Como o caos ajudou na criação de um dos clássicos do rock brasileiro
Produtor José Emílio Rondeau dá detalhes da estreia da Legião Urbana
“Já fiz muitas coisas na minha vida, mas a maior delas foi uma invenção minha chamada punk rock”, diz o empresário Malcolm McLaren (1946-2010), criador dos Sex Pistols e um dos primeiros personagens do showbiz a perceber a importância do rap e da world music –em seu disco “Duck Rock”, de 1983. José Emílio Rondeau, por seu turno, é um jornalista que escreveu para diversos veículos de imprensa importantes –fomos companheiros de revista “BIZZ” –, mas poucos feitos se igualam à produção de um dos maiores discos da história do rock nacional: a estreia da Legião Urbana.
“Será! – Crises, Genialidade e um som Poderoso: os Bastidores da Gravação do Primeiro Disco da Legião Urbana Contados por seu Produtor” (Editora Máquina de Livros; 112 páginas; 65 reais) é um relato direto e sem firulas da estreia discográfica de Renato Russo (vocais e teclados), Dado Villa-Lobos (guitarra), Marcelo Bonfá (bateria) e Renato Rocha (baixo). Surgido em Brasília no final dos anos 1970, o quarteto se especializou em criar composições calcadas no punk e no pós-punk do período, aliadas às influências de música folk do vocalista Renato Russo.
As gravações, no entanto, foram atribuladas. Renato, Dado e Marcelo não concordaram com os pitacos da companhia –que os via inicialmente como uma banda de country rock – e vetou os dois produtores escalados para o projeto. Um deles foi o guitarrista Marcelo Sussekind, do Herva Doce, produtor de “O Passo do Lui” (1985), segundo disco dos Paralamas do Sucesso (aliás, vale uma correção: o Herva Doce NÃO ABRIU os show do Van Halen no Brasil, a banda de abertura foi a paulistana Patrulha do Espaço. O Herva Doce abriu as apresentações do Kiss, em junho de 1983). A reunião não deu liga. Em seguida, a EMI, gravadora que contratou a Legião, trouxe Rick Ferreira, guitarrista que tocou com Raul Seixas e formado na escola do blues e da música country. O resultado se mostrou ainda mais desastroso. Quando José Emílio Rondeau marcou uma reunião com Jorge Davidson, então diretor artístico da gravadora, a fim de assumir a função de produtor do álbum, ele foi visto como a salvação da lavoura. Até mesmo porque, ao contrário de seus dois antecessores, conhecia as referências musicais da Legião. Rondeau se uniu então ao também produtor Mayrton Bahia e ao engenheiro de som Amaro Moço para tocar o projeto do disco, que então parecia que não sairia mais.
+Leia mais: Undo estreia ‘Volta Aquela Cena’, single que traz ecos da Legião Urbana
Por mais que conhecesse a Legião, Rondeau passou por dificuldades. Uma delas foi a tentativa de suicídio de Renato Russo (ele cortou os pulsos). Renato Rocha, o Negrete, assumiu a função –e uma das qualidades do livro está justamente na descrição de como o estilo de Negrete somou-se ao punk básico do grupo. Houve, no entanto, brigas com os integrantes –em especial com Bonfá–, mas nunca se negou a qualidade do material. “Será!” não somente traz os detalhes da produção, como também coleta as versões dos integrantes do grupo, de Mayrton Bahia e Amaro Moço, além de uma descrição detalhada de cada composição. Um documento importante para se entender uma das principais bandas do rock brasileiro.