu não me acovardo nunca. Nós somos uma região pujante, diferente. Temos nosso movimento musical que eu vejo que são os movimentos das marés. Os tambores tem a sonoridade de cada maré: a maré do rio, do mar, a maré de Macapá, do Rio Amazonas. Nós não precisamos ser usados. Queremos ser ouvidos. E eu continuo sem me calar, em um voo livre como um rio, sereno como igarapé mas, às vezes, pegando pesado como uma pororoca [ri em gargalhada].

O Rock in Rio emitiu um comunicado sobre os comentários de Fafá. “O line-up do dia 21 de setembro, como anunciado durante coletiva de imprensa na tarde de ontem (29), apesar de divulgado, ainda está em construção e em formação. Artistas de outras regiões do país, entre elas a Norte, estão em negociação com a organização, que como reforçou trará novidades e surpresas até o dia da apresentação”, afirma o festival.

“O Dia Brasil propõe um grande movimento social, de união e respeito de todos, com engajamento e direitos da música “Deixa o Coração Falar” revertidos para duas causas sociais e em parceria com o Ação da Cidadania e a Gerando Facões. O formato único dos shows deste dia, que envolve diversas colaborações inéditas entre os artistas, traz com ele desafios artísticos e logísticos significativos. Importante destacar que o Rock in Rio olha para a diversidade como um todo no line up de todos os palcos e um exemplo disso foi o Show Pará Pop, já realizado no Palco Sunset, capitaneado por Fafá de Belém com grandes nomes do Pará, e que se tornou um dos shows mais emblemáticos da história deste palco”, finaliza.

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