Do pagode ao forró, gravações no estilo ‘barzinho’ viram febre
Para além de formar repertório, estilo mexe com nostalgia de artistas e público
Clima descontraído, petiscos, bebidas geladas e aqueles sons que a gente adora cantar junto: poucos
espaços no Brasil são tão democráticos quanto os barzinhos com música ao vivo. Essa cultura teve seu auge nos anos 1990 e vem ganhando uma nova roupagem, agora com as gravações de álbuns audiovisuais.
Do sertanejo ao pagode, os “DVDs de boteco” atraem os fãs pelo repertório ou simplesmente pela estética. Menos É Mais, Xand Avião e Gusttavo Lima, por exemplo, estão apostando no formato. Antes de se tornar febre entre os artistas mais ouvidos do país, os barzinhos se tornaram uma espécie de laboratório para novos talentos.
Desde os primórdios, intérpretes se arriscam nos bares como uma aposta de início de carreira, fazendo contato com o público, criando repertórios ecléticos e até mesmo testando suas primeiras canções autorais. Foi o caso de Emmerson Nogueira, por exemplo, um dos grandes fenômenos desse modelo.
“Comecei me apresentando na noite. Tocava cerca de quatro horas pelos barzinhos, reunindo todo tipo de música para agradar ao público mais variado”, disse o cantor, em uma entrevista à TV Globo. Ao se tornar referência, ele gravou diversos álbuns com as cores de bandas clássicas do rock mundial, como The Police, Beatles e Pink Floyd.
Foi nos barzinhos que muitos artistas chamaram a atenção de produtores e empresários, de olho na chance de gravar um tão sonhado disco. Esse foi o caso de Emmerson e de outros nomes da música brasileira. A proximidade afetiva fez com que, mesmo alcançando o sucesso, muitos cantores e bandas ainda encontrassem no barzinho um reduto de nostalgia.
Comandante em ação
Em outubro deste ano, Xand Avião gravou o projeto “Xand’s Bar”, que nada mais é do que um DVD do Comandante com um repertório que emenda clássicos da MPB, do brega e músicas autorais que se tornaram ícones do forró nacional. Ou seja: o puro suco do clássico repertório de barzinho.
Tendo feito sua base na música cantando em churrascarias para 10 ou 20 pessoas, o cantor acredita que esse conceito do barzinho é uma espécie de universidade da música, em que o artista aprende não só a enriquecer seu repertório, mas também a lidar com um público eclético e exigente. Afinal, quem nunca esteve num barzinho e bancou o chato para pedir aquela canção de que só você gosta?
“[O barzinho] é como se fosse uma faculdade intensiva, para você saber o que o público quer ouvir. Eu cantava para, no máximo, 20 pessoas. Tinha de agradar essa gente e, por isso, precisava ter um repertório imenso. No barzinho, você tem de tocar de tudo, não tem jeito”, conta.
No entanto, um elemento que distancia o “Xand’s Bar” do barzinho raiz é o tamanho do projeto. Além da estrutura da gravação, realizada em João Pessoa, na Paraíba, o cantor reuniu convidados de peso dos mais variados gêneros, de Belo a Zé Vaqueiro. Em entrevista para a Billboard Brasil, o Comandante explicou que o investimento, mesmo antes da sua label rodar o Brasil, já deu o retorno esperado.
“Tudo o que é diferente movimenta o mercado. O Xand’s Bar é um bar, mas é um bar gigantesco. Fizemos um grande investimento em estrutura, gravação com balé e tudo mais”, diz.
No caso de Xand, a relação com bares é ainda mais íntima. Seu pai, José Alexandre, tinha um estabelecimento em Mossoró, importante cidade do semiárido brasileiro, no Rio Grande do Norte. O comércio acabou não vingando, pois, segundo o filho, José Alexandre era adepto da venda no estilo fiado e tinha dificuldades de receber o que era seu por direito.
No entanto, Xand decidiu homenagear o pai com seu novo projeto. O modelo, digamos, mais celebrativo e menos intimista, também ultrapassa as barreiras do forró. É o caso do projeto “Buteco”, do sertanejo Gusttavo Lima. Uma das maiores labels do Brasil, tem um formato criado com elementos do boteco: bebida, modão e um artista disposto a cantar até o amanhecer.
