Era uma sexta-feira 13. E o Black Sabbath criou o heavy metal
O pai desse gênero musical faz sua despedida em Birmingham, sua cidade natal


Caso o heavy metal tivesse uma certidão de nascimento, ela seria mais ou menos assim: “Nasceu hoje, 13 de fevereiro de 1970, na cidade inglesa de Birmingham, heavy metal. O bebê de sexo masculino é filho de Black Sabbath e de John Michael “Ozzy” Osbourne, Anthony Frank Iommi Jr., William Thomas Ward e Terence Michael Joseph “Geezer” Butler. Ele é um bebê saudável –embora seu aspecto tenha características um tanto macabras– e foi concebido depois de doze horas no estúdio Regent Sound, em Londres, no dia 16 de outubro de 1969. Os progenitores da criança não se aguentam de tanta alegria e encomendaram até crucifixos de ferro para proteger o pimpolho de eventuais maus-olhados.”
O texto acima, claro, é uma brincadeira, embora nunca se tenha duvidado da paternidade de um dos gêneros musicais do mundo. O Black Sabbath é o verdadeiro criador do heavy metal –que hoje se dividiu em diversos subgêneros– por mais que diversos artistas tenham clamado este pioneirismo para si. Eles moldaram as canções do metal e deram a ele o realismo fantástico que até hoje faz parte de seu folclore.
A busca por uma sonoridade mais pesada data da segunda metade dos anos 1960. Em 1968, os Beatles criaram Helter Skelter, canção empapada de vocais gritados, pedais de distorção à toda altura e clima claustrofóbico. No mesmo período, trios como Jimi Hendrix Experience e Cream amplificaram a linguagem do blues, receita que seria depois aprimorada –com peso extra, claro– pelo Led Zeppelin. No mesmo período (mais especificamente, no ano de 1968) o trio americano Blue Cheer pegou essa mesma combinação e a turbinou com um rock mais sujo e desleixado.
Mas ninguém estava preparado para o Black Sabbath. Ozzy Osbourne (vocais), Tony Iommi (guitarra), Geezer Butler (baixo) e Bill Ward (bateria) eram quatro rapazes desajustados da cidade de Birmingham, na Inglaterra, que viam na música a única oportunidade de sobrevivência. Um objetivo que não esmoreceu nem quando Iommi perdeu a “capa” de dois dedos da mão direita num acidente com uma chapa de metal (ele substituiu a parte decepada inicialmente por plástico de garrafas derretido e depois por um pedaço de jaqueta de couro até ganhar uma prótese sob medida). O quarteto inicialmente foi batizado como Polka Tulk e depois Earth. Até o dia em que eles descobriram que havia outra banda chamada Earth, sendo obrigados a mudar de nome.
O baixista Geezer Butler é apontado como o sujeito que deu o nome de Black Sabbath à banda. Foi uma homenagem ao filme homônimo de terror do cineasta italiano Mario Bava (1914-1980). Butler, que em sua autobiografia (lançada no Brasil pela editora Belas Letras) confessou ver espíritos, era fã de literatura de terror, em especial as histórias do autor inglês Dennis Wheatley (1897-1977). Ele ficou responsável pela criação das letras do quarteto, que então fazia uma espécie de blues rock com peso extra (a piada geral é que eles tocavam alto para que o público dos bares parasse de conversar e prestasse atenção nas suas composições).
Black Sabbath, o disco, deu régua e compasso para a popularização do heavy metal. A começar pela capa, que trazia uma figura misteriosa flagrada no moinho de água Mapledurham, localizado no Vale do Tâmisa. A faixa-título, cuja letra fala de um sujeito atormentado pelo coisa-ruim, tem como característica o trítono, intervalo entre alturas de duas notas musicais, efeito conhecido também como “som do diabo” (ele também se faz presente no primeiro movimento da Quinta Sinfonia, de Beethoven, mas tocado pela guitarra de Iommi era de causar pânico no ouvinte mais impressionável). Some-se a isso a seção rítmica pesada e distorcida de Butler e Ward, além dos vocais repletos de gritos de desespero de Ozzy Osbourne. Black Sabbath, a canção, era o ponto alto de um disco que traz ainda canções como The Wizard, N.I.B. (com uma introdução primorosa de baixo de Geezer Butler) e Warning cover de uma banda de blues transformada numa jam session que traz solos desenfreados de Iommi. Essa receita seria aprimorada por bandas como Judas Priest, Iron Maiden, Kyuss e muitos outros.
O disco de estreia do quarteto foi massacrado pela crítica musical . “Eu sabia que uma desgraça dessas iria acontecer mais cedo ou mais tarde”, escreveu Robert Christgau, um dos jornalistas mais influentes daquele período. Poucos trabalhos, contudo, conseguiram traduzir de modo tão brilhante o sentimento de desolação e incerteza daquele período – a Guerra Fria, a Guerra do Vietnã, a Inglaterra que ainda sofria os efeitos da Segunda Guerra Mundial… Em pouco mais de dois anos, o quarteto lançou outros três discos nos quais aprimorou seu estilo e criou alguns dos principais hinos do rock pesado: Paranoid, War Pigs (protesto anti-bélico de primeira qualidade), Iron Man, Sweet Leaf, Children of the Grave, Into the Void, Wheels of Confusion, Supernaut (que o virtuoso músico e maestro Frank Zappa dizia ser um dos maiores riffs de guitarra da história)…
A produção do Black Sabbath continuou a todo vapor nos discos Sabbath Bloody Sabbath (1973) e Sabotage (1975, o predileto deste que vos escreve) e perdeu o pique nos outros dois álbuns seguintes. Em 1978, Ozzy Osbourne foi demitido por causa do excesso de farras (visto o que os outros músicos abusaram de bebida e drogas nesse período, Ozzy deveria estar beeeem fora de controle). O vocalista partiu para uma carreira solo de sucesso enquanto o Black Sabbath teve alguns momentos de sobrevida. Primeiro com o americano Ronnie James Dio, onde adotou uma sonoridade pesada e pomposa (sim, isso existe) e depois com Ian Gillan, ex-vocalista do grupo de rock pesado Deep Purple. Ozzy ensaiou alguns retornos –mais especificamente em 1997 e 2012, quando o grupo soltou o derradeiro disco The End– e encerrou suas atividades no ano de 2017, com um show em Birmingham.
A performance do dia 05 de julho, no estádio do time de futebol Aston Villa, em Birmingham, trará a formação original pela primeira vez em mais de duas décadas –o baterista Bill Ward não participa das reuniões desde 1998, quando sofreu um ataque do coração. Back to the Beginning é um festival organizado por Tom Morello, guitarrista do Rage Against the Machine e traz diversas bandas que tiveram o Black Sabbath como principal influência (entre elas Metallica, Pantera, Alice in Chains, Slayer e Anthrax) e terá sua renda revertida para organizações locais de saúde. Certamente será a derradeira performance de Ozzy Osbourne, que há cinco anos sofre do Mal de Parkinson e ultimamente está andando de cadeira de rodas (deve ser um efeito e tanto vê-lo sentado cantar “Satan’s sitting there, he’s smiling, ou seja Satã está sentado ali e está sorrindo).
Resumindo, o bebê Heavy Metal cresceu, fez sua história e se despede do mundo cercado pelos seus filhos mais importantes. Missão cumprida.