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Como Luke Jenner, ex-vocalista do Rapture, superou vícios e virou ‘life coach’

Como Luke Jenner, ex-vocalista do Rapture, superou vícios e virou ‘life coach’

Voz do hit 'House of Jealous Lovers' superou os traumas de ser um astro do rock

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Como vocalista do Rapture, uma banda de dance-punk do início do milênio, Luke Jenner transformava o público em seguidores fiéis com seus vocais intensos. Hoje, anos depois de “House of Jealous Lovers” dominar as pistas pelos mundo, você pode presenciar essa habilidade natural em um cenário completamente diferente. Foi quando Jenner apareceu na tela do meu computador para oferecer orientação sobre alguns dos meus dilemas mais íntimos.

Após 15 minutos de conversa, ele faz uma pergunta sobre a maneira como eu falo de mim mesma, de forma direta, dando a entender que “ruim” era a palavra exata para o meu autojulgamento. E ele estava certo. Durante os próximos 45 minutos, exploramos o assunto em uma conversa abrangente, durante a qual Luke introduziu ideias sobre fé, dúvida, discernimento, autorespeito e autoamor.

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“Aquela parte de você é apenas uma menina que só quer que você escute o que ela tem a dizer, e você está apenas mandando ela calar a boca”, ele diz. ‘Você não está autorizada a tratá-la dessa maneira novamente.”

Nem tudo o que discutimos teve um impacto em mim, mas grande parte, sim – nos dias que se sucederam à sessão, me senti inspirada, de uma forma mais introspectiva. Consegui fazer mudanças sutis que acalmaram algumas das partes mais frágeis de mim.

Pessoas de todo os Estados Unidos e de outros países pagam a Luke Jenner centenas de dólares por hora para que ele as ajude a organizar suas vidas, sua autoconfiança e a colocar seus problemas em ordem – assim como Luke tem feito consigo mesmo desde que se tornou um astro do indie rock há 20 anos.

Foi em 2003 que o Rapture lançou sua obra-prima, “Echoes”, eleito pela “Pitchfork” o melhor álbum daquele ano. Produzido por James Murphy, do LCD Soundsystem, o single “House of Jealous Lovers” transformou o trio de Nova York em semideuses. Era um momento emocionante para a dance music, mas cujo estilo de vida de festa se tornou insustentável para Luke.

Afastado da indústria fonográfica, Luke agora é coach: seu público foi sido reduzido de milhares de pessoas em um show para o indivíduo em quem ele foca a atenção durante cada sessão de terapia. Não é uma mudança brusca, segundo ele. Trata-se mais de uma evolução natural.

Aprender com a dor

Luke, agora com 48 anos, tirava lições de suas experiências pessoais para cantar ora com intensidade feroz, ora com êxtase selvagem. Como coach, ele extrai lições desta mesma história de vida. A diferença é que agora ele está faz isso para tornar sua própria vida e a de outras pessoas melhor, em vez de destruí-la.

“Aos 20 e poucos anos, eu era muito bem-sucedido, com dinheiro, poder, prestígio. Estava casado com uma mulher linda que me amava. Eu ia ter um filho com ela. Morava em Nova York. Conheci todos os meus heróis, mas estava tão solitário que poderia morrer.”

Ele conta ter procurado por evidências de que poderia viver a vida de astro do rock e ser pessoalmente realizado ao mesmo tempo, mas não encontrou nada. “Eu estava procurando por uma pessoa nas artes, na indústria da música, em qualquer lugar, que gostasse de si mesma e tivesse um relacionamento saudável com seus filhos e parceiro, e não encontrei ninguém. Eu pensava, ‘eu serei essa pessoa’.’’

Para isso, precisou reviver o passado.

Sexo, drogas, abuso e dance-rock

Luke nasceu em 1975 em San Diego, filho de um professor universitário que “comprou seu primeiro carro ao vencer um concurso de matemática… era um cara muito, muito inteligente, mas que não estava por perto”. A mãe tinha 20 anos quando deu à luz, e “era uma dessas garotas da arte, que foi consumida por mim, e eu fui consumido por ela”.

“Ela estava quase morrendo o tempo todo”, diz Luke. “Tipo, nós estávamos na rodovia, ela estava tendo um ataque de pânico, e me dizia, ‘você só precisa falar comigo. Não importa o que você disser. Se você não fizer isso, vamos morrer. ‘… e eu apenas falava com ela .”

Luke credita seu conforto em cima dos palcos à pressão dessas experiências. “Se você consegue fazer isso, todo resto é fácil – estar no palco na frente de 100 mil pessoas em um grande festival não é um problema.”

Esses traumas de infância e adolescência foram agravados por abuso emocional e sexual e, eventualmente – depois que ele e Roccoforte começaram o Rapture no final dos anos 1990 em São Francisco – muita festa. Luke começou a beber quando tinha 17 anos, com o hábito aumentando nos 14 anos seguintes, quando esteve no auge do sucesso.

Mas, embora o sucesso tenha sido enorme, a mulher de Luke, Stephanie – com quem ele se casou em 2001 – também se lembra da instabilidade. “Eu entendi que algo legal estava acontecendo e nós fazíamos parte disso”, diz ela. “Mas nunca havia dinheiro demais. Lembro que eles eram a atração principal do Bowery Ballroom [uma das principais casas de show de NY], o show estava esgotado, e tivemos que pegar metrô para voltar para casa. Esse fluxo e refluxo financeiro combinado com as pressões da cena e as festas constantes significavam que ‘não era fácil ser casado com uma estrela do rock’”.