Mas, quem nunca foi a um evento desses, não deve se iludir pelo nome. Realizado em estádios ou em grandes espaços pelo Brasil, o projeto de Gusttavo Lima tem uma estrutura imensa, que beira o luxo de grandes restaurantes. E a ideia inicial de se fazer um projeto desse tipo foi porque, justamente, as músicas do cantor estavam tocando pelos bares do Brasil.
“Essa história é longa, começou lá em 2013. Eu estava de férias, fui à casa da minha mãe e passei no estúdio de um amigo. Regravei umas 12 músicas e, depois, esse CD desapareceu. Após uns 20 dias, um amigo meu de Patos de Minas [MG] me ligou e disse: ‘Esse CD voz e violão que você gravou está explodindo aqui, tocando em todos os bares’. Aí gravamos o primeiro DVD ‘Buteco’, em 2014. Foi um sucesso, mas ainda não era um evento. Em 2017, gravamos o segundo volume e, aí sim, virou uma festa. Começamos a tocar para 4.000 ou 5.000 pessoas sentadas. Foi crescendo e virou o que virou”, conta Gusttavo Lima.
Resultado na internet
Uma mesa retangular ocupa o centro de um salão pequeno. Numa das pontas está Mari Fernandez. Nos outros lugares ficam os integrantes de sua banda.
Todos em volta seguram copos e cantam as músicas do DVD “Mari no Barzinho”. O volume 1 do projeto da cantora cearense, gravado no Rio de Janeiro, tem como destaque as canções “Louco, Louco”, parceria com Zé Felipe, e “Página do Ex”, que acumulam mais de 100 milhões de plays nas plataformas de streaming. A ideia da cantora era justamente relembrar suas origens –alguém que, antes de ficar conhecida nacionalmente, fazia test drive nos bares e restaurantes.
No caso dela, ainda rolou uma espécie de experimento: antes de gravar seu projeto audiovisual, Mari Fernandez fez uma visita surpresa a um bar de Canindé, cidade do interior do Ceará, a cerca de 115 km de Fortaleza. A ideia deu certo: parte dos 70 mil habitantes do município deu um jeito de estar presente no local, e a artista teve a certeza de que seu novo álbum tinha o formato ideal para bombar.
“Eu acho que é uma mistura que representa muito a essência do brasileiro, né? Essa informalidade do bar, a paixão pela música ao vivo, uma bebidinha e a descontração com a galera. É algo comum de norte a sul do país. A pessoa pode até não gostar de ir para a balada, mas tomar uma no bar, ir a um show, são momentos de descontração, que todo mundo curte. Acho que por isso deu tão certo”, diz ela, em entrevista para a Billboard Brasil.
Já o Menos É Mais, grupo de pagode que começou pelos barzinhos de Brasília (DF), ganhou o país em 2019, ao gravar em vídeo o projeto “Churrasquinho do Menos É Mais”. Você provavelmente já assistiu ao vídeo, que apresenta o grupo brasiliense cantando com seus parceiros do grupo Vou Zoar, cercado de poucas pessoas em volta, numa típica roda de pagode. Mais do que o formato (o registro audiovisual de um evento), o conteúdo (uma apresentação com setlist repleto de clássicos do pagode) se tornou referência e colocou o grupo entre os mais ouvidos do país. O Menos É Mais passou a ser conhecido nacionalmente
por esse estilo, e o “Churrasquinho” se tornou uma marca, no mesmo estilo dos projetos de bar.
Cinco anos depois, o mesmo formato com um conteúdo renovado atingiu um novo patamar. “Coração Partido”, uma releitura em português de “Corazón Partío”, de Alejandro Sanz, chegou a ocupar as primeiras posições do Billboard Brasil Hot 100, algo inédito para o pagode. O vídeo segue a mesma configuração: uma releitura dos barzinhos pelo Brasil.
Estamos em 2024 e a nostalgia é um ponto trabalhado na música das mais diversas formas. No caso do acolhimento dos barzinhos como forma e conteúdo para novos projetos, faz sentido para quem quer demonstrar que está celebrando. Quem tende a ganhar é o público, que gosta não só de música boa, mas de um ambiente para amar, beber e chorar.