Cabelinho sai em defesa de Poze após acusações de apologia ao crime
'Quando um MC retrata a favela, é crime', disse o também ator global
MC Cabelinho foi o primeiro artista a se pronunciar após a prisão de MC Poze do Rodo —o rapper é acusado de apologia crime.
Em vídeo, publicado no Instagram, Cabelinho critica o que considera uma perseguição sistemática à cultura preta, periférica e favelada. “Desde sempre, a cultura preta, favelada, periférica, é criminalizada. Desde sempre. E ultimamente isso vem se intensificando, tá ligado?”, afirmou o artista
Cabelinho também comparou a situação de MCs como Poze e Oruan — outro funkeiro que foi alvo de investigações — com o tratamento dado a produções televisivas que retratam o crime.
“Quando eu atuei na novela das nove, que eu fiz um papel de traficante em ‘Amor de Mãe’ na Globo, era arte, né? Quando eu fiz um papel de bandido na novela ‘Vai na Fé’, era arte. Quando um roteirista escreve a vida de um traficante e relata o que acontece na favela, é arte. Agora, quando um MC, funkeiro, favelado, relata o que acontece na favela, que é a realidade dele, é apologia ao crime. Vocês percebem o quanto isso é subjetivo?”, questionou.
O artista ainda denunciou o tratamento dado a MC Poze no momento da prisão, que segundo ele, teria ocorrido de forma humilhante. “O menor foi pra delegacia descalço, sem camisa, algemaram o menor, humilhando ele na frente da família, dos amigos”, disse. “Essa luta não é só sua, essa luta é nossa. Tô contigo, conta com o meu apoio, com o apoio dos meus fãs.”, finalizou.
Gravadoras também estão sendo investigadas
Yma das empresas investigadas é a Mainstreet Records, que foi fundada pelo empresário Lucas Mendes Lang, conhecido como Lang, em parceria com o rapper Flávio César de Castro, o Orochi.
Ainda de acordo com a polícia, cantores que se apresentam em eventos como o Baile da Disney, realizado na Vila do João — área sob influência de uma facção rival ao Comando Vermelho — também serão alvo das investigações.
O advogado Fernando Henrique Cardoso, que representa, Poze do Rodo, Cabelinho e Oruam, afirmou que existe uma narrativa de perseguição a determinados gêneros musicais e lembrou que, inicialmente, o samba também foi criminalizado.
“Em relação a isso, essa narrativa de pesquisar determinado gênero musical, cena artística, primeiro o samba foi criminalizado. Isso não é novo. Essas supostas falas da polícia fazem parte de uma narrativa que criminaliza e exclui as manifestações artísticas”, falou o advogado.
“É um tanto estranho, porque estamos falando de arte no Brasil e no mundo, que movimentam bilhões. Eu faço a defesa de alguns desses cantores, mas ainda não tive acesso à investigação desses cantores”, acrescentou.
Velha história de preconceito na música do Rio de Janeiro
Em dezembro de 2010, cinco MCs cariocas foram presos sob acusações de apologia ao crime, associação ao tráfico de drogas, incitação ao crime e formação de quadrilha. Os artistas detidos foram MC Smith (Wallace Ferreira da Mota), MC Tikão (Fabrício Baptista Ramos), MC Frank (Frank Batista Ramos), MC Max (Max Muller da Paixão Pessanha) e MC Dido (Anderson Romoaldo Paulino da Silva).
As prisões ocorreram após uma investigação conduzida pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), que monitorou os artistas por cerca de um ano. A polícia alegou que os MCs utilizavam suas músicas, conhecidas como “proibidões”, para promover o tráfico de drogas e enaltecer líderes de facções criminosas, como o Comando Vermelho. Vídeos divulgados na internet mostravam os artistas mencionando traficantes e incentivando o público a fazer gestos associados a facções durante apresentações .
A prisão ocorreu pouco após a ocupação policial do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro, em novembro de 2010, em uma das maiores operações de segurança pública da história do Rio de Janeiro. A delegada Helen Sardenberg, responsável pelo caso, afirmou que os funkeiros eram “MCs do tráfico”, atuando como “funcionários” das facções ao fazerem o “marketing” dos criminosos por meio de suas músicas .
Apesar das acusações, os MCs negaram envolvimento com o tráfico e afirmaram que suas músicas apenas retratavam a realidade das comunidades onde viviam. Em entrevista posterior, MC Smith comentou com ironia sobre sua prisão, dizendo que “entrou para a história do país” e que, após a experiência, seu cachê aumentou, pois “o povo ama o que é proibido” .
Em 24 de dezembro de 2010, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus aos cinco MCs, entendendo que a prisão temporária de 30 dias era ilegal, já que o crime de associação para o tráfico não é considerado hediondo. A corte determinou que a prisão deveria ter sido de apenas cinco dias .
O caso gerou debates sobre a criminalização do funk e a liberdade de expressão artística, especialmente no contexto das favelas cariocas. Muitos críticos apontaram que as prisões refletiam um preconceito estrutural contra a cultura periférica e negra, e que o Estado utilizava o aparato legal para silenciar vozes que denunciavam a realidade das comunidades marginalizadas