Depois de anos de hedonismo, Luke ficou sóbrio em 2006, mesmo ano em que o Rapture lançou seu segundo álbum, “Pieces of The People We Love”. No mesmo ano, sua mãe se suicidou enquanto a banda estava em turnê. “Eu sabia que ela ia se matar em algum momento”, diz ele. “Ela tentou fazer isso a vida toda. Quando aconteceu, foi um alívio em alguns aspectos.”

Sobriedade também causou problemas

Depois de tudo isso, ele se tornou devoto do programa de 12 Passos, passando por tratamentos para abuso de álcool, comida, sexo, co-dependência, drogas, abuso sexual e sistemas familiares disfuncionais. Desde então, apadrinhou mais de 100 pessoas, incluindo músicos e artistas em Nova York.

Mas, diz ele, sua sobriedade causou rachas dentro da banda. “Quando ele ficou sóbrio”, diz Stephanie Jenner, “algumas pessoas da comitiva literalmente me sentaram para dizer: ‘Está ficando difícil; era mais fácil quando ele bebia.’”

As fissuras no grupo se aprofundaram com o tempo. “Sair em turnê o deixou isolado”, lembra Stephanie Jenner. “Foi miserável e muito difícil de assistir.”. Foi quando a banda decidiu fazer terapia de grupo e procurou a coach Kathi Elster. “Eles vieram até mim tarde demais”, disse Kathi, sobre o trio, que acabou em 2014. “As feridas eram muito profundas”, explicou.

Kathi então aconselhou Luke a ter sessões individuais com ela, para que ele aprendesse a lidar com seus colegas de banda. “Ele entendeu imediamente, era muito fácil de orientar”, diz ela. “Foi quando ele quis virar coach. E ele basicamente já era um coach, só que estava fazendo isso de graça. As pessoas sempre queriam falar com ele”, explicou.

De pupilo a treinador

Na verdade, Luke é loquaz, mas também um bom ouvinte – e seu feedback é direto, gentil, muitas vezes perspicaz e baseado em fontes que incluem budismo, cristianismo e, especialmente, suas próprias experiências.

​”Você chega ao topo, ganha muito dinheiro e tem todas as pessoas certas ao seu redor para que ninguém possa te machucar. Isso é chato pra cacete – como assistir a tinta secar”.

Seu caminho de desenvolvimento pessoal também incluiu aconselhamento matrimonial, terapia individual e, diz ele, “bruxas e  retiros”. Quando a terapia tradicional deixou de ser frutífera, ele percebeu: “Eu só precisava de alguém para me contar qual é a experiência dele”. Foi quando se apegou ao coaching.

Luke atualmente trabalha com cerca de 20 clientes por semana, todos via Zoom, com idades entre 22 e 72 anos. Alguns pagam até de US$ 225 por hora (cerca de R$ 1 mil) “sem pestanejar”, e há outros para quem seu preço mínimo de US$ 100 (cerca de R$ 500) por hora é muito dinheiro. Ele diz que poderia ganhar mais dinheiro fazendo outra coisa, mas… “eu gosto de fazer isso”. Sim, houve alguns clientes que eram “superfãs”do Rapture, mas esses Luke trabalhou apenas brevemente. Quando moram em Nova York – Luke, Stephanie e o filho de 16 anos do casal moram no Brooklyn –, os clientes podem até se encontrar pessoalmente com seu coach.

Turnê de reunião do Rapture?

Stephanie, que é francesa, diz que o casamento deles agora é “um relacionamento muito mais igualitário”, pois “no início ele não podia participar, primeiro porque estava festejando demais e depois porque estava apenas lidando com o trauma familiar”. Autoproclamada ex-festeira, Stephanie diz que depois que ela e Luke ficaram sóbrios, todos os seus velhos amigos de festa meio que desapareceram.

“A vida era muito emocionante antes. Agora é muito chata. De verdade, nós amamos isso.”

A música já não ocupa tanto espaço na vida dos Jenner. Stephanie diz que ela e o filho gostam do silêncio, então Luke ouve música sozinho quando eles não estão por perto. Lançado em 2020, o primeiro e único álbum solo de Luke, “1”, que conta com as vozes de sua mulher e do filho, foi bem recebido. No momento, ele não tem planos para mais lançamentos.

Em 2019, Luke escreveu no Facebook: “Espero que haja um longo futuro para nós e que possamos construir algo novo” em relação aos shows de reunião que o Rapture fez naquela época, mas ele não tem falado com seus ex-companheiros de banda. No entanto, ele diz: “Ainda tenho essa esperança. eu não desisti. Eu apenas me valorizo de uma maneira diferente.”

“Como cantor e compositor, você fica muito narcisista”, diz ele. “Você sobe no palco, e todo mundo valida isso por meio de aplausos e grandes quantias de dinheiro, além de conhecer outras celebridades em refeições sofisticadas ao redor do mundo. Então, ser coach te cura, porque é o oposto disso.”

Embora Luke ainda não tenha o reconhecimento como coach como teve como vocalista do Rapture – e, de fato, como o chamado life coaching não é uma profissão licenciada nos Estados Unidos, ele não tem uma certificação formal – ele sente que suas experiências e o trabalho ele fez para transmutá-las em sabedoria o qualificam para o trabalho.

“Tenho um casamento longo e bem-sucedido. Eu sou um bom pai. Superei disfunções maciças na infância, abuso sexual, vários suicídios e dependência de drogas em minha família, meus próprios vícios, e assim por diante ”, diz ele. “Esse é o meu cartão de visitas.”

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