Como Horace Andy se tornou um dos maiores cantores da história do reggae
Jamaicano veio ao Brasil recentemente para a festa da ExpoCannabis Brasil


No início dos anos 2000, a revista inglesa “Uncut” fez uma eleição das vozes mais bonitas do universo pop. Em meio a nomes celebrados como Aretha Franklin e Stevie Wonder, um dos eleitos causou surpresa: o jamaicano Horace Andy. Surpresa, claro, para quem nunca se emocionou com a voz desse cantor de 72 anos. Seja à frente do Massive Attack, ícone do trip hop, ou na carreira solo, Andy é coisa de Jah, quando estica as vogais das palavras e solta um “woahhh”.
“Para mim, foi algo que surgiu naturalmente. Sabe, quando estou cantando, quero colocar um pouco mais de emoção e mando o ‘woaahh'”, diz Andy, em entrevista para a Billboard Brasil. Ele nasceu com o nome de Horace Keith Hinds (seu primo, o cantor Justin Hinds, foi vocalista dos Dominoes e depois criou o Wingless Angels, que teve como padrinho o guitarrista Keith Richards) em Kingston, capital da Jamaica, no início dos anos 1950. Como todo moleque nascido durante esse período, suas primeiras influências foi o rhythm`n`blues e a soul music que os jamaicanos captavam nas rádios. E como boa parte dos garotos nascidos durante aquele período, a música foi a alternativa à barra pesada.
Horace Andy foi contratado pelo Studio One, instituição comandada de modo ditatorial por Clement Coxsone Dodd (1932-2004), um daqueles gangsters da era do reggae, que ao mesmo tempo em que deu chance para nomes como Bob Marley, tinha o costume de resolver disputas contratuais à bala. “Eu não vejo o senhor Dodd desse jeito, não”, diz Andy. “Ele era justo. Se investisse 2 000 dólares em você ou te dava um dinheiro emprestado, ele fazia questão de ter a grana de volta”, defende. “Houve produtores muito piores. Bunny Lee, por exemplo, que nunca tocou um instrumento e nunca pagou o cachê dos cantores. Traz em sua biografia produções da Trojan Records, gravadora icônica do universo reggae dos anos 1970. “Não é um produtor, mas um financiador. Nunca me pagou. Vendeu todas as minhas gravações para a Trojan Records na Inglaterra e nunca vi uma declaração de royalties depois de todos esses anos, mas eles lançam minhas músicas em CD, vinil e em caixas”, lamenta Andy.
O jamaicano voltou aos holofotes nos anos 1990, quando caiu nas graças do combo inglês Massive Attack. “Não fazem reggae, mas fazem trip hop. É algo diferente, mas bonito”, diz Andy. O cantor gravou pelo menos duas canções icônicas do conjunto: “Angel”, de autoria do próprio grupo, e a cover de “The Man Next Door”, reggae das antigas anteriormente gravado pelos canários John Holt e Dennis Brown. “É uma canção que remete aos meus tempos de garoto”, diz Andy. O flerte com o reggae feito pelos ingleses lhe causou tantos prazeres quanto dissabores. Em 2022, por exemplo, uniu-se ao produtor Adrian Sherwood (do Dub Syndicate) e soltou uma lindeza chamada “Midnight Rocker”. Um dos destaques é a releitura para “Safe from Harm”, sucesso do primeiro disco do Massive Attack, o clássico “Blue Lines”. Em compensação, “Timeless Roots”, que traz assinatura de Jah Wobble (ex-Public Image, de John Lydon, e um dos papas do dub), foi uma decepção. “Pediram para eu cantar à capella, não me mostraram os arranjos, muito menos ver os clipes”, resigna-se.
E aqui, vale um encerramento de fã. Na última vez que assisti Horace Andy à frente do Massive Attack, foi em junho de 2016. Ele havia fugido do hospital e foi para a apresentação do grupo no Hyde Park, em Londres. De cadeira de rodas, Andy cantou “Angel”, “Man Next Door” e foi encaminhado de volta para o hospital. “Bem que eu tentei me esconder, queria assistir ao Stevie Wonder, que ia cantar na mesma noite. Não deu”, lamenta.