‘Bob Marley: One Love’ traz uma visão humanizada do rei do reggae
O filme tem Kingsley Ben-Adir na pele do imortal cantor e compositor jamaicano
No dia 3 de dezembro de 1976, sete homens armados invadiram a mansão localizada na 56 Hope Road, em Kingston (Jamaica), e fuzilaram Bob Marley e agregados. O rei do reggae levou tiros no peito e no braço; sua mulher, Rita, foi baleada na cabeça, e seu empresário, Don Taylor, foi atingido nas pernas e no tronco. Há várias teorias sobre o crime –vão desde a uma morte encomendada pelo serviço secreto americano a um recado da máfia jamaicana sobre uma dívida feita por um amigo de Bob, que se recusou a pagar. Mas a versão oficial é a de que seria um efeito das brigas políticas na Jamaica naquele ano. Marley faria um showmício para Michael Manley, do People`s National Party, que estava concorrendo ao cargo de Primeiro Ministro. Seu rival, Edward Seaga, do Jamaica Labour Party, teria ficado desgostoso com a adesão do maior superstar local.
O atentado é o ponto de partida de “Bob Marley: One Love” (Estados Unidos, 2024), uma correta biografia do popstar jamaicano e de como ele se tornou um ícone da liberdade. Para Ziggy Marley, um dos produtores do filme, foi uma maneira de conhecer Robert Nesta Marley além da figura de ídolo. “Eu pude entendê-lo como ser humano e as decisões difíceis que ele teve de tomar”, diz o cantor, em entrevista à Billboard Brasil. O filme tem direção de Reinaldo Marcus Green, o mesmo de “King Richard” (2022), que deu a Will Smith o Oscar de Melhor Ator. O papel principal é interpretado por Kingsley Ben-Adir e Lashana Lynch brilha no papel de Rita Marley, a mulher do cantor. “Meus pais são descendentes de jamaicanos, então não tive dificuldade em absorver a maneira que eles falam. E tive consultoria de Rita, a mulher de Bob”, diz ela à Billboard Brasil.
O primogênito da família Marley é todo elogios a Ben-Adir na pele do rei do reggae. “Ele não procurou imitar o meu pai, mas sim trazer sua humanidade”, derrete-se. Robert Nesta Marley (1945-1981) é, talvez, o maior ídolo do Terceiro Mundo depois de João Gilberto e Tom Jobim. Nascido em St. Ann, vilarejo na província jamaicana de Nine Miles, filho de um oficial inglês (que o renegou) e da local Cedella Booker, ele cresceu na favela de Trenchtown, em Kingston, onde deu seus primeiros passos musicais. Nos anos 1960, Bob uniu-se inicialmente ao meio-irmão, Bunny Livingstone, ao grandalhão Peter Tosh e ao bicão Junior Braithwaite para criar The Wailing Wailers –que posteriormente mudariam o nome para The Wailers. Braithwaite partiu para os Estados Unidos e o trio restante remanescente recrutou o baixista Aston “Family Man” e o baterista Carlton Barrett. A união dessas forças foi uma das pedras fundamentais para a popularização do reggae no mundo inteiro.
O Bob Marley de “One Love” aparece num formato doce (o documentário do cineasta Kevin McDonald, lançado em 2012, é mais fiel à verdadeira personalidade do rei do reggae), mas também apresenta suas contradições. Era era um marido apaixonado, porém tinha crises de ciúmes e fazia a mulher criar os filhos gerados fora do casamento; tinha um discurso pacifista, no entanto não se furtou a surrar o empresário quando descobriu que este superfaturou o cachê num show que seria realizado na África. Por outro lado, traz uma visão didática da origens do reggae, do rastafarianismo (filosofia que o jamaicano abraçou no final dos anos 1960) e de como ele ampliou a linguagem do reggae, adicionando elementos da disco, do soul e do punk.
O atentado de 03 de dezembro não impediu que Bob realizasse o Smile Jamaica, o tal showmício que ele prometeu fazer. Meses depois, o rei do reggae foi morar em Londres, onde concebeu “Exodus”, considerado o “disco do século” pela revista americana Time. Em 1978, de volta à terra natal, fez outra performance extática, na qual fez os inimigos Michael Manley e Edward Seaga se darem as mãos e promete a tão sonhada paz na ilha. “Parecia Cristo no meio dos dois ladrões” disse, com ironia, Neville Garrick, artista plástico e amigo de Bob. O cantor e compositor jamaicano morreu no dia 11 de maio de 1981, de um câncer que se espalhou pelo seu corpo a partir de uma ferida no dedo pé –religioso convicto, ele se negou a amputar o foco da infecção. Seu legado, contudo, continua vivo: “One Love” arrecadou 80 milhões de dólares logo em sua semana de estreia